Páginas

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Cotas em universidades federais


A Câmara dos Deputados aprovou recentemente um projeto de lei que impõe que o acesso a pelo menos cinqüenta por cento das vagas em universidades federais obedeça a um sistema de cotas, que atenda a critérios raciais e sócio-econômicos. O projeto ainda demanda discussão e votação no Senado, e sanção presidencial, para converter-se em lei.

Tal medida, na minha modestíssima avaliação, constitui um inadmissível retrocesso, e mesmo uma equivocada ação, no que pertine à democratização do ensino superior neste país.

Inicialmente, cumpre observar que a medida viola frontalmente a autonomia administrativa das universidades federais que são, a meu ver, as entidades competentes, para determinar como prover as vagas dos cursos que oferecerem.

Segundo, a sistemática das cotas, conquanto possa parecer, à primeira vista, uma medida idônea a corrigir distorções, nada mais é do que uma nova forma de segregação, a dos acadêmicos ingressantes pelas cotas, e os pelo mérito.

Vincular o acesso ao ensino superior a critérios de raça ou de condição econômica é atentatório ao princípio da igualdade, previsto em nossa Constituição Federal de 1.988, no art. 5º, “caput” e, no nosso modesto entendimento, ofende o princípio fundamental da dignidade da pessoa.

O estado, aqui concebido em sua acepção ampla, envolvendo as três esferas de poder, do nível municipal ao federal, necessita de corrigir a forma como tem concebido a educação pública, aprimorando o sistema, tornando-o eficaz e hábil a formar pessoas cultural e intelectualmente preparadas, para sorver do ensino federal superior o conhecimento técnico-científico necessário à formação de um profissional qualificado.

Quem usufruiu do ensino público estadual, que era oferecido em Minas Gerais até uns quinze anos atrás sabe perfeitamente que um ensino público razoavelmente qualificado proporciona ao estudante todas as possibilidades de competir, em pé de igualdade, com egressos de instituições particulares. Investindo-se adequadamente em educação, tornam-se desnecessárias estas medidas artificiais e partenalistas como o são as cotas. Além do que seria uma efetiva solução, não uma mera maquiagem do problema.

Em sendo aprovada, nos termos já votados na Câmara Federal, esta provável nova lei será alvo de inúmeras ações de inconstitucionalidade, seja porque atenta contra a autonomia das universidades, seja porque ofende um princípio básico do Estado de Direito, qual seja o da igualdade.

Este país renuncia ao progresso, ao não aplicar os recursos financeiros necessários a tornar nosso sistema educacional mais eficiente e qualificado e ao procurar corrigir, com este criticável sistema de cotas, as distorções na composição das universidades federais. Coisas de um país que não enfrenta os problemas de frente e sempre prioriza ações meramente paliativas.


Publicado na edição de 01.12.2008, do Jornal Correio, Uberlândia/MG.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Cicloturismo na Serra da Canastra


A Serra da Canastra é uma das mais belas e impressionantes paisagens naturais do estado de Minas Gerais.

Localizada a Sudoeste de MG, há poucos quilômetros da fronteira com o estado de São Paulo, a Canastra, com sua topografia desafiadora, é um verdadeiro convite ao ciclismo de aventura.

Foi este o cenário que o Grupo Trilheiro de Uberlândia escolheu para desbravar, em julho de 2.007, numa expedição de cicloturismo dedicada a visitar a exuberante cachoeira Casca D`Anta, bem como a contemplar as belezas naturais do “teto de Minas”.

Primeiro dia – Saída de São João Batista, rumo à Casca D´Anta:

O primeiro dia da viagem tinha por objetivo conhecer o “cartão de visitas” da Serra da Canastra: a Cachoeira Casca D´Anta.

Passava um pouco das oito horas da manhã quando o grupo, formado por oito cicloturistas, entrava no Parque Nacional da Serra da Canastra, pela portaria de São João Batista.

O relevo, inicialmente não apresentava maiores dificuldades sendo caracterizado por trechos planos, sucedidos por descidas e subidas normalmente curtas. O solo é bastante pedregoso e, por se tratar de época de estiagem, estava presente uma camada de areia fina que, apesar de bem solta, praticamente não levantava poeira quando as bikes passavam.

Com relevo favorável e temperatura amena, pedalar no “platô” foi tranqüilo e logo o grupo venceu os pouco mais de trinta quilômetros, até a parte alta da Casca D´Anta, onde fizemos breve parada para descanso e para nos refrescarmos, nas águas do Rio são Francisco.

Como o objetivo deste primeiro dia era visitar a parte baixa da cachoeira Casca D´Anta era preciso descer o paredão da serra, através de uma trilha de intermináveis três quilômetros.

Na descida da serra pela trilha foram gastas mais de três horas, pois pedalar ali era impossível e mesmo caminhar, ora empurrando, ora carregando as bikes, exigia enorme esforço físico.

Vencida a trilha que parecia não ter fim nos deparamos com uma das mais belas imagens das terras mineiras, a grandiosa Casca D´Anta, uma linda cachoeira, de onde as águas do “Velho Chico” se precipitam de mais de cento e trinta metros de altura, possibilitando uma paisagem impossível de se apagar da memória.

Cumprida a meta do primeiro dia, era preciso seguir viagem agora à procura de um lugar onde dormir, afinal o sol já caminhava rumo ao seu poente, e a noite se aproximava.

Após breve refeição em um restaurante localizado próximo à uma das entradas do parque, o grupo seguiu rumo ao distrito de São José do Barreiro, tendo sempre ao fundo a imagem imponente da Casca D`Anta, que impressionava, mesmo há quilômetros de distância.

Já era noite quando o grupo chegou a São José do Barreiro, sendo que metade ficou nesta cidade, e outros quatro cicloturistas, ainda com muita energia e disposição, resolveram pedalar até a próxima cidade, a bela Vargem Bonita.

Segundo dia: O São Francisco, a subida quilométrica em São Roque de Minas e o retorno a São João Batista:

Segundo dia de viagem e mesmo antes dos primeiro raios de sol darem suas boas vindas, a turma que ficou em S. J. do Barreiro desafiava o frio da serra e já partia rumo a Vargem Bonita, para reunir o grupo novamente.

Neste trecho merece destaque o rio São Francisco, ainda com pequeno volume d´água, serpenteando as cercanias da serra, em paisagem natural de rara beleza.

Vencidos os pouco mais de quinze quilômetros até Vargem Bonita, e novamente reunido o grupo, partimos rumo a São Roque de Minas, último ponto de apoio e de abastecimento (de água e alimentos), antes de novamente encarar a Canastra.

Até São Roque o relevo foi igualmente tranqüilo, sem dificuldades. Condição perfeita para a contemplação dos paredões da Canastra.

Chegando a São Roque, a turma providenciou água e alimentos, afinal, dali até São João Batista seriam mais de cinqüenta quilômetros, boa parte deles com pesadas subidas.

Deixando São Roque, e partindo rumo ao ponto de partida da viagem, o que impressiona é a visão da Serra, com seus paredões altíssimos, cobertos por vegetação rasteira, o chamado cerrado de altitude.

A subida de São Roque até a portaria do Parque tem pouco mais de oito quilômetros, mas a variação altimétrica é de cerca de trezentos metros, o que torna este trecho desafiador a qualquer praticante do mountain bike.

Vencida aquela subida quilométrica o grupo novamente entra no Parque Nacional da Serra da Canastra, e segue em direção a São João Batista, ponto de partida e de chegada.

Merece destaque, no caminho de volta, a nascente do Rio São Francisco, o chamado rio da integração nacional, parada obrigatória para todos aqueles que visitam a Serra da Canastra.

Já no anoitecer daquele domingo, o grupo regressava a São João Batista, com a sensação de satisfação que só quem conheceu, contemplou e experimentou as belezas da Serra da Canastra pode descrever.

Pedalar pela Serra da Canastra numa expedição de cicloturismo serviu para reforçar o amor pelo ciclismo, e firmar a convicção de que a bicicleta pode nos proporcionar um turismo divertido, prazeroso e diversificado.

Notas:
1 - Participantes: Adriana, Alberto Cabral, Hugo Cesar, João Mutton, Marcelo Rodrigues, Marco, Marco Aurélio e Wálber.
2 - Leia mais sobre esta e outras viagens de cicloturismo em http://www.grupotrilheiro.cjb.net/. Para dicas e sugestões de roteiros para cicloturismo na região do Triângulo Mineiro, envie um e-mail: http://br.mc461.mail.yahoo.com/mc/compose?to=grupotrilheiro@yahoo.com.br e http://br.mc461.mail.yahoo.com/mc/compose?to=grupotrilheiro@hotmail.com .
3 - Texto de Hugo Cesar Amaral, fotografias de Marco P. P. Oliveira.


Publicado na Revista Pedal, edição n.52, outubro/2008, pg.12-13.


Grupo Trilheiro, Três Anos – Conquistas e desafios!


O tempo passa e o Grupo Trilheiro de Uberlândia atinge hoje o seu terceiro aniversário com marcas ciclísticas impressionantes, bem como com desafios a serem enfrentados, visando sua continuidade.

O êxito do GT não se questiona, vez que nos três anos que separam o surgimento do grupo, da data do seu terceiro aniversário (13.11.2008), foram pedalados 8.835 (oito mil, oitocentos e trinta e cinco) quilômetros, em 154 (cento e cinquenta e quatro) eventos oficiais, entre trilhas e viagens, contando com a participação de nada menos que 135 (cento e trinta e cinco) diferentes trilheiros e trilheiras.

Correndo o risco de tropeçar na falta de humildade, mas não se tem relato ou conhecimento de outro grupo de ciclismo de Uberlândia/MG que tenha uma história tão intensa e uma expansão tão rápida e considerável, quanto à do nosso querido GT.

Neste seu terceiro ano de vida o GT teve importantes inovações, todas colaborando com a consolidação e amadurecimento do mesmo.

Foram confeccionadas as primeiras camisetas oficiais do grupo, no intuito de uniformizar os participantes. Apesar de ser um projeto inicialmente modesto, já foram confeccionadas 50 (cinqüenta) camisas de ciclismo. Marca invejável, especialmente para um grupo tão jovem e despretensioso.

O sítio eletrônico foi remodelado, de modo a ficar mais moderna e leve a sua apresentação, bem como de forma a tornar mais ágil e simples o trânsito e acesso às seções internas, no âmbito do mesmo. Recursos como o Google Analytics nos demonstraram que nosso site tem sido visitado por internautas de diversas nações, como Alemanha, EUA, Canadá, Portugal, Argentina e Reino Unido, dentre outras.

O grupo atingiu sua centésima trilha, comemorada em clima festivo numa trilha em que houve atingimento de recorde de participantes (23 trilheiros e trilheiras).

Foi realizada a primeira trilha no estilo "Desafio" (Trilha 110 - 19.04.2008), qual seja a Uberlândia-Uberaba, um evento que, apesar da grande extensão, foi enfrentado e vencido por 12 bravos trilheiros que percorreram por trilha os 148 km que separam as duas mais importantes cidades do Triângulo Mineiro.

Por fim, ainda como fato deveras marcante deste terceiro ano do GT, temos a criação e entrada em vigor do estatuto.

Conquanto possa ser taxada de burocratização do grupo, a elaboração de um estatuto era imprescindível, para evidenciar que o grupo não pertencia a ninguém e que os anseios, vontades, idéias, projetos e sugestões de qualquer membro, desde que em consonância com as normas estatutárias, poderiam ser apreciadas.

A elaboração do estatuto foi um momento de indiscutível democracia, onde todos os membros da galeria dos trilheiros puderam opinar, criticar e tecer considerações pertinentes.

Superados todos os trâmites necessários, em 04.08.2008 o estatuto entrou em vigor, cabendo ao mesmo gerir o futuro do grupo trilheiro, bem como a traçar os princípios e normas de conduta básica, que delineam o perfil do GT, e dos seus membros.

Certo é que não se trata de texto perfeito, acabado, sujeito que está a melhoras e retificações, em futuras revisões, mas já é um ponto de partida, para o GT caminhar com as próprias pernas.

Uma das conseqüências principais da entrada do estatuto em vigor foi a necessidade de criação de uma comissão administrativa, para coordenar e conduzir as atividades do grupo, o que ocorreu em 30.08.2008, quando sete trilheiros, assumindo esta responsabilidade, formaram a comissão.

Necessário obeservar que, enquanto grupo cada vez maior, o GT sempre gerou igualmente muito trabalho para seus administradores, muito embora nem todos tenham consciência disto. Seja a administração e atualização do sítio eletrônico, seja o trabalho de relações públicas do grupo (e-mail), seja a confecção das camisas etc, tudo consome muito tempo. Presume-se que tais ônus, antes de responsabilidade exclusiva da administração interina do GT, deverão ser re-distribuídos, com a criação da comissão administrativa, mesmo porque é saudável ao progresso e fortalecimento do Grupo a participação de cada vez mais pessoas, efetivamente interessadas e comprometidas com a prática do ciclismo.

Inquestionável, portanto, a necessidade de distribuição de atribuições e mesmo de engajamento dos simpatizantes do grupo pois através de um efetivo e concreto espírito de colaboração dos membros, o GT só tem a prosperar.

A criação da comissão é fato recente, que denota o amadurecimento do GT e no seu trabalho, bem como na colaboração de todos os participantes, repousa o promissor futuro do Grupo Trilheiro. O grupo trilheiro nunca teve, e por princípios estatutários nunca terá, finalidade lucrativa, tendo se mantido ativo nestes três anos alimentado somente com o espírito de colaboração, e de amor ao ciclismo, de seus membros e participantes.

O ciclismo ainda tem muito a se desenvolver no Brasil, e em nossa querida Uberlândia. Despretensiosamente, o GT tem dado a sua singela, humilde, mas relevante, parcela de colaboração, para popularizar o ciclismo, especialmente na modalidade de “mountain biking”.

Que os coordenadores, colaboradores, membros e simples participantes dos eventos do grupo percebam a necessidade de ter um envolvimento cada vez maior, para que possamos manter viva e intensa esta recente, mas cheia de conquistas, história deste grupo tão querido, que tornou a muitos prazerosa e acessível a prática do MTB.

Um futuro cada vez mais glorioso há de se descortinar ao Grupo Trilheiro de Uberlândia, e que a família GT ainda pedale muito por este cerrado mineiro afora, é o que desejamos.

Hugo Cesar Amaral
Membro do Grupo Trilheiro
13/11/2008


Publicado no Site do Grupo Trilheiro de Uberlândia/MG, www.grupotrilheiro.cjb.net.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

O planejamento da cidade


A cidade de Uberlândia sempre foi vocacionada para o desenvolvimento econômico. Seja pela sua localização geográfica estratégica, seja pelo seu empresariado ousado, ou pelo seu povo trabalhador, Uberlândia pôde vivenciar, sobretudo a partir dos anos 80, um crescimento econômico e industrial vertiginoso.

O crescimento econômico desta cidade tem se refletido no seu incremento populacional sempre acima da média nacional, assim como tem repercutido no aumento exagerado dos limites da área urbana.

Se, para os habitantes desta urbe, é prazeroso assistir e vivenciar o seu progresso, por outro lado, é preocupante se constatar que a cidade, aparentemente, não tem obedecido a um planejamento urbano sistemático, que possa conciliar seu desenvolvimento, com a manutenção da qualidade de vida dos munícipes.

Ao que parece, a ocupação do solo urbano não tem atendido a um efetivo planejamento, restando ainda subutilizadas áreas localizadas em regiões nobres, enquanto aumenta a ocupação, em zonas periféricas, o que tem provocado o aumento desmedido da área urbana.

Fato que me causa particular estranheza é o da ocupação de áreas nada favoráveis à habitação, como nas proximidades de rodovias, com loteamentos habitacionais, enquanto existem ainda diversos vazios urbanos, em áreas centralizadas.

Pode até parecer um fato insignificante e sem maior importância, o do crescimento exagerado da área urbana, entretanto, uma cidade de dimensões grandes gera necessariamente custos de infra-estrutura mais vultosos. As linhas de ônibus têm de ser prolongadas, pressionando as tarifas, as redes de água e esgoto têm de ser ampliadas e assim por diante.

Nossa Constituição Federal dotou o administrador municipal de instrumentos eficazes para efeito de se implementar um adequado planejamento urbano, bem como um racional aproveitamento do solo urbano, tais como a edificação compulsória em terrenos ociosos, o IPTU progressivo, e mesmo a desapropriação, em caso de ineficácia das demais medidas (CF/1988, art. 182, § 4º).

Metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro hoje pagam o alto preço por não terem obedecido a um rigoroso planejamento urbano. Uberlândia ainda está longe de atingir a população e a dimensão destes centros, entretanto, com um crescimento acelerado como este que temos assistido, muito em breve sentiremos na pele as conseqüências de uma cidade que não atendeu a um planejamento sério.

Observe-se que aqui tratamos apenas da ocupação do solo, muito embora sejam visíveis deficiências de planejamento no que pertine a drenagem de águas pluviais, trânsito etc.

Que Uberlândia continuará crescendo num ritmo acelerado não se discute. Que nossos administradores lancem mão dos instrumentos de política urbana para que este crescimento seja sustentável e sistemático, de modo que na Uberlândia do século XXI seja tão agradável viver, quanto nos já longínquos anos 80, e de modo a que não vejamos, num futuro próximo, problemas urbanos semelhantes aos que afligem os grandes centros.


Publicado na Edição 21.389, do Jornal Correio, em Uberlândia/MG, 03.11.2008.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Desenvolvimento pela Educação


A ascensão do Brasil ao restrito grupo das nações desenvolvidas não será atingida apenas através da exploração de reservas petrolíferas, ou através de imensas plantações de cana de açúcar, para produção de etanol.

É necessário, antes, um investimento vultoso, consistente e sistemático em educação, e o desenvolvimento de uma metodologia e de um sistema educacional público que conduzam, efetivamente, o estudante brasileiro à aquisição de um patamar intelectual que o capacite a produzir ciência, aprimorar técnicas e desenvolver novas tecnologias. Tais diretrizes não estão sendo atendidas, nem de perto, pelos atuais gestores do sistema educacional, sobretudo no âmbito estadual e federal.

O Brasil precisa de uma séria, profunda e urgente reformulação de todo o seu sistema educacional, do ensino fundamental, ao superior, substituindo-se a busca por estatísticas, por uma busca por profissionais competentes e qualificados, quem possam ombrear-se, em conhecimento técnico-científico, com americanos, europeus e japoneses.

É lamentável constatar que adolescentes estão chegando aos quatorze anos, e entrando no ensino médio, sem possuir um domínio primário do idioma português, ou sem saber efetuar operações matemáticas básicas.

Mesmo no ensino superior, há situações deveras preocupantes, como os cursos de graduação em dois anos e o questionável ensino à distância. Isto sem falar na proliferação dos cursos jurídicos, que formam bacharéis, que sequer conseguem ingressar na Ordem dos Advogados. Pode se defender que tais práticas tenham "democratizado" o acesso ao ensino superior, mas sempre resta o questionamento, sobre ser o mesmo efetivamente de qualidade. Reservo-me o direito de ter minhas dúvidas!

Proclama-se, ano após ano, o aumento de crianças e adolescentes nas escolas, o que não deixa de ser um fato louvável, entretanto, não se tem podido comemorar progressos, em matéria de qualidade na educação. Basta observar que, em pesquisas comparativas com outras nações, sobretudo medindo o nível de conhecimento de estudantes do ensino fundamental, o Brasil quase sempre briga pelas últimas posições.

Enquanto vigorar este sistema que privilegia a estatística, em detrimento da qualidade, melhor nos conformarmos em ser uma "eterna nação em desenvolvimento", porque primeiro mundo, este é apenas para as nações que dão o devido valor, e a devida preparação científica, para os seus potenciais humanos. Ou seria coincidência que a maioria absoluta dos prêmios Nobel é concedida a estudos e pesquisas produzidos em nações desenvolvidas?

A Coréia do Sul, que na década de 60 era uma nação subdesenvolvida e agrária, hoje detém tecnologias que concorrem com as desenvolvidas no Japão, tudo graças a investimentos pesados em educação. Resultado de tudo isso, hoje o PIB da pequena Coréia do Sul, já supera o do grande Brasil.

Gastos com educação são investimentos a longo prazo, mas com retorno certo. Aguardemos, pacientemente, a decisão política que venha a colocar estes investimentos em prática.


Publicado, com o título "Educar para progredir", na edição do Jornal Correio, de 09.10.2008, edição n.21.363, ano 70, Uberlândia/Mg e no Jornal da Manhã, de Uberaba/MG, em 19.02.2011.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Herança Indesejada


O ano de 2008 marca o bicentenário da chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, após a fuga desordenada de Lisboa, àquela época capital do império, fuga esta acelerada pelo avanço das tropas napoleônicas sobre a península ibérica.

Este fato histórico, sem precedentes na Europa, ocasionou algumas conseqüências verdadeiramente positivas no Brasil pois, com a Corte se instalando aqui, era necessário municiar a pobre e atrasada colônia com uma estrutura administrativa que possibilitasse, pelo menos, cuidar dos assuntos comerciais e políticos básicos, relativos à administração do Império. Assim foram criadas instituições públicas até hoje relevantes, como o Banco do Brasil, a imprensa nacional, as cortes judiciárias, os cursos superiores etc.

Mas, observando com maior acuidade os fatos, especialmente as conseqüências imediatas da chegada da corte, sobretudo no que pertine à política e aos assuntos administrativos mais relevantes do estado, perceberemos que nem tudo são flores.

Inicialmente, cumpre observar que nas embarcações vindas de Portugal estavam quase quinze por cento de toda a população de Lisboa, todos, de alguma forma, apadrinhados do folclórico Dom João VI. Todas estas pessoas, sem ocupação restaram sustentadas pela Corte recém instalada, inaugurando, talvez, a prática do cabide de empregos, ainda comum em diversas entidades do aparato estatal. Seria, portanto, como se a administração pública brasileira já nascesse com milhares de cargos comissionados, sem função aparente, sem comprometimento com a nação e sem o que proporcionar ao país.

Não soaria absurdo tributar aos fatos ocorridos em 1808 esta cultura de péssima gestão de pessoas, no âmbito do Estado, da qual resultou o peso de nossa atual máquina administrativa.

Para manter aquela estrutura ociosa o país foi se endividando, especialmente junto ao Reino Britânico, abalando financeiramente as contas públicas e nos colocando nas mãos de credores externos. Nascia ali a dívida externa brasileira!

Observo, entretanto, que a pior herança trazida pelos portugueses foi mesmo ideológica.

Enquanto os ideais libertários da revolução francesa grassavam na Europa, estimulando o avanço da mentalidade política, e em conseqüência o próprio desenvolvimento econômico e comercial dos povos, no âmbito da Corte os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade eram vistos como uma mera rebeldia infundada, um modismo, a ser logo esquecido.

Como herança básica deste pensamento atrasado temos que o país somente foi abolir a escravidão oitenta anos depois, e o antiquado regime monárquico, somente em 1889.

Decisões e práticas equivocadas, tomadas no distante ano de 1808 ainda ecoam, negativamente, no comportamento de muitos administradores públicos, mas sempre há tempo para se corrigirem as falhas.

Aos que desejarem formar sua própria opinião, sugerimos a leitura do best-seller “ 1808” , de Laurentino Gomes. Investigando o passado, talvez possamos compreender melhor o presente e, corrigindo-se falhas históricas, caminhar para um futuro melhor.


Publicado na edição do Jornal Correio, de 01.10.2008, edição n.21.356, ano 70, Uberlândia/Mg.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Os recursos do pré-sal


É contagiante a empolgação do presidente Lula com relação às recentes descobertas de petróleo na plataforma continental brasileira. Quem assiste aos apaixonados discursos do líder máximo da nação chega mesmo a acreditar que a solução para os profundos e históricos problemas deste país está lá, nas profundezas do oceano, sob a faixa chamada pré-sal.

Muito embora seja indubitável que o petróleo tenha na economia mundial relevância indiscutível, enquanto principal fonte de energia, há ponderações que merecem ser feitas, antes de se proclamar a sempre propalada, mas nunca alcançada, auto-suficiência quanto ao abastecimento de petróleo, bem como antes de se distribuir os recursos financeiros que podem ser gerados, através do ouro negro encontrado.

Conquanto seja ótima a notícia de que reservas tão grandiosas tenham sido encontradas, a questão do potencial econômico do pré-sal há de ser apreciada com a devida ressalva, havendo algumas ponderações oportunas, sejam atinentes ao preço do mesmo, no mercado internacional, sejam relativas ao processo de exploração.

O preço do petróleo não é fixado por nação, ou entidade alguma, muito embora as nações componentes da OPEP detenham a maior parte do petróleo mundial, seu preço não é regulado por esta instituição, mas pelo mercado internacional do produto, o qual é muito instável, estando sujeito a altas e baixas muito relevantes, em curto espaço de tempo. A grande quantidade de petróleo nas profundezas só ganha importância se o preço do barril se mantiver em elevado patamar pois, caindo seu preço, igualmente caem os potenciais lucros.

O tema do preço tem profunda ligação com a questão da tecnologia e dos custos da exploração. O petróleo localizado no pré-sal encontra-se em local de exploração extremamente difícil, mesmo para um país que detém tecnologia de ponta neste aspecto, como é o Brasil. Se o custo da exploração for muito elevado, e o preço do barril do petróleo no mercado internacional estiver em baixa, começa a ser discutível se de fato é viável a exploração nestas condições. Ao contrário das nações árabes, onde o petróleo se encontra no continente, o que minimiza os custos, no Brasil a exploração será em alto mar, o que demanda vultosos recursos.

Se o preço do barril de petróleo vier a cair drasticamente, cai por terra a pretensão do presidente Lula de fazer justiça social com os recursos advindos da exploração do petróleo do pré-sal.

Não desejamos manifestar um sentimento de pessimismo, acerca das recentes descobertas, eis que as mesmas, efetivamente, poderão trazer benefícios à matriz energética brasileira. Entretanto, mais do que fazer do pré-sal uma discutível fonte de recursos para se fazer justiça social, possivelmente mediante ações estatais meramente paternalistas e assistencialistas, o que se espera de um governo racional é que aproveite os novos recursos energéticos para criar uma economia industrializada forte, e sólida.

Precisamos abandonar este perfil meramente extrativista, se quisermos ascender à condição de nação realmente desenvolvida.


Publicado na edição do Jornal Correio, de 19.09.2008, edição n.21.343, ano 70, Uberlândia/Mg.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Liberdades em risco


Superado o negro período de exceção política, a que foi submetido o Brasil entre 1964 e 1985, o país conseguiu, a duras penas, a promulgação de uma carta política a qual, apesar de criticável sob o ponto de vista de sua técnica e estrutura, é deveras elogiável, quanto ao conteúdo.

E o conteúdo louvável deve-se justamente à presença de inúmeras normas que asseguram direitos e garantias fundamentais, os quais foram sistematicamente desrespeitados, sobretudo em face de ações policiais, à época da ditadura militar.

As liberdades individuais foram concebidas filosoficamente, na França pré-revolucionária, enquanto limitações à atividade de um estado opressor, e ostentam este status jurídico até os dias atuais. As liberdades individuais não definem o que os cidadãos podem fazer, mas estabelecem o que o estado não deve fazer, em face daqueles.

Pois não obstante o espírito protetivo da Constituição Federal de 1.988, temos assistido a situações que, além de configurar frontal descumprimento dos preceitos constitucionais fundamentais, colocam em dúvida se, de fato, vivemos em um autêntico Estado Democrático de Direito.

A tão badalada operação Satiagraha, levada a efeito pela Polícia Federal, demonstrou o quão distantes estão nossas autoridades policiais da correta interpretação dos princípios constitucionais básicos. O direito à liberdade, que segundo nossa Constituição Federal somente pode ser tolhido em situações extremas, ao que parece, não é digno de valor algum tanto que, sem uma razão plausível, quase uma dezena de pessoas foi presa, num espetáculo televisivo deveras deplorável.

Mas, mesmo antes da desastrosa operação, a autoridade policial condutora do inquérito que resultou na mesma já havia pedido a prisão de jornalista da Folha de São Paulo, pelo simples fato de divulgar informações que davam conta de ser Daniel Dantas um dos investigados, numa verdadeira ofensa à liberdade de imprensa. Será que o art. 5º, XIV da CF/88 foi revogado, e não nos informaram?

Pois, para coroar este circo de desrespeitos aos direitos fundamentais básicos, tivemos a intimidade da maior autoridade do Poder Judiciário Pátrio violada e, o que é pior, por outra entidade estatal.

Os “grampos” que flagraram conversas do Ministro Gilmar Mendes nos fazem lembrar da KGB soviética, ou da Gestapo nazista que, atropelando lídimos direitos individuais, devassam a vida de todos, à procura de inimigos do Estado. Será o Ministro Gilmar Mendes um inimigo do Estado?

Milhares de ligações telefônicas sendo interceptadas, com autorização judicial, já é um fato por si só deplorável, mas quando se divulga que o próprio Judiciário começa a ser clandestinamente investigado por um órgão do Executivo, uma luz vermelha há de se acender, indicando que a propalada democracia e a separação e independência de poderes, são muito mais frágeis do que imaginamos.

Setores do aparato estatal não têm demonstrado o devido respeito às liberdades individuais. Não querendo ser alarmista, há razões para nos preocuparmos com esta escalada da opressão.


Publicado na edição do Jornal Correio, de 07.09.2008, edição n.21.331, ano 70, Uberlândia/Mg.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Política e Olimpíadas


Política e olimpíadas sempre estiveram muito mais próximas do que se pode imaginar.

Quem não se recorda da história do grande velocista Jesse Owens, o espetacular atleta americano, calando Hitler e jogando por terra sua pseudo-teoria da superioridade da raça ariana, nos jogos de Berlim, em 1936. Assistir pessoalmente àquele negro vencendo com sobras seus adversários pelo menos deveria ter servido ao Führer rever seus ideais político-ideológicos.

Lado outro, mais recentemente, ainda sob o manto da Guerra Fria, a instável relação política x olimpíadas prestou grande desserviço ao esporte, quando EUA e URSS, maiores potências olímpicas da época, boicotaram os jogos de Moscou – 1980 e Los Angeles – 1984, respectivamente, empobrecendo em muito os dois eventos.

Pois chegamos a Pequim – 2008, e uma vez mais política e jogos olímpicos estão a caminhar juntos, pena que, pelo que se depreende da maneira como a China tem se portado perante assuntos polêmicos tais como Tibete e liberdade de opinião, a política austera tem emudecido os gritos de liberdade, dando um certo ar de hipocrisia os jogos.

A concessão à China, da cortesia de realizar os jogos olímpicos, a maior confraternização esportiva do planeta, tinha por objetivo fundamental “amolecer”, ou pelo menos “humanizar” o severo regime político chinês, onde direitos humanos e liberdades políticas inexistem, e onde as pessoas ainda não ascenderam ao status de sujeitos de direitos políticos.

Pois passados sete anos da confirmação de que a nação chinesa realizaria os jogos o que se pode compreender, agora, às vésperas da abertura oficial, é que o alentado espírito olímpico, ao que parece, em nada tem servido para tornar mais flexível o regime político chinês e, ao contrário, o que se tem visto é um verdadeiro estado policial, onde a simples manifestação, ainda que verbal, de opinião contrária ao regime comunista e aos seus métodos, pode resultar em graves conseqüências ao “infrator”.

A opressão é tamanha que mesmo a censura ao acesso de jornalistas à Internet, que o governo chinês havia concordado em suprimir, ainda não está totalmente descartada, tendo o Comitê Olímpico Internacional de praticamente barganhar o direito de que a imprensa possa acessar à Internet, livremente.

É óbvio que ninguém esperava que os Jogos pudessem transformar a China Comunista numa nação democrática, mas não seria descabido prever que os princípios básicos do esporte tais como igualdade, liberdade, fraternidade e justiça pudessem tornar a China, já moderna em termos tecnológicos e econômicos, um pouco mais moderna também em assuntos políticos.

É razoável admitir-se que a China pós-Pequim 2008 não perderá em nada, em termos de radicalismo político, para o regime pré-jogos.

O espírito olímpico pode nos proporcionar imagens belas, a serem eternamente lembradas, mas talvez ainda não seja forte o suficiente para tocar no coração dos membros do poderoso Partido Comunista chinês.


Publicado na edição do Jornal Correio, de 11.08.2008, edição n.21.304, ano 70, Uberlândia/Mg.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

As consequências jurídicas da prática do assédio moral no trabalho no atual ordenamento jurídico brasileiro

Apresentação:

Neste momento encontram-se tramitando no Congresso Nacional Brasileiro diversos projetos de lei (oferecidos por parlamentares de diferentes correntes ideológicas) com vistas à precisa definição, proibição e penalização das condutas que caracterizam o assédio moral.

Se é certo que o estado brasileiro carece, urgentemente, de uma legislação específica sobre o assédio moral, também é sabido que nossos parlamentares muitas das vezes não cuidam de estimular o trâmite de projetos que versem sobre temas importantes (como é o caso em tela), resultando em que projetos importantes esperem décadas até serem convertidos em lei.

Mas, enquanto aqueles projetos que punem os autores do assédio não forem promulgados esta conduta reprovável estará liberada?

A resposta é não. Conquanto os projetos, uma vez convertidos em lei, possam trazer benefícios consideráveis para as vítimas do assédio, entendemos haver, no atual ordenamento jurídico pátrio, meios eficazes de se coibir a humilhação impingida no seio das relações de emprego, e responsabilizar seus infratores.

Disto trataremos no desenvolvimento deste estudo.

A natureza contratual da relação de emprego. O respeito recíproco como obrigação inserta no contrato de emprego. Incidência do artigo 483, alínea "d" da CLT.

Há tempos está assentado de forma pacífica nos manuais de direito do trabalho que a relação de emprego tem natureza contratual bilateral, na medida em que, para a sua constituição, acordam vontades de distintas pessoas (empregado-empregador) para o fim de criar direitos e obrigações recíprocos.

As obrigações básicas do empregador e os direitos fundamentais do empregado encontram-se consignados no texto da Constituição Federal, em seu artigo 7º.

O contrato de emprego, portanto, reveste-se de uma maior complexidade, não se resumindo, as obrigações dele decorrentes, ao mero pagamento de salários por parte do empregador, e à simples prestação de serviços por parte do empregado.

Uma das mais importantes obrigações insertas no contrato de emprego constitui o dever imposto ao empregador de oferecer ao empregado um ambiente de trabalho saudável e agradável providenciando, para as atividades insalubres e perigosas, meios eficazes de se reduzir os riscos à vida e à saúde do trabalhador.

Quando se exige, do empregador, o oferecimento de um adequado ambiente para a prestação de serviços por parte do empregado está se exigindo atenção não apenas aos agentes físicos que possam, eventualmente, tornar o ambiente de trabalho insalubre e insuportável, tais como temperatura, exposição a agentes químicos etc. Está se exigindo também, e talvez até em maior grau, a tranqüilidade psíquica do empregado, e o assédio moral, seja ele praticado diretamente pelo patrão ou por qualquer superior hierárquico, fulmina qualquer forma de paz psicológica gerando, para o empregado, desconforto e permanente sofrimento no local de trabalho.

Uma vez caracterizado o assédio moral no desenvolver da relação de emprego e, uma vez comunicado de tal fato, não providenciar o empregador a sua extirpação, estará o empregado autorizado, com supedâneo no artigo 483, alínea "d" da CLT a requerer judicialmente a rescisão de seu contrato de emprego bem como o pagamento de todas as verbas trabalhistas rescisórias como se de uma dispensa sem justa causa se tratasse.

Há na Câmara Federal um projeto, de autoria de um grupo de parlamentares do PC do B, que propõe a inclusão de um inciso "g" no artigo 483 da CLT, para o especial fim de autorizar o empregado vítima de humilhação e assédio a exigir a quebra judicial do vínculo empregatício. Como entendemos estar a obrigação de respeito e consideração recíprocos ínsita ao contrato de emprego, pensamos ser supérflua a inovação legal sugerida.

Entendemos, por fim, ainda ser possível a cumulação do pedido de rescisão com o pleito por uma indenização por danos morais, mas disso trataremos no próximo item.

O dano moral e material decorrente do assédio. Responsabilidade civil do empregador. Aplicação do artigo 186 do Novo Código Civil Brasileiro e do artigo 5º, X da Constituição Federal.

A honra, a imagem, a dignidade da pessoa são, no hodierno ordenamento jurídico, bens jurídicos tutelados no âmbito da própria Constituição Federal (art. 1º, III e art. 5º, X).

É certo que, em um estado onde ainda encontram-se casos de trabalho escravo, onde o trabalho infantil é numeroso, e onde milhões de cidadãos sobrevivem sub-empregados, há uma imensurável distância entre o que estatui a nosso bela e dirigente constituição, e aquilo que vemos no plano fático.

Ainda que o estado brasileiro não tenha viabilizado economicamente a concessão da merecida dignidade a milhões de trabalhadores a citada norma constitucional é relevante juridicamente, na medida em que elevou a honra humana à categoria de bem digno de tutela, devendo ser responsabilizados todos aqueles que agredirem-na.

A prática do assédio moral, especialmente, quando ocorre de forma reiterada, fere com profundidade a honra da pessoa do trabalhador, atingindo ainda sua paz psicológica e auto-estima, deixando lesões indeléveis e gerando a responsabilização civil de seu autor, com a conseqüente condenação ao pagamento de indenização por dano moral (Novo CCB, artigo 186).

Acerca da indenizabilidade do dano moral resultante das relações laborais citemos os seguintes julgados:

"Dano Moral. Ofensa à honra do empregado. O empregador responde pela indenização do dano moral causado ao empregado, porquanto a honra e a imagem de qualquer pessoa são invioláveis (art. 5º, XI, da Constituição Federal).

Esta disposição assume maior relevo no âmbito do contrato laboral porque o empregado depende de sua força de trabalho para sobreviver. 'La indemnización tarifada de Ia Lei de Contrato de Trabajo no exclue una reparación complentaria que signifique un amparo para el trabajador, cuando es agredido en su personalidad' (Santiago Rubinstein). A dor moral deixa feridas abertas e latentes que só o tempo, com vagar, cuida de cicatrizar, mesmo assim, sem apagar o registro."

TRT – 3ª Região (MG) – 2ª Turma ReI. Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira RO 3608/94 DJ-MG-II, de 08.07.94 e LTr 60/316, março/96.

"A indenização por dano moral trabalhista é amplamente assegurada por preceito constitucional, inciso X, artigo 5º, e à Justiça do Trabalho cabe exercer o encargo da jurisdição, nos termos do artigo 114 da Constituição Federal de 1988, em ação indenizatória de perdas e danos, pois a controvérsia, objeto do ressarcimento do dano sofrido pela reclamada, foi estritamente oriunda da relação jurídica de direito material de natureza trabalhista."

TRT – 6ª Região (BA) – 3ª Turma ReI. Juiz Carlos Coelho RO 827/92. Acórdão 3T - 15953/ 94, publicado na LTr 59/1336, outubro/95

A prática do assédio moral no trabalho, portanto, poderá proporcionar para o empregado vitimado tanto a indenização pelo dano moral, caracterizado principalmente pelo sofrimento quotidiano e reiterado impingido pelo superior hierárquico, quanto a indenização pelo dano material, esta aplicável quando da coação moral resultar em necessidade de afastamento do trabalho, em necessidade de tratamento clínico-psiquiátrico e em perda da capacidade laborativa.

A possibilidade jurídica de co-existência das indenizações deve-se ao fato de que o assédio moral no trabalho pode atingir interesses patrimoniais (redução da capacidade laborativa, despesas médico-hospitalares), e também interesses extra-patrimoniais (os chamados direitos da personalidade), dos quais faz parte a honra, a mais atingida e lesionada nos casos de assédio moral no trabalho.

As conseqüências jurídico-penais do assédio moral. Artigo 65 da Lei De Contravenções. Possibilidade de enquadramento em outros tipos penais.

A prática do assédio moral gera repercussões também no campo do direito penal.

Não estamos falando, obviamente, dos projetos de lei que visam à introdução de artigos no Código Penal brasileiro (Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1.940). Referidos projetos ainda encontram-se circunscritos ao campo do debate legislativo e somente quando convertidos em lei estarão aptos a punir, criminalmente, os autores de práticas de assédio moral no trabalho.

Malgrado os projeto mencionados ainda carecerem de aprovação parlamentar, acreditamos que o assédio moral no trabalho produz conseqüências jurídicas no âmbito da seara criminal, não no sentido de constituir crime específico, mas porque a prática do assédio moral está proibida penalmente pelo artigo 65 do Decreto-lei 3.688/ 41 (chamada Lei de Contravenções Penais). Vejamos, in verbis, o que dispõe o texto da lei:

"Perturbação da Tranquilidade - Artigo 65 - Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou motivo reprovável: Pena - prisão simples de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa."

A conduta do assediador preenche perfeitamente os requisitos do tipo penal, na medida em que o ato de molestar e/ ou perturbar a tranqüilidade de outrem, por motivo reprovável, e nota característica da totalidade de casos de assédio moral no trabalho.

Conquanto seja este o tipo penal que mais diretamente se aproxime da capitulação do assédio moral no trabalho, não há de se ignorar a possibilidade de o autor do assédio moral estar incurso na prática de outros delitos, tais como instigação ou induzimento ao suicídio, ameaça, constrangimento ilegal, algum crime contra a organização do trabalho etc. Esta variedade de possíveis enquadramentos penais deve-se ao fato de o assédio poder ser praticado por meio de uma imensa diversidade de condutas as quais, uma vez satisfeitos os requisitos da legislação penal, podem perfeitamente configurar crime.

Cabe às vítimas de assédio moral no trabalho procurar as autoridades policiais e ministeriais (Parquet) as quais avaliarão a possibilidade da existência da prática de algum delito uma vez que, conforme demonstramos ao longo deste item, mesmo antes da aprovação dos projetos que estão tramitando no Congresso Nacional, as condutas ínsitas ao assédio moral já estão reprovadas penalmente.

Conclusões:

Apesar de o assédio moral ser um fenômeno que aflige o mundo laboral há bastante tempo, a preocupação com a proibição do mesmo é relativamente recente, tanto que os projetos em trâmite no Congresso começaram a ser apresentados há cerca de quatro anos, e ainda não há perspectivas concretas quanto à data de suas conversões em lei.

Este estudo objetivou, precisamente, demonstrar que, mesmo antes da aprovação destes projetos o tema assédio moral já está relativamente bem disciplinado no âmbito dos direitos do trabalho, civil e, até, penal.

A prática de assédio moral no trabalho gera conseqüências jurídicas severas para o patrão assediador, que vão desde o rompimento, por sua culpa, do contrato de emprego, até a possibilidade de capitulação penal do fato.

O que falta, portanto, para a eficaz repressão ao assédio moral no trabalho é que as vítimas valham-se do seu direito de amplo acesso ao judiciário (CF-1988, artigo 5º, inciso XXXV) e levem à casa da justiça as suas mágoas, ansiedades e sofrimentos. Pois somente com punições severas os infratores se despirão deste espírito tirânico e passarão a ver os empregados como seres humanos e dignos que são.

Um patrão condenado civil ou penalmente pela prática de algum ato de assédio dificilmente voltará a atormentar seus empregados.

Cabe às vítimas solicitar a efetiva tutela jurídica de seus interesses.

Normas protetoras neste sentido nós demonstramos que existem.

Notas:

1 - extraídos do artigo "Dano Material. Dano moral e Acidente de Trabalho na Justiça do Trabalho", de autoria do Juiz Alexandre Nery de Oliveira, publicado em http://www.amatra1O.com.br/trabalhos/danactb.html .

2 - Há estudos, especialmente em países europeus, como a Suécia, que relacionam até mesmo atos de suicídio ao assédio moral no trabalho. No que tange ao Brasil, uma estatística divulgado no já classico estudo da Dra. Margarida Barreto, "Uma Jornada de Humilhações", e constante do site
www.assediomoraI.org.br demonstra que cem por cento dos homens vítimas de assédio moral já cogitaram da prática de suicídio.
Publicado em Jornal do 18º Congresso Brasileiro de Direito Coletivo e Individual do Trabalho, fls. 42/44, evento realizado em São Paulo entre os dias 25 e 26 de novembro de 2003, sob a coordenação do Dr. Amauri Mascaro Nascimento.

terça-feira, 1 de julho de 2008

O acidente do trabalho e a questão da cumulatividade das indenizações por dano moral e estético decorrentes de um mesmo fato


Introdução:

O fundamento normativo da responsabili­dade civil (dever de indenizar) está hoje alicerça­do em dois importantes dispositivos legais; um, de natureza constitucional, qual seja o artigo 5º, inciso V, da Lei Maior, e outro, de natureza infra­constitucional, correspondente ao artigo 186 do Novo Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002).

Em ambos os citados preceitos normativos há referência expressa à indenizabilidade dos da­nos de natureza exclusivamente moral estando, portanto, ultrapassados quaisquer debates acer­ca da possibilidade jurídica de o lesado ver-se res­sarcido, ainda que tenha sofrido lesões em inte­resses de natureza não patrimonial.

Questão atual e controversa, no entanto, é a relativa à admissibilidade de condenação do em­pregador, em caso de acidente do trabalho, ao pagamento de indenização por dano moral e por dano estético, decorrentes do mesmo fato.

Seria cabível, em caso de acidente do traba­lho de que tenham resultado lesões de natureza estética, a cumulação dos pedidos de indenização por dano moral e de indenização por dano estéti­co?

Responder a esta indagação é o que objeti­vamos com este breve estudo.

Classificação jurídica dos danos na doutri­na da responsabilidade civil:


A indenização por danos materiais presta­-se ao ressarcimento dos prejuízos e despesas de ordem econômica, ou seja, que podem ser apreci­ados e dimensionados pecuniariamente. As des­pesas médico-hospitalares e a redução de capaci­dade laborativa são os exemplos de danos de na­tureza material mais comuns quando se fala des­te fato pertencente ao campo da infortunística que é o acidente do trabalho.

De seu turno, a indenização pelo dano mo­ral não tem esta natureza ressarcitória, na medi­da em que não corresponde a uma quantia em dinheiro que será destinada ao acidentado para reparar-lhe um dano em interesse de natureza não patrimonial. Em outras palavras, com a indeniza­ção por danos morais não está a se pagar a dor sofrida pela vítima do acidente do trabalho, nem o sofrimento que, eventualmente, este fato tenha trazido para os seus familiares, no caso de sua morte. Os interesses lesados que justificam e au­torizam a condenação do empregador ao paga­mento de indenização por danos morais não têm natureza patrimonial. A indenização por danos morais destina-se, antes, a proporcionar no espí­rito da vítima uma satisfação que reduza o sofri­mento decorrente do fato (acidente do trabalho) que a afligiu.

A partir desta singela exposição podemos estabelecer uma classificação dicotômica acerca dos danos e interesses indenizáveis: 1) quando os interesses lesados forem de natureza patrimonial estaremos frente a um dano material; 2) quando os interesse lesados forem de natureza não patri­monial estaremos diante de um dano moral.

Mas, onde ficam os danos estéticos nesta classificação? São eles danos morais? São danos materiais? Correspondem a um tertio genus?

A última hipótese há de ser desconsiderada de plano, pois os danos estéticos não correspon­dem a uma terceira classe de danos. A única clas­sificação admissível, quando se procura enqua­drar os danos indenizáveis, é aquela dicotômica que já apresentamos. Ou seja, o dano, a ser inde­nizado, ou é material, ou moral, segundo a pre­sença, ou não, de lesões de natureza patrimonial, decorrentes de determinado fato jurídico, no caso, estamos falando do acidente do trabalho.

Maiores elucidações neste sentido serão apresentadas no próximo tópico.


O dano estético. Definição e caracterização.

Segundo o escólio de Maria Helena Diniz,"dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as de­formidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qual­quer aspecto um afeiamento da vítima, consistin­do numa simples lesão desgostante ou num per­manente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não in­fluencia sobre sua capacidade laborativa"1.

O acidente do trabalho pode ou não resul­tar em alteração morfológica do trabalhador víti­ma do infortúnio. Ocorrendo tal alteração morfológica, sendo ou não sendo ela ostensiva, estamos diante de um dano de natureza estética.

A definição da renomada civilista paulista­na aborda o dano estético sob o prisma das lesões que determinado fato deixa na beleza física hu­mana. O que interessa, para o jurista, não é o dano estético em si, enquanto evento do mundo dos fatos, mas sim as conseqüências e repercussões jurídicas dele decorrentes, in casu, o dever de in­denizar.

O dano estético, de regra, resulta em gran­de sofrimento para a vítima, especialmente quan­do a beleza física é para a mesma bem de grande valor. Não é incomum, também, a identificação de perdas de natureza material, como as referen­tes a tratamentos clínicos posteriores e à redução da capacidade para o trabalho da pessoa, mormen­te quando o dano estético se manifesta por muti­lações e/ ou perda da capacidade funcional de determinado órgão ou parte do corpo.

A ação civil de natureza indenizatória que tenha como fundamento jurídico um acidente do trabalho de que tenha resultado lesão de caráter estético pode pleitear a indenização por danos morais e por danos materiais, de forma cumulada ou isolada. Eventual pedido de indenização es­pecífica, e à parte, referente exclusivamente aos danos estéticos não há de ser deferido, eis que as conseqüências das lesões estéticas já constituirão fundamento tanto para o pedido de indenização por danos materiais, caso da lesão estética resul­tem gastos com cirurgias plásticas e demais gas­tos hospitalares, ou ainda em perda ou redução da capacidade para o labor, e também já consti­tuirão, as lesões estéticas, fundamento para o pe­dido de indenização por danos morais, referentes ao sofrimento e à dor que por toda a vida acom­panharão o trabalhador que carregará consigo as marcas do infortúnio.

Observe-se que não estamos pugnando pela não-indenizabilidade do danos estético. Acredi­tamos, apenas, que todas as conseqüências dos danos estéticos podem ser direcionadas no senti­do de fundamentar pedidos de indenização por danos materiais ou morais.

Militam em favor de nossa tese, verbi gratia, os posicionamentos judiciais abaixo, da lavra do augusto TRT da 3ª Região:

Ementa: Dano moral e dano material- "Bis in idem" - Não configuração. O dano material - que compreende os danos emergentes e os lu­cros cessantes - não se confunde com o dano moral, embora decorrentes de um mesmo ato ilí­cito. O dano estético, por sua vez, está englobado pelo dano moral, já que se trata de um só bem jurídico atingido: a integridade e a dignidade humana, ambos direitos da personalidade. Não se configura, portanto, "bis in idem" o deferimen­to de indenização por danos materiais e repara­ção de danos morais, já que são institutos distin­tos, embora gerados por um mesmo ato. De igual modo, não mais persiste a idéia de que não se pode cumular o pedido de ambos na mesma ação. (TRT 3ªR.-1T -RO/6078/01 - Rel.Juiz Jos Marlon de Freitas - DJMG 20.7.01 P.07).

Ementa: indenização por danos. Prejuízo extrapatrimonial. Há dois gêneros de danos: os materiais, economicamente apreciáveis; e os não­materiais, ou morais, impassíveis de apuração econômica, mas também indenizáveis. O dano moral compreende todo prejuízo de ordem ex­trapatrimonial, isto aquele que ocorre no plano ide'al, e que não pode ser aferido de forma rigorosa, po­dendo atingir a honra, a imagem, a psique, o equi­ líbrio íntimo, a integridade física da pessoa, etc. Assim, tanto o prejuízo estético como as dores fí­sicas e interiores sofridas pela vítima represen­tam danos morais, conjuntamente indenizáveis. (TRT 3ª R 6T RO/14139/02 Red. Juiz Ricardo Antônio Mohallem DJMG 19.12.02 p.30).

Ementa: Dano estético - Indenização por dano moral - O conceito de dano moral é bem mais amplo do que" ofensa à honra". Caracteriza o dano moral quando atingido qualquer bem ju­rídico insuscetível de avaliação econômica ou pe­cuniária, o que leva a questão para o campo dos direitos de personalidade, sejam os direitos à in­tegridade física, sejam os direitos à integridade moral. Assim, devida a indenização pelo dano estético sofrido em decorrência de acidente de tra­balho. (TRT 3!! R.- 5T - RO/21016/98 - ReI. Juíza. Taísa Maria Macena de Lima - DJMG 14.8.99 - p. 18).


Não é incomum, entretanto, encontrarmos julgados onde há a admissão das indenizações cumuladas por danos morais e estéticos 2. Os ma­ gistrados que assim pensam admitem tal situa­ção porque, na concessão da indenização, sepa­ram os fatos que podem fundamentar a indeniza­ção por danos morais (a dor do acidente, o sófri­mento) e os que podem fundamentar a indeniza­ção pelo dano estético (lesão à integridade e à harmonia física da pessoa). Segundo o nosso mo­desto pensar todas estas conseqüências do fato, seja a dor, seja a desarmonia física decorrente do dano estético, como resultam em lesões de inte­resse de natureza não patrimonial, merecem uma indenização única, a título de dano moral, tão somente.

Conclusões:

Qualquer fato jurídico que gere a incidên­cia das normas de responsabilidade civil dará ao lesado (vítima), o direito à indenização por da­nos morais e materiais, cumulados ou isolados.

O dano estético é um fato de acendrada im­portância jurídica e capaz de autorizar a vítima a pleitear em juízo a indenização correspondente, a qual há de circunscrever-se às duas modalidades possíveis de indenização, a por danos morais, ou a por danos materiais.

O sofrimento, a dor, a angústia resultantes do dano estético justificam o pleito de uma inde­nização por danos morais, na medida em que esta modalidade de indenização repara os padecimen­tos resultantes da privação de um bem sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridica­mente, no caso a beleza e a integridade físicas.

Se, ainda como resultado do dano estético, puder ser identificado prejuízos de ordem econô­mica, como é o caso de o acidentado ter sua capa­cidade laborativa reduzida, há fundamento para o pedido de indenização por danos materiais.

A condenação ao pagamento cumulado de indenização por danos morais é estético, enten­demos, é uma afronta à lógica jurídica e se consti­tui em bis in idem vedado pela ciência jurídica.


Bibliografia referendada:

DINIZ, Maria Helena. "Curso de Direito Civil Bra­sileiro", 7º volume, Responsabilidade Civil. 15ª ed. rev. atual. 2001. Editora Saraiva. São Paulo.

1 - "Obra referenciada", p. 73.

2 - Julgado do TRT da 3" Região: Ementa: Dano moral e dano estético. Cumulação. Admite-se a cumulação do dano moral e estético, ainda que derivados do mesmo fato, quando possuem fundamentos distin­tos. O dano moral compensável pela dor e constrangimento impostos ao autor e o dano estético pela anomalia que a vítima passou a osten­tar. O dano estético afeta" a integridade pessoal do ser humano, em geral, e em particular a harmonia fisica, concebidas como materiali­zação de um direito humano garantido no nivel constitucional". Ele poderá ser o resultado de uma ferida que gera cicatriz, da amputação de um membro, falange, orelha, nariz, olho ou outro elemento da ana­tomia humana. Quando se constata que um semelhante possui algu­ma parte do corpo alterada em relação à imagem que tinha formado o observador, o fato causa impacto a quem a percebe através de seus sentidos. inegável que esse dano estético provoca também impacto so­bre a percepção da própria vítima, afetada com a diminuição da har­monia corporal. O que se visa proteger não a beleza, valor relativo na vida cotidiana, mas garantir as circunstâncias de regularidade, habi­tualidade ou normalidade do aspecto de uma pessoa; busca-se reparar que o ser humano, vítima da cicatriz, se veja como alguém diferente ou inferior, ante a curiosidade natural dos outros, na sua vida de rela­ção. A reparação não resulta, portanto, do fato de a cicatriz ser repul­siva, embora essa circunstância possa aumentar o quantum ressarci­tório, tampouco de ser sanada mediante uma cirurgia plástica, fato que poderá atenuar o valor da indenização (Grandov, Balldomero e Bascary Miguel Carril/o. eicatrices. Dano estetico y Derecho a Ia integridad fisica. Rosario: Editorial FAZ, 2000, p. 34 e 40). Aliás, o STJ já se pronunciou nesse sentido por meio de suas turmas nos se­guintes acórdãos: 2" T / AGA 276023/ RJ / Relatar Min. Paulo Gallotti / Fonte: DJ / DATA: 28.8.00 /pg: 00068/RSTJ/vol..:00138 pg: 00172; 3" T / REsp n. 254445/ PR / Relator Min. Nancy Andrighi / Fonte: DJ Data: 23.6.03 / pg: 00351; e 4" T / REsp n. 347.978 / RJ / Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar / Fonte: DJ Data: 10.6.02, pg.: 00217. Se O valor fixado pelo juiz considerou os dois aspectos, o dano estético já foi objeto de ressarcimento.(TRT 3ª R, 2ª Turma, 01771-2002-032­03-00-2, RO ReI. Juíza Alice Monteiro de Barros, DJMG 30.7.03 p.l0).
Publicado em Jornal do 4º Congresso Brasileiro de Segurança e Saúde no Trabalho, fls. 37/39, evento realizado em São Paulo entre os dias 24 e 25 de novembro de 2003, sob a coordenação do Dr.Leonídeo F. Ribeiro Filho.

domingo, 29 de junho de 2008

A execução de contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho:As incoerências do parágrafo 3º do art. 114 da Constituição Federal:

* artigos jurídicos devem ser analisados, tendo-se por base o direito positivo vigente à época da publicação.

Apresentação:

A Emenda Constitucional n. 20/98, que veiculou a chamada reforma da previdência, modificou a estrutura do art. 114 da Constituição Federal, atribuindo ao juiz do trabalho a competência para executar de ofício as contribuições sociais previstas na letra" a" do inciso I e no inciso II do artigo 195 da Constituição Federal, "decorrentes das sentenças que proferir" (art. 114, §3º, CF 1.988), quais sejam:

"I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

[ ...]

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o artigo 201;" (nova redação, dada aos incisos pela Emenda Constitucional n. 20/98).

Grande ceIeuma doutrinária sobreveio à instituição, através da Emenda Constitucional n. 20, da possibilidade de execução das contribuições previdenciárias pela Justiça do Trabalho, contribuições estas decorrentes das sentenças proferidas no seu âmbito.

Discutiu-se, inicialmente, acerca de sua possível inconstitucionalidade (possível desrespeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório), bem como com respeito à possibilidade de aplicação imediata da novel norma constitucional.

A tese da inconstitucionalidade não vingou pois as vozes que a defendiam não conseguiram provar indevida incursão da emenda número 20 pelo campo das matérias vedadas (art. 60, parágrafo 4º, CF).

Igualmente, não se verifica desrespeito algum a limitações implícitas, pelo que a constitucionalidade da emenda, ao proceder à alteração dos artigos 114 e 195 da CF/88, é indiscutível.

Não prevaleceu também a tese da não-aplicabilidade imediata da regra do parágrafo 3º do artigo 114 pois o legislador constitucional não exigiu medidas legais posteriores (não usou da clássica fórmula legislativa "nos termos da lei").

De fato, surgiram inicialmente procedentes dúvidas relativas ao rito a ser seguido, as quais, entretanto, foram fulminadas com a promulgação da Lei n. 10.035, de 25 de outubro que, alterando diversos dispositivos da CLT, estabeleceu os procedimentos, no âmbito da Justiça do Trabalho, de execução das contribuições devidas à Previdência Social.

Todas estas questões encontram-se devidamente esclarecidas e pacificadas na doutrina e na jurisprudência não carecendo, desta arte, de maiores considerações.

Mas este comento não visa analisar assuntos já sedimentados e suficientemente debatidos. Objetiva a discussão de dois temas complexos, relacionados à inclusão do parágrafo 3º no art. 114, do Estatuto Maior, os quais não foram adequadamente esclarecidos no âmbito doutrinário. A eles nos referimos como: o desvirtuamento da competência da Justiça do Trabalho; o injustificável desrespeito ao princípio processual da inércia.

Passamos, doravante, à análise deste dois temas.

O desvirtuamento da competência da Justiça do Trabalho:

A competência da Justiça do trabalho está expressamente consignada no caput do art. 114 da CF-88, nestes exatos termos:

"Art. 114 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas."

Infere-se, da atenta leitura da norma constitucional em estudo, que a Justiça do Trabalho destina-se a processar, conciliar e julgar uma espécie bem peculiar de lide, qual seja aquela que se trava entre empregado e empregador (elemento subjetivo da lide), decorrente da relação de trabalho (relação jurídico-material subjacente, secundária).

Cotejando-se as regras do art. 114, parágrafo 3º com as do art. 195, I, a) e II infere-se que o legislador constitucional criou uma novel modalidade de lide sujeita ao foro trabalhista, qual seja aquela que se trava entre o empregado e o INSS (art. 195, II) e entre o empregador e aquela autarquia federal (art. 195, I, a), cuja relação jurídico¬material subjacente corresponde a uma obrigação tributária.

Embora não se trate, por óbvio, de dispositivo inconstitucional, temos que o parágrafo 3º desvirtuou a regra de competência do caput, de vez que deferiu à JT competência para processar uma modalidade de litígio totalmente distinto, nos aspectos subjetivo e objetivo, daquele originalmente subsumido à sua competência qual seja, lide empregado/ empregador, gerada no bojo de uma relação empregatícia.

Malgrado a nossa oposição ao mencionado desvirtuamento da competência da JT admitimos a tese contrária, eis que a redação do caput do art. 114 pode avalizar referidas ampliações, desde que não se interprete o referido dispositivo restritivamente.

O injustificável desrespeito ao princípio processual da inércia da jurisdição:

Igualmente, não se justifica a exigibilidade de que o magistrado proceda de ofício, quando da execução das contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças por ele proferidas.

Reza o artigo 2º do Código de Processo Civil que a jurisdição atua por provocação da parte interessada. E o princípio da inércia, um dos fundamentos do processo moderno.

Verdade é que existem exceções em todos os campos do processo, do cível ao criminal, passando pelo trabalhista.

Cite-se, a título de informação a convolação de concordata em falência, a arrecadação de bens de ausentes e incapazes, a exibição de testamento e a abertura de inventário, no processo civil. A expedição de ofício de ordem de habeas corpus, e a expedição da carta prevista no art. 145 da L.E.P, para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, no processo crime. Por fim, não podemos olvidar da regra do art. 878 da CLT, que permite ao juiz do trabalho dar início, de ofício, à execução trabalhista em face do empregado ou do empregador.

As exceções, cuja lista taxativa foi apresentada, apenas evidenciam o rigor do princípio da inércia, uma conquista histórica do processo moderno.

Todas as exceções à regra encontram fundamento em interesses e direitos maiores, como o da segurança jurídica (arrecadação de bens de ausentes e incapazes), do interesse social (convolação de concordata em falência), do direito de liberdade (habeas corpus ex officio) etc.

Não encontrando-se fundamento consistente para exceções à regra processual da inércia, não pode a mesma prosperar. O caso em tela infringe flagrantemente o princípio da inércia pois a regra inserta no parágrafo 3º determina que o juiz execute ex officio as contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças por ele proferidas. Não encontramos justificativa aceitável para esta não¬obediência ao art. 2º do Cpc.

Ou será que o fundamento para o desrespeito a tão importante regra processual estaria no desequilíbrio dos cofres da previdência, os quais encontram-se ávidos de mais recursos para cobrir o rombo decorrente do sistema previdenciário adotado?

Desculpamo-nos pela ironia, mas certo é que não há justificativa plausível para a exceção em comento, ainda mais tendo-se em conta que a autarquia federal INSS dispõe de eficiente e numeroso corpo de procuradores (l), estes sim aptos, no nosso entender, a solicitar a execução daquelas contribuições previdenciárias.

Em resumo, ou se apresenta uma razoável justificativa para qualquer exceção ao princípio da inércia, ou a exceção não há de ser admitida na moderna sistemática do processo.

In casu, malgrado nossos esforços, não logramos êxito no trabalho de identificar o fundamento aceitável para a exceção insculpida no art. 114, parágrafo 3º da CF. Isto sem mencionarmos que, conforme o caso, a execução levada a efeito pelo magistrado pode até colidir com interesses do INSS que pode, por exemplo, desejar negociar (parcelar) o débito ou então executar o crédito em um momento que lhe seja oportuno.

Considerações Finais:

Não foi objetivo deste estudo, breve e singelo, a análise da repercussão da inovação implementada no âmbito do processo do trabalho e da competência da Justiça Laboral.

Não foi a nossa intenção verificar se foi viável ou não a modificação verificada. Isto demandaria trabalhosa pesquisa de campo, com vistas à colheita de opiniões de magistrados, advoga¬dos e procuradores do INSS, através das quais poder-se-ia dessumir o grau de receptividade que mereceram as modificações processuais insertas no parágrafo 3º do art. 114.

Circunscreveram-se as considerações a aspectos de ordem técnica e, neste particular, o co-mentado parágrafo 3º é digno de acerbas críticas.

A ampliação da competência da Justiça do Trabalho pode até ser defendida, conforme se interprete o art. 114, caput de maneira mais ou menos restritiva.

Entretanto, no que atina à execução ex officio das contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças proferidas em sede de processo laboral pedimos a devida vênia para não admitir esta exceção à regra da inércia da jurisdição, dada a falta de uma sólida justificativa para a mesma.
Não podemos concordar com este rebaixamento da Justiça Laboral à categoria de "cobradora" de dívidas do INSS.

Respeitamos a tese dos que se manifestam integralmente favoráveis às inovações proces­suais implementadas no seio da Emenda 20/98, no entanto, a exigibilidade de que o magistrado do trabalho execute as contribuições devidas ao INSS não respeita a moderna sistemática proces­sual pátria, pois impõe a um magistrado uma obrigação legalmente deferida a uma autarquia federal sem que, para este proceder, existam ra­zões plausíveis.

(1) Só no ano de 2002 foram realizados dois concursos para procura¬dores federais para cobrir um total de mais de 1.280 vagas. Destas, a grande maioria será destinada à autarquia INSS.
Publicado no Jornal do 16º Congresso Brasileiro de Previdência Social, fls. 55/57, evento realizado em São Paulo entre os dias 24 e 25 de março de 2003, sob a coordenação do Dr. Wladimir Novaes Martinez e na Revista de Previdência Social, editora Ltr, v.28, n.280, Mar. 2004, pg. 256.

Contributo para um melhor enquadramento científico dos princípios em direito e processo do trabalho


Apresentação:

Não se destina esta tese à análise particular de qualquer princípio de direito material do trabalho ou de processo do trabalho.

Objetivamos, antes, apresentar algumas incongruências que, freqüentemente, encontramos nos manuais destes ramos do saber jurídico, incongruências estas resultantes de um trato pouco diligente dedicado ao importante tema "princípios", o que redunda em contradições lógicas e num sub-aproveitamento destes importantes institutos da dogmática jurídica.

Constitui ainda objetivo deste breve estudo a definição e enquadramento científico das diversas modalidades de princípios que tramitam pela seara do direito material e processual do trabalho, sempre no intuito de sorver dos princípios todo o seu potencial esclarecedor, informativo e organizativo.

Os princípios: generalidades científicas:

Celso Antônio Bandeira de Mello define princípios como mandamentos nucleares de um sistema. Embora sintética, a definição do grande mestre administrativista é elucidativa, expondo a função primordial dos princípios, qual seja a de servir de comandos gerais, irradiadores de normas específicas, a serem aplicadas sobre o sistema ao qual pertencem.

Diversos princípios encontram previsão expressa na lei ou na Constituição (citem-se os princípios processuais constitucionais), entretanto, a maioria dos princípios estudados em sede de direito do trabalho e em processo do trabalho não tem previsão literal, sendo, doutrinariamente, dessumidos do sistema que regem.

São incontestáveis as vantagens e facilidades oferecidas pelos princípios ao estudo científico de determinada área do saber jurídico, ap¬recendo como regras de interpretação, como fontes do direito, orientando e informando o exegeta e os aplicadores do direito.

A trilogia que propomos: princípios materiais do trabalho, princípios processuais do trabalho e princípios procedimentais do processo do trabalho:

Os princípios materiais do trabalho, também alcunhados de princípios do direito do trabalho, destinam-se, basicamente, à proteção do empregado, incidindo na relação jurídico-empregatícia

São princípios imanentes às normas laborais, cuja observância é imperiosa e inafastável, pena de desvirtuamento de todo o arcabouço protetivo desenhado pelo Texto Magno e pela legislação infraconstitucional, notadamente pela CLT. Estes princípios viabilizam e tornam efetivo o caráter protetivo do direito do trabalho, sem o que o contrato de emprego corresponderia a um mero contrato de prestação de serviços, regido pelas frias e individualistas regras do direito comum.

América PIá Rodriguez, jurista sul-americano de renome mundial, desenvolveu profundamente o tema em testilha na sua clássica obra "Princípios de Direito do Trabalho", apresentando os princípios fundamentais de direito do trabalho, quais sejam: 1) o da proteção; 2) o da irrenunciabilidade dos direitos; 3) o da continuidade da relação de emprego; 4) o da primazia da realidade; 5) o da razoabilidade e; 6) o da boa-fé. César P. S. Machado Jr. acresce o princípio da isonomia de tratamento de trabalhadores em iguais condições, opinião à qual aderimos, em face de expressos dispositivos constitucionais (art. 7°, XXXI a XXXIII).

Ao elenco principio lógico apresentado por América PIá Rodriguez apomos críticas à menção de dois princípios: o da boa-fé e o da primazia da realidade.

A adoção do princípio da boa-fé como princípio material do trabalho é desnecessária, sendo, juridicamente, supérflua. Isto porque princípios como o da boa-fé, da justiça, da vedação ao enriquecimento ilícito são inerentes à própria natureza do direito contratual, aplicando-se a todos os contratos, independentemente de sua natureza (não existem, portanto, apenas no âmbito dos contratos de emprego). Agiu mal o mestre uruguaio quando colocou, no bojo dos princípios materiais do trabalho, um princípio geral dos contratos, eis que sua enumeração quedaria mais bem elaborada cientificamente se apresentasse unicamente os princípios reitores específicos do direito material do trabalho, e responsáveis pela sua identidade particular.

Semelhante comentário pode ser feito no que pertine ao princípio da primazia da realidade eis que, pela via judicial, toda contrariedade ao real pode ser elidida em sede de ação, valendo o documento escrito como mera presunção relativa (juris tantum). Não corresponde, portanto, o princípio a uma peculiaridade do direito laboral, mas a sua colocação entre seus princípios, embora não adequada cientificamente, justifica-se pela prática encontradiça no âmbito dos contratos de emprego, onde os escritos nem sempre correspondem ao que se verifica no mundo fático.

Se os princípios materiais do trabalho destinam-se à proteção jurídica do empregado, disciplinando a relação jurídico-material, os princípios processuais (ou princípios do processo do trabalho) disciplinam a relação jurídico-processual, decorrente de uma lide gerada no bojo de um pacto de labor ou no cumprimento das normas trabalhistas. Tem a finalidade de regular a dinâmica relação processual de seu nascedouro (citação válida) até o seu término, viabilizando a escorreita aplicação do direito e a conseqüente pacificação social.

Os princípios processuais têm seu fundamento no Texto Constitucional, em diversos de seus incisos.

Nélson Nery Jr. elaborou consistente estudo acerca dos princípios processuais, tendo desenvolvido com primor os princípios processuais decorrentes do due process que, no nosso modesto entendimento, hão de se aplicar a todas as modalidades de processo, vez que a Constituição Federal, ao disciplinar o devido processo legal, não fez exceção alguma, pelo que os princípios processuais nunca poderão ser tomados para efeito de se distinguir as espécies de processo, aplicando-se como todo o rigor em quaisquer modalidades de relação processual, sob pena de ser declarado inconstitucional o ato processual que não respeite, rigorosamente, os princípios de proces¬so ditados pela Lei Maior.

Entre referidos princípios derivados do devido processo legal incluiríamos, dentre outros, o do contraditório, o da ampla defesa, o da publicidade, o da inadmissibilidade de provas ilicitamente obtidas, da motivação das decisões judiciais, do juiz natural e do duplo grau de jurisdição. Seria inconcebível e atentatório à Constituição admitir que algum destes princípios se aplique de modo distinto segundo cada um dos ramos do processo, pelo que falar em princípios processuais do trabalho é adequado sob o prisma da didática jurídica (A), ou seja, quando se estuda o processo do trabalho cotejando-se aqueles princípios com as especificidades e peculiaridades do processo laboral, visualizando, na prática, a aplicação dos mesmos. Em resumo, os princípios processuais não têm cores civis, nem penais, nem trabalhistas, mas sim um colorido unicamente constitucional.

A verdadeira identidade do processo do trabalho é-nos dada não pelos seus princípios processuais que, a rigor, em nada se distinguem dos princípios do processo civil ou penal, mas sim pelos seus princípios procedimentais do processo do trabalho, estes sim aptos à distinção do processo laboral frente a todas as demais modalidades de processo.

Analisando-se as normas procedimentais do processo do trabalho infere-se que o legislador objetivou a criação de um procedimento rápido, sem formalidades excessivas, econômico e, sobretudo, efetivo. Referida rapidez e efetividade é buscada através da adoção de princípios tais como o da oralidade, celeridade, informalismo, economia, jus postulandi, conciliação e concentração.

Os princípios procedimentais informam o "modo de ser" de determinado rito processual dando-lhe uma feição célere ou morosa, solene ou informal, econômica ou dispendiosa, onde prevaleça a palavra escrita ou oral etc. É absolutamente correto o tratamento destes princípios enquanto princípios procedimentais do trabalho, uma vez que destinam-se os mesmos a servir de regras gerais informadoras e orientadoras do procedimento praticado em sede de processo do trabalho. O rito procedimental, portanto, admite uma pluralidade de formas e modelos possíveis, segundo a natureza da lide cuja solução se postula.

Infere-se que não há de se confundir princípios processuais com princípios procedimentais. Aqueles têm abrigo especialmente na constituição e se aplicam indistintamente em toda modalidade de relação processual, ao passo que estes (os procedimentais) se revestem de peculiaridades, decorrentes do rito processual que informam, e são dessumidos do desenho dado pela lei processual a determinado rito procedimental.

Em resumo, os princípios processuais têm abrigo constitucional e orientam a criação da lei processual, a sua aplicação, e são utilizados para solucionar dúvidas que podem surgir da aplicação de determinada norma do processo. De seu turno, os princípios procedimentais são obtidos a partir das características mais ostensivas de determinado rito, seja ele mais simplório, como o sumaríssimo, seja ele mais complexo, como o ordinário.

Insignes processualistas, infelizmente, não percebem esta clara diferenciação, tratando sob o mesmo título os princípios processuais e os pro¬cedimentais. Cite-se Humberto Teodoro Júnior, que discorre sobre os princípios da economia e da eventualidade (princípios eminentemente procedimentais), em conjunto com os verdadeiros princípios processuais.

Referidas observações podem até parecer meros academicismos, entretanto, aqueles que manejam as palavras e discorrem sobre ciência jurídica devem, invariavelmente, buscar sempre a precisão vocabular, pois sobre ela se transmite todo o conhecimento jurídico.

Conclusão:

O vocábulo princípios é encontradiço nos manuais de ciência jurídica, entretanto, não são os mesmos submetidos ao tratamento científico que merecem.

Esta facilidade no manuseio dos princípios resulta em um uso inadequado de toda sua potencialidade orientadora, informadora e elucidativa.

Nas palavras acima colocadas, sem a menor pretensão de originalidade, objetivamos apresentar algumas incoerências verificadas, bem como a solução que entendemos mais lógica e que mais respeite uma classificação científica dos princípios no âmbito do direito e do processo do trabalho.

No âmbito do direito do trabalho, evidenciamos a excelência do trabalho de PIá Rodriguez que bem captou o espírito protetor das normas trabalhistas, traduzindo-o numa enumeração principiológica de grande valor prático e informador. Não deixamos, entretanto, de apor críticas à colocação de princípios gerais do direito contratual no bojo dos princípios do direito do trabalho (princípios materiais), muito embora esta colocação possa até se justificar em face de práticas ilícitas verificadas nas relações trabalhistas.

Demonstramos ainda que princípios processuais não hão de ser confundidos com princípios procedimentais, ao contrário do que faz boa parte da doutrina, e que estes variam de processo para processo, de rito para rito, sendo mais adequados à caracterização e identificação de qualquer modalidade procedimental.

A percepção da natureza eminentemente constitucional dos princípios processuais é fundamental para uma boa administração do processo e para o seu adequado estudo, eis que sendo normas de tão elevada natureza sua rigorosa obediência se faz necessária.

Bibliografia consultada:

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. "Curso de Direito Administrativo";
MACHADO JR., César P. S. "Direito do Trabalho". NÉRY JR., Nélson. "Princípios de Processo Civil na Constituição Federal";
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. "Princípios de Direito do Trabalho".
TEODORO JR, Humberto. "Curso de Direito Processual Civil".

Nota explicativa:

(A) Referidas afirmações podem ser confirmadas por um breve passar de olhos pelas páginas iniciais dos manuais de processo do trabalho. Percebe-se que, sob a designação de princípios do processo do trabalho, são tratados os princípios gerais e fundamentais do processo, realçando-se, apenas, situações do processo do trabalho onde tem aplicação os princípios em análise.
Publicado em Jornal do 15º Congresso Brasileiro de Direito Processual do Trabalho, fls. 25/27, evento realizado em São Paulo entre os dias 29 e 30 de julho de 2003, sob a coordenação do Dr. Amauri Mascaro Nascimento

sábado, 28 de junho de 2008

Questões controvertidas acerca da exigibilidade da prática forense nos concursos jurídicos



1 – Apresentação:
Diversos concursos exigem, como condição de ingresso na carreira jurídica, a satisfação do requisito de ter o candidato desempenhado a prática forense durante certo lapso de tempo.
Seguramente, tal exigência tem gerado inúmeras disputas judiciais atinentes, sobretudo, ao sentido e à amplitude que hão de ser atribuídos à expressão “prática forense” e, ainda, ao correto momento de se exigir do candidato a prova da satisfação do requisito.
Vozes há, ainda, que se levantam até contra a constitucionalidade de tal exigência, tachando-a de desarrazoada e excessiva.
Neste brevíssimo estudo trataremos destas questões, apreciando como o STF e o STJ têm se posicionado sobre o assunto mencionando, ainda, como o tema foi tratado na decantada reforma do judiciário, veiculada recentemente pela EC 45/2004.

2 – A constitucionalidade da exigibilidade da prática forense nos concursos jurídicos:
Reza o artigo 37, I da Constituição Federal que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei” (grifamos).
Estando a exigência da prática forense respaldada na lei nenhuma impugnação judicial ou administrativa há de opor à mesma, eis que cabe ao legislador estabelecer os requisitos que considera relevantes para efeito de acessiblidade àquele cargo.
Observe-se, no entanto, que a exigência, conquanto prevista em lei, deve obedecer a um critério lógico e razoável, devendo ser pertinente ao cargo respectivo, de modo que se vislumbre a real necessidade de que o futuro ocupante daquele cargo satisfaça aquele requisito, pois do contrário a mesma há de ser considerada excessiva, impertinente e, portanto, inconstitucional. Disso decorrem, a título de exemplo, exigências rigorosas em termos de idade, sanidade e aptidão física para carreiras policiais e militares, em que se fará uso pleno de todo o potencial físico em diversas situações.
No caso específico dos concursos jurídicos há vozes que se levantam contra a exigência da prática forense, argumentando ser a mesma desarrazoada e inapta a satisfazer os fins a que se propõem, quais sejam o de restringir o acesso ao cargo a pessoas razoavelmente experimentadas na militância no foro.
Celso Spitzcovsky
[2] é um dos sequazes da tese de que é descabida a exigência da prática forense nos concursos jurídicos. Entende o nobre professor e advogado que a exigência fere o princípio da razoabilidade administrativa, na medida em que a mesma, dada a amplitude do significado que pode se dar à expressão “pratica forense” não permitiria se averiguar com precisão se de fato o candidato está ou não habilitado a ingressar na carreira jurídica pleiteada, além de reputar a exigência da prática forense como inapta a se averiguar concretamente se de fato o candidato é ou não dotado de alguma experiência jurídica.
Com efeito, o professor está correto em afirmar que ressente de conteúdo mais definido a expressão prática de atividade jurídica, entretanto, compreendemos que tal circunstância não é hábil para, por si só, afastar a exigência da prática forense nos concursos jurídicos.
Com tal requisito se procura, sobretudo, exigir do candidato a uma carreira jurídica que adquira intimidade básica com a labuta e a dinâmica no foro, do que, indiretamente, decorrem experiência e diversos conhecimentos práticos indispensáveis ao bom desempenho de qualquer ofício na seara jurídica.
A exigência, portanto, é razoável e não pode ser tachada de inconstitucional uma vez que não se encontra arbitrariedade alguma na sua colocação entre os requisitos de ingresso na carreira jurídica.
Situação inconstitucional, a seu turno, seria a da hipótese de o requisito da prática forense estar previsto no edital, ou mesmo em algum ato normativo-administrativo (regulamento do concurso, resolução do tribunal etc) sem, entretanto, o devido respaldo na lei.
Em tal situação a exigência é descabida e afronta a própria constituição, uma vez que somente a lei em sentido formal está habilitada, constitucionalmente, a estabelecer as exigências para ingresso nos cargos públicos, sejam eles jurídicos ou não (CF/88, art.37, I).
Confira-se, neste sentido, ementa do acórdão proferido pelo STF no julgamento da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n. 1.188 MC/DF.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LIMINAR -
CONCURSO PUBLICO - JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO - REQUISITOS - IMPOSIÇÃO VIA ATO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Exsurgindo a relevância jurídica do tema, bem como o risco de serem mantidos com plena eficacia os dispositivos atacados, impõem-se a concessão de liminar. Isto ocorre no que previstos, em resolução administrativa do Tribunal Superior do Trabalho, requisitos para acesso ao cargo de juiz estranhos a ordem jurídica. "Apenas a lei em sentido formal (ato normativo emanado do Poder Legislativo) pode estabelecer requisitos que condicionem ingresso no serviço público. As restrições e exigências que emanem de ato administrativo de caráter infralegal revestem-se de inconstitucionalidade." (José Celso de Mello Filho em "Constituição Federal Anotada"). (Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 23/02/1995, Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO, Publicação: DJ DATA-20-04-95 PP-09945 EMENT VOL-01783-01 PP-00109) (grifou-se)

A exigência da prática forense como condição para ingresso na carreira jurídica é legítima e constitucional sendo este o entendimento dominante no STF e no STJ, devendo tal exigência, entretanto, estar prevista em lei, sob pena de padecer do inafastável vício da inconstitucionalidade.

No que atina, especificamente, às carreiras da magistratura e do Ministério Público a Emenda Constitucional 45/2004, que veicula a “reforma do judiciário” impede qualquer debate acerca da inconstitucionalidade da exigência, uma vez que trouxe para dentro do próprio texto magno a exigibilidade de, no mínimo, três anos de efetiva atividade jurídica como condição de ingresso nas carreiras de juiz (de direito, federal, militar e do trabalho), de promotor de justiça estadual e de procurador da república, militar e do trabalho.

A mencionada Emenda Constitucional n.45 deu nova redação ao artigo 93, I, da Cf/88, o qual trata da carreira de juiz, nestes termos: “Art. 93. I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação”; (grifamos)
No que atina às carreiras do Ministério Público foi a seguinte a modificação introduzida pela Emenda Constitucional n.45/2004: "Art. 129, § 3º - O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação. “ (grifamos)
Infere-se ainda que as normas introduzidas pelas emendas falam de prazos mínimos, pelo que o legislador ordinário poderá majorá-lo, se lhe parecer conveniente
[3].

3 – O sentido e a amplitude da expressão “prática forense”:
Normalmente os editais de concursos jurídicos, depois de mencionarem a exigência da prática forense como condição de acesso ao cargo, definem quais atividades se entendem por incluídas em tal expressão.
Citemos, a título de exemplo, o Edital n.02/2004, de 23/07/2004, que disciplina o último concurso para o cargo de advogado da União.
Com efeito, dispõe tal edital que:

“2.1.4.1 Será considerado como prática forense:
a) o efetivo exercício da advocacia, na forma da Lei n.º 8.906, de 1994, a abranger a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais, como as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas, sob inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil;
b) o exercício de cargo, emprego ou função publica, privativos de bacharel em Direito, sejam efetivos, permanentes ou de confiança;
c) exercício profissional de consultoria, assessoria ou diretoria, bem como o desempenho de cargo, emprego ou função pública de nível superior, com atividades eminentemente jurídicas.
2.1.4.2 Admitir-se-á, também, quanto à exigência legal relativa a dois anos de prática forense, apenas a comprovação de igual período de estágio, desde que observadas a legislação e os demais atos normativos regedores da hipótese.”


Percebe-se que a norma editalícia, conquanto não coloque o estágio no âmbito da prática forense, reconhece ser o mesmo idôneo a fornecer referida prática, na medida em que admite a satisfação do requisito por meio da prova de ter o candidato estagiado por, no mínimo, dois anos.
A Lei Complementar n.59, de 18 de janeiro de 2.001, que cuida da organização e divisão judiciárias do estado de Minas Gerais, trata do tema no seu artigo 165, VI, ao mencionar como requisito para inscrição no concurso da magistratura estadual comprovar o candidato, pelo menos quatro anos de efetivo exercício, a contar da colação de grau, como magistrado, promotor de justiça, advogado ou servidor público ocupante de cargo ou função para cujo desempenho sejam exigidos conhecimentos privativos de bacharel em direito, a juízo da comissão examinadora.
O ingresso na magistratura mineira, portanto, está sujeito a normas mais rígidas, de tal forma que não se admite a contagem de tempo de estágio, para satisfação do requisito da prática forense.
A Lei 5.010, de 30 de maio de 1.966, que dispõe sobre a organização da Justiça Federal, assim se posiciona sobre o tema, em seu artigo 21, V:
“Com o pedido de inscrição o candidato apresentará certidão que comprove o exercício, por 2 (dois) anos
[4], de advocacia ou cargo para o qual se exija o diploma de bacharel em direito”.
Percebe-se que as normas que regem o ingresso na magistratura federal são mais rígidas ainda, eis que, além de inadmitir o estágio, também exige que o tempo requerido de prática forense seja cumprido na advocacia ou perante um cargo privativo de bacharel em direito.
O rigor frio da lei federal excluiria, por exemplo, escreventes judiciários eis que, apesar de tais servidores terem imensa intimidade com o exercício da atividade jurisdicional, não ocupam um cargo privativo de bacharel em direito.
Estas breves citações servem apenas para demonstrar que a definição de prática forense comporta variações substanciais e, dado o rigor com que os editais e as leis têm tratado do assunto, tem gerado disputas judiciais perpetradas por aqueles candidatos que, desejando continuar no certame, não podem satisfazer com precisão a exigência prevista na lei.
Em face de tal quadro contam-se centenas de mandados de segurança tramitando em nossos tribunais, com vistas a elastecer ao máximo o sentido da prática forense, no intuito de abranger o estágio e até mesmo a pesquisa jurídica.
E a jurisprudência dominante no STJ é simpática a referida ampliação, tendo dado à “prática forense” o sentido mais amplo possível, abrangendo até mesmo o estágio realizado no âmbito das faculdades de direito.
Citem-se os seguintes julgados, todos recentes e da lavra do STJ, bastante elucidativos neste sentido:

“RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DEFENSORIA ESTADUAL. PRÁTICA FORENSE. EXIGÊNCIA SOMENTE DAQUELA EXERCIDA JUNTO A DEFENSORIAS E APÓS A CONCLUSÃO DO CURSO DE DIREITO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. CONCEITUAÇÃO AMPLA ACERCA DO QUE COMPREENDE A PRÁTICA FORENSE.Nos termos de farto entendimento jurisprudencial, para fins de comprovação para participação em concurso público, o conceito de prática forense é abrangente, incluindo atuação como advogado, no foro e até mesmo estágio em faculdades.A exigência do edital, quanto a se considerar o estágio somente aquele praticado em defensorias públicas e após a conclusão do curso, não encontra amparo na legislação, nem eco na jurisprudência. Recurso provido. (RESP 399345/RS, Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, Data do julgamento: 18/06/2002, DJ 05.08.2002 p. 393).” (grifamos)

“MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRÁTICA FORENSE. CERTIDÃO EXPEDIDA PELO TRF/2º REGIÃO. LOTAÇÃO EM CARGO DE ASSISTENTE DATILÓGRAFO. NÃO COMPROVAÇÃO DE TER REALIZADO ATIVIDADE CAPAZ DE PROPICIAR CONHECIMENTOS FORENSES.É pacífico o entendimento nesta Corte Constitucional de Justiça de que o conceito de prática forense comporta amplitude, de modo a albergar as atividades realizadas perante Tribunais, Juízos de primeira instância e estágios nas Faculdades de Direito, no entanto, a simples certidão emitida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, atestando lotação em cargo de Assistente Datilógrafo, não comprova, por si só, a realização de atividade capaz de propiciar conhecimentos forenses. Embargos rejeitados. (EDcl no MS 6623/DF - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA 1999/0095147-6, Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, TERCEIRA SEÇÃO, Data do julgamento: 23/06/2004, DJ 02.08.2004 p. 296).” (grifamos) “RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRÁTICA FORENSE. ELASTICIDADE DA CONCEITUAÇÃO. TÉCNICO DO TESOURO. INCOMPATIBILIDADE DA FUNÇÃO COM O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. PRECEDENTES.É firme o posicionamento jurisprudencial desta Corte no sentido de que o conceito de prática forense é mais amplo, não abrangendo somente o exercício da advocacia, mas estágios profissionais, atuações em Tribunais, juízos de primeira instância, entre outros. O caso se amolda à jurisprudência deste Tribunal. Violação não caracterizada. Recurso desprovido. (RESP 487844/RJ, Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, Data do julgamento 28/04/2004, DJ 31.05.2004 p. 346).” (grifamos)

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DISSÍDIO DEMONSTRADO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DEFENSOR PÚBLICO. PRÁTICA FORENSE. LC 80/94. COMPROVAÇÃO.É legítima a exigência de prática forense para o ingresso nas carreiras da Advocacia-Geral da União, mas o seu conceito deve ser interpretado de forma ampla, de modo a compreender não apenas o exercício da advocacia e de cargo no Ministério Público, Magistratura ou outro qualquer privativo de bacharel de direito, como também as atividades desenvolvidas perante os Tribunais, os Juízos de primeira instância e até estágios nas faculdades de Direito, doadoras de experiência jurídica. Precedentes. Recurso provido. (RESP 450936/RS, Ministro FONTES DE ALENCAR, SEXTA TURMA, Data do julgamento: 06/11/2003, Data da publicação/Fonte DJ 19.12.2003 p. 632).” (grifamos)


Percebe-se que a orientação que hoje impera no STJ é a de admitir a comprovação do requisito da prática forense através do desempenho de qualquer cargo, ou até mesmo estágio, desde que as atribuições de tal cargo ou estágio sejam aptas e idôneas a oferecer ao candidato à carreira jurídica os conhecimentos forenses concretos e a experiência jurídica mínima desejada que são a razão de ser da exigiblidade da prática forense enquanto requisito nos concursos.
Entendemos acertada a admissão do estágio enquanto instrumento hábil a conferir experiência jurídica ao acadêmico.
Muito embora seja claro que o estagiário, ordinariamente, não desempenhe funções de grande importância e responsabilidade é indiscutível que o fato de estar imerso e envolvido no exercício da atividade jurídica, seja na secretaria de uma vara, seja no gabinete de um juiz, seja em uma promotoria, seja em um escritório de advocacia lhe propicia a experiência jurídica básica necessária para o adequado desempenho da profissão jurídica.
Posicionamo-nos diversamente, entretanto, no que tange à aceitação da pesquisa jurídica como meio idôneo a satisfazer o requisito da prática forense, embora o STJ já tenha admitido até mesmo “pesquisas em bibliotecas, livros e computador” como modos de comprovar a “pratica forense”.
[5]
Acreditamos que não há de se admitir atividades de pesquisa jurídica como modo de comprovação da prática forense simplesmente porque não se adquirem experiência jurídica e conhecimentos forenses com a pesquisa, mas sim conhecimentos meramente teóricos.
A pesquisa jurídica, conquanto proporcione conhecimentos teóricos, pouco, ou nada, aproxima o acadêmico da dinâmica do foro, sendo assim inapta a servir-se como meio de se satisfazer o requisito da prática forense.
Ampliar o sentido da expressão “prática forense” para que a mesma albergue a pesquisa jurídica poderá resultar num quadro em que até mestrado e doutorado se admitiriam como meios de se comprovar o requisito em estudo, o que resulta ilógico e não razoável.
Percebe-se, enfim, que, não obstante a jurisprudência caminhar no sentido da flexibilidade, de modo a se admitir o estágio e até atividades de pesquisa como meios de se comprovar prática forense é de se notar ainda que os editais de concursos de ingresso a diversas carreiras jurídicas não têm cedido passo e ainda têm tratado do assunto com grande rigor, o que tem obrigado os candidatos a ingressarem com mandados de segurança para não serem alijados dos concursos.

4 – O correto momento de se exigir a comprovação da “prática forense”.

Problemática também é a questão do momento correto de se exigir a comprovação dos requisitos para ingresso na carreira jurídica, neles incluída a prática forense.
Aqui uma vez mais aferimos que os editais estão discrepando do que o STJ entende acerca do tema tendo o rigor das normas editalícias de concursos jurídicos levado diversos candidatos à impetração do mandamus, com vistas ao prosseguimento no concurso.
A título de ilustração da atualidade de tal quadro citamos as seguintes cláusulas editalícias de concursos jurídicos realizados recentemente:

“Regulamento do X Concurso Público para provimento de cargo de juiz federal substituto da Primeira Região.

Capítulo III – Da Inscrição Preliminar:
Art.14 – A inscrição preliminar será requerida ao Presidente da Comissão Examinadora na sede das Seções ou Subseções Judiciárias integrantes do TRF – 1ª Região, mediante preenchimento de formulário próprio, acompanhado da seguinte documentação: VI – Certidão revestida de fé pública que comprove o exercício, por dois anos, de advocacia – sem contar o estágio – ou de cargo ou função pública para os quais se exija diploma de bacharel em direito.” (grifou-se)


“Edital Esaf n.61, de 25 de agosto de 2.004 – Concurso Público para provimento de vagas no cargo de Procurador da Fazenda Nacional

8.5 – Da inscrição definitiva:
8.5.2 – A inscrição definitiva será requerida mediante o preenchimento, pelo candidato ou seu procurador, de formulário próprio, e necessariamente instruída com:
a) comprovação de 2 (dois) anos de prática forense;” (grifou-se)


“Edital de Concurso Público para provimento de cargos de Juiz de Direito Substituto do Estado de Minas Gerais, de 02 de junho de 2.004.

II - DOS REQUISITOS DE INSCRIÇÃO - O candidato deverá preencher, até o último dia de inscrição definitiva, os seguintes requisitos: 6) Contar pelo menos quatro anos de efetivo exercício, a partir da colação de grau, como Magistrado, Promotor de Justiça, Advogado ou Servidor Público ocupante de cargo ou função para cujo desempenho sejam exigidos conhecimentos privativos de bacharel em Direito, a juízo da Comissão Examinadora.” (grifou-se)

“Edital do 175º Concurso de Provas e Títulos para Ingresso na Magistratura do Estado de São Paulo, de 07 de outubro de 2003:
Só poderá participar do Concurso quem comprovar regularmente, a juízo da Comissão Examinadora:
e) haver exercido, efetivamente, por dois anos: I. a Advocacia, como Advogado ou Estagiário (certidão da Ordem dos Advogados do Brasil), a função de Estagiário ou cargo de carreira do Ministério Público (certidão da Procuradoria Geral de Justiça), da Procuradoria Geral do Estado, de Estagiário de Direito junto ao Poder Judiciário (certificado de aproveitamento), ou cargo de Delegado de Polícia (certidão da Secretaria de Segurança Pública, Departamento da Administração e Planejamento da Polícia Civil); II. cargo de Servidor da Justiça (certidão da Secretaria ou da Corregedoria Geral da Justiça, ou de órgãos equivalentes);” (grifou-se)
Percebe-se que, de um modo geral, os editais de concursos jurídicos exigem a comprovação do requisito da prática forense em momentos bem anteriores à posse, alguns chegando ao rigor de já exigi-lo por ocasião da inscrição preliminar, como é o caso do concurso de ingresso na magistratura federal.
A questão é de importância capital, haja vista que a grande maioria dos candidatos em um concurso jurídico encontra-se desempenhando uma profissão que conta tempo para a satisfação do requisito da prática forense, de modo que, conquanto não possa comprovar o cumprimento do requisito por ocasião da inscrição (preliminar ou definitiva), o poderá por ocasião da posse eis que normalmente há uma grande distância temporal entre estes dois eventos (inscrição – preliminar/definitiva e posse), a qual atinge vários meses e em certos casos pode superar um ano.
No intuito de não se verem afastados do concurso, ante o não atendimento da norma editalícia, os candidatos que não podem comprovar o tempo exigido de prática forense, seja por ocasião da inscrição preliminar, seja por ocasião da definitiva, têm recorrido ao Judiciário por meio da ação constitucional de mandado de segurança, ao argumento de que só por ocasião da posse há de ser exigida a comprovação dos requisitos legais para investidura no cargo público.
Aqui mais uma vez o STJ tem pendido para o lado dos candidatos, bastando conferir as decisões abaixo, que ilustram e traduzem a jurisprudência hoje dominante naquela Corte de Justiça:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO. PRÁTICA FORENSE. EFETIVO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA POR DOIS ANOS OU DE CARGO PARA O QUAL SE EXIJA DIPLOMA DE BACHAREL EM DIREITO. COMPROVAÇÃO. ATO DA POSSE. SÚMULA 266 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.1. Segundo o entendimento pretoriano dominante, a prática forense, traduzida no efetivo exercício da advocacia por dois anos ou de cargo para o qual se exija diploma de Bacharel em Direito, é exigência legítima para ingresso na magistratura, cuja comprovação deve ser exigida no ato da posse e não por ocasião das inscrições. Súmula 266 do Superior Tribunal de Justiça.2. Recurso em mandado de segurança provido.(RMS 15221/RR; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 2002/0104924-7, Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, Data do Julgamento: 12/12/2002, Data da Publicação/Fonte DJ 17.02.2003, p.371). (grifou-se) ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROCURADOR DA FAZENDA. MINAS GERAIS. EXIGÊNCIA DE DIPLOMA OU HABILITAÇÃO. POSSE.1. Ofende a CF/88, Art. 37, I a exigência da prova de conclusão do Curso de Direito no encerramento das inscrições. Precedentes do STJ.2. Recurso provido.(RMS 10764 / MG; RECURSO ORDINARIO EM M.S 1999/0027699-0, Ministro EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, Data do Julgamento: 16/09/1999, Data da Publicação/Fonte DJ 04.10.1999 p. 73). (grifou-se) ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. BANCO CENTRAL DO BRASIL. EXIGÊNCIA DE CONCLUSÃO DO CURSO SUPERIOR NO ATO DA INSCRIÇÃO. ILEGALIDADE.1. A exigência de critérios discriminatórios em edital de concurso deve ser feita precipuamente sob o prisma da lógica, bastando verificar se a diferenciação possui uma justificativa racional e necessária, ou se resulta de mera discriminação fortuita.2. Quando se exige um diploma de curso superior, não é para que o candidato possa fazer as provas, mas para que tenha conhecimentos necessários ao melhor exercício das atribuições do cargo; tal diploma só há de ser exigido, pois, no ato da investidura. Precedentes deste STJ e do STF.3. Agravo Regimental não provido.(AgRg no AG 110559/DF ; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
1996/0028750-3, Ministro EDSON VIDIGAL, Data do Julgamento: 10/08/1999, Data da Publicação/Fonte DJ 13.09.1999 p. 86). (grifou-se) Nem mesmo o fato de estar a matéria hoje sumulada no STJ
[6] pôde por fim a tais litígios e dissensões, estando os editais de concursos jurídicos ainda muito conservadores e “apegados” ao texto da lei. Mais uma vez o posicionamento do STJ é o que mais coaduna com a nossa Carta Magna. Com efeito, vigora em nosso estatuto jurídico-administrativo o princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos (artigo 37, I), o qual admite a imposição de critérios, requisitos e restrições ao ingresso no cargo público, desde que os mesmos sejam plenamente justificados, pois do contrário caracterizar-se-ia medida arbitrária e inconstitucional. Nada justifica a exigência do cumprimento do requisito da prática forense em momento anterior à posse, uma vez que somente por ocasião desta o outrora candidato iniciará efetivamente o exercício de seu ofício, e somente neste momento deverá comprovar as qualificações que o credenciam e o legitimam ao desempenho da função pública. Colhem-se em alguns julgados, especialmente no que tange a controvérsias referentes ao cumprimento do requisito nos concurso da magistratura, argumentos no sentido de que a Súmula 266 do STJ não se aplicaria ao cargo de juiz[7], por se tratar de cargo de poder. Conquanto seja inegável ser o juiz membro de poder, entendemos que a sua seleção é um procedimento de natureza administrativa tal qual o são todos os demais concursos para provimento dos outros cargos públicos sendo-lhe aplicável[8] toda a jurisprudência que no STJ vem se formando, especialmente no que pertine à admissão de se provar a “prática forense” por ocasião da posse. Preconizamos, portanto, que a exigência da prática forense, conquanto seja constitucional, não deve ser comprovada em momento anterior ao da posse, devendo todas as determinações legais[9] que dispõem diversamente serem lidas com “outros olhos”, à luz da atual Constituição Federal, sob pena de se dar guarida a uma exigência arbitrária e de desmedido e injustificado rigor, apta somente a afastar potenciais valores intelectuais do seguimento no certame.
5 – Conclusões:
1 - A exigência da prática forense como condição para ingresso na carreira jurídica é constitucional, eis que a sua previsão esta plenamente justificada em face das complexas e diversificadas atribuições inerentes às carreiras jurídicas as quais, para o seu adequado desempenho, requerem um contato anterior do candidato com a dinâmica do foro. Ademais, a Emenda Constitucional 45/2004, que veiculou a “reforma do Judiciário”, ao dispor sobre o ingresso nas carreiras da magistratura e do Ministério Público, trouxe o tema para dentro do próprio Texto Magno (art.93, I e art.127, § 3º), no que se evidenciou a razoabilidade e plausibilidade da previsão de tal exigência como condição de ingresso nas carreiras jurídicas.2 – Como meio de comprovação da prática forense hão de ser admitidas quaisquer atividades, sejam profissionais, sejam acadêmicas, que propiciem ao candidato, efetivamente, uma experiência jurídica básica e conhecimentos forenses essenciais.3 – A pesquisa jurídica não se presta à satisfação do requisito da prática forense eis que proporciona, de regra, conhecimentos meramente teórico-jurídicos.4 – Somente por ocasião da posse deverá ser exigida a satisfação dos requisitos editalícios eis que de tal medida não decorre prejuízo algum ao interesse público, além de ser a mais consentânea com os princípios administrativos da Constituição Federal, especialmente com o da ampla acessibilidade aos cargos públicos (Cf/88, artigo 37, I), devendo ser considerado insubsistente e injustificado qualquer entendimento em contrário.
Notas:
1 Ao longo deste estudo utilizamo-nos da expressão “prática forense”, dado o seu uso generalizado nos editais de concursos jurídicos, muito embora seja claro que a expressão “prática de atividade jurídica”, adotada inclusive pela EC 45/04, é a mais apropriada, dado que induz maior abrangência, a abarcar não apenas as atividades desenvolvidas no âmbito do foro, mas também outras que, conforme será demonstrado no decorrer deste ensaio, têm-se compreendido como aptas e legítimas a oferecer experiência jurídica.

2 SPITZCOVSKY, Celso. A inconstitucionalidade do critério de prática de atividade jurídica para concurso público. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jun. 2004. Disponível em:
www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm.

3 No estado de Minas Gerais o prazo mínimo já é de quatro anos (Lei Complementar Estadual 59/2001, artigo 165,VI).

4 Compreende-se que tal prazo foi ampliado para três anos, com a promulgação da Emenda 45, a qual deu nova redação ao artigo 93, I da CF/88.

5 MS 4.628/DF e MS 5.148/DF.

6 Súmula 266 – “O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público.”

7 Confiram-se os votos dos Desembargadores Federais Carlos Fernando Mathias e Luciano Tolentino Amaral, dados no julgamento, pela Corte Especial do TRF-1ª Região, do Mandado de Segurança n.2004.01.00.014372-7/PI.

8 Igual entendimento se aplica aos concursos do Ministério Público.

9 Como o mencionado artigo 21, V da Lei 5.010/66.
Publicado em: Revista do Tribunal Regional Federal da Primeira Região e CD-ROM da Júris Plenun.