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quinta-feira, 12 de maio de 2011

A Lei da Ficha Limpa e a presunção de inocência


A “Lei da Ficha Limpa” atendia aos anseios dos cidadãos brasileiros que queriam ver alijados do pleito eleitoral de 2.010 candidatos com passado sujo, envolvidos em falcatruas no âmbito da administração pública, em crimes, em abusos em processos eleitorais, dentre outros.


A chamada “Lei da Ficha Limpa” corresponde à Lei Complementar Federal nº 135, de 04 de julho de 2.010 e a princípio deveria valer para o pleito do ano passado, sendo que após o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 633703 restou estabelecido que a citada norma eleitoral não valeria para as eleições de 2.010, por ofensa ao artigo 16 da Constituição Federal, que determina a inaplicabilidade da lei que altera o processo eleitoral a pleitos que ocorram até um ano de sua entrada em vigor.


Bom, se o artigo 16 impediu a aplicação da “Lei da Ficha Limpa” ao certame eleitoral de 2.010, abrindo caminho que muitos candidatos fichas-suja possam ser empossados, podemos dizer que está juridicamente assegurada a aplicação da lei ao pleito de 2.012, quando serão disputadas as eleições municipais?


A nosso modesto sentir, dificilmente a “Lei da Ficha Limpa” poderá ser aplicada às eleições de 2.012, bem como a qualquer outra eleição, não reunindo a citada norma condições constitucionais de gerar qualquer efeito impeditivo sobre candidaturas de candidatos que tenham sido condenados por órgão judicial colegiado, se ainda pendente recurso, ou seja, se ainda não verificado o fenômeno processual do trânsito em julgado.


Com efeito, reza o inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Enquanto existir recurso pendente de apreciação judicial, há de se presumir a inocência do réu, sendo que a culpa somente restará juridicamente configurada se e quando transitar em julgado a sentença condenatória.


A “Lei da Ficha Limpa” viola a citada norma constitucional ao estipular, como causa de inelegibilidade, o simples fato de o candidato haver sido condenado por órgão judicial colegiado (câmara, turma ou pleno, de algum tribunal), ainda que haja recurso pendente de julgamento.


Ora, se há recurso ainda a ser apreciado possível é absolvição do candidato condenado, não podendo o mesmo ser punido em face de uma condição ainda não consolidada, sendo de se presumir a sua inocência. Impedir o candidato de disputar as eleições, mesmo que condenado perante órgão judicial colegiado, é ato inconstitucional, passível de ser revisto pelo STF, por violação ao art. 5º, inc. LVII da CF/1988.


A “Lei da Ficha Limpa” satisfaz a legítimos anseios dos eleitores, mas peca por ofender a Constituição Federal em alguns aspectos, não merecendo gerar efeitos jurídicos. Cabe aos nossos parlamentares uma análise da mesma e uma reforma urgente, sanando as inconstitucionalidades presentes, pois 2.012 está próximo e é muito provável que até lá algum recurso seja provido no âmbito do Supremo para eliminar em definitivo a lei em estudo de nosso ordenamento jurídico.