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sexta-feira, 4 de julho de 2008

As consequências jurídicas da prática do assédio moral no trabalho no atual ordenamento jurídico brasileiro

Apresentação:

Neste momento encontram-se tramitando no Congresso Nacional Brasileiro diversos projetos de lei (oferecidos por parlamentares de diferentes correntes ideológicas) com vistas à precisa definição, proibição e penalização das condutas que caracterizam o assédio moral.

Se é certo que o estado brasileiro carece, urgentemente, de uma legislação específica sobre o assédio moral, também é sabido que nossos parlamentares muitas das vezes não cuidam de estimular o trâmite de projetos que versem sobre temas importantes (como é o caso em tela), resultando em que projetos importantes esperem décadas até serem convertidos em lei.

Mas, enquanto aqueles projetos que punem os autores do assédio não forem promulgados esta conduta reprovável estará liberada?

A resposta é não. Conquanto os projetos, uma vez convertidos em lei, possam trazer benefícios consideráveis para as vítimas do assédio, entendemos haver, no atual ordenamento jurídico pátrio, meios eficazes de se coibir a humilhação impingida no seio das relações de emprego, e responsabilizar seus infratores.

Disto trataremos no desenvolvimento deste estudo.

A natureza contratual da relação de emprego. O respeito recíproco como obrigação inserta no contrato de emprego. Incidência do artigo 483, alínea "d" da CLT.

Há tempos está assentado de forma pacífica nos manuais de direito do trabalho que a relação de emprego tem natureza contratual bilateral, na medida em que, para a sua constituição, acordam vontades de distintas pessoas (empregado-empregador) para o fim de criar direitos e obrigações recíprocos.

As obrigações básicas do empregador e os direitos fundamentais do empregado encontram-se consignados no texto da Constituição Federal, em seu artigo 7º.

O contrato de emprego, portanto, reveste-se de uma maior complexidade, não se resumindo, as obrigações dele decorrentes, ao mero pagamento de salários por parte do empregador, e à simples prestação de serviços por parte do empregado.

Uma das mais importantes obrigações insertas no contrato de emprego constitui o dever imposto ao empregador de oferecer ao empregado um ambiente de trabalho saudável e agradável providenciando, para as atividades insalubres e perigosas, meios eficazes de se reduzir os riscos à vida e à saúde do trabalhador.

Quando se exige, do empregador, o oferecimento de um adequado ambiente para a prestação de serviços por parte do empregado está se exigindo atenção não apenas aos agentes físicos que possam, eventualmente, tornar o ambiente de trabalho insalubre e insuportável, tais como temperatura, exposição a agentes químicos etc. Está se exigindo também, e talvez até em maior grau, a tranqüilidade psíquica do empregado, e o assédio moral, seja ele praticado diretamente pelo patrão ou por qualquer superior hierárquico, fulmina qualquer forma de paz psicológica gerando, para o empregado, desconforto e permanente sofrimento no local de trabalho.

Uma vez caracterizado o assédio moral no desenvolver da relação de emprego e, uma vez comunicado de tal fato, não providenciar o empregador a sua extirpação, estará o empregado autorizado, com supedâneo no artigo 483, alínea "d" da CLT a requerer judicialmente a rescisão de seu contrato de emprego bem como o pagamento de todas as verbas trabalhistas rescisórias como se de uma dispensa sem justa causa se tratasse.

Há na Câmara Federal um projeto, de autoria de um grupo de parlamentares do PC do B, que propõe a inclusão de um inciso "g" no artigo 483 da CLT, para o especial fim de autorizar o empregado vítima de humilhação e assédio a exigir a quebra judicial do vínculo empregatício. Como entendemos estar a obrigação de respeito e consideração recíprocos ínsita ao contrato de emprego, pensamos ser supérflua a inovação legal sugerida.

Entendemos, por fim, ainda ser possível a cumulação do pedido de rescisão com o pleito por uma indenização por danos morais, mas disso trataremos no próximo item.

O dano moral e material decorrente do assédio. Responsabilidade civil do empregador. Aplicação do artigo 186 do Novo Código Civil Brasileiro e do artigo 5º, X da Constituição Federal.

A honra, a imagem, a dignidade da pessoa são, no hodierno ordenamento jurídico, bens jurídicos tutelados no âmbito da própria Constituição Federal (art. 1º, III e art. 5º, X).

É certo que, em um estado onde ainda encontram-se casos de trabalho escravo, onde o trabalho infantil é numeroso, e onde milhões de cidadãos sobrevivem sub-empregados, há uma imensurável distância entre o que estatui a nosso bela e dirigente constituição, e aquilo que vemos no plano fático.

Ainda que o estado brasileiro não tenha viabilizado economicamente a concessão da merecida dignidade a milhões de trabalhadores a citada norma constitucional é relevante juridicamente, na medida em que elevou a honra humana à categoria de bem digno de tutela, devendo ser responsabilizados todos aqueles que agredirem-na.

A prática do assédio moral, especialmente, quando ocorre de forma reiterada, fere com profundidade a honra da pessoa do trabalhador, atingindo ainda sua paz psicológica e auto-estima, deixando lesões indeléveis e gerando a responsabilização civil de seu autor, com a conseqüente condenação ao pagamento de indenização por dano moral (Novo CCB, artigo 186).

Acerca da indenizabilidade do dano moral resultante das relações laborais citemos os seguintes julgados:

"Dano Moral. Ofensa à honra do empregado. O empregador responde pela indenização do dano moral causado ao empregado, porquanto a honra e a imagem de qualquer pessoa são invioláveis (art. 5º, XI, da Constituição Federal).

Esta disposição assume maior relevo no âmbito do contrato laboral porque o empregado depende de sua força de trabalho para sobreviver. 'La indemnización tarifada de Ia Lei de Contrato de Trabajo no exclue una reparación complentaria que signifique un amparo para el trabajador, cuando es agredido en su personalidad' (Santiago Rubinstein). A dor moral deixa feridas abertas e latentes que só o tempo, com vagar, cuida de cicatrizar, mesmo assim, sem apagar o registro."

TRT – 3ª Região (MG) – 2ª Turma ReI. Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira RO 3608/94 DJ-MG-II, de 08.07.94 e LTr 60/316, março/96.

"A indenização por dano moral trabalhista é amplamente assegurada por preceito constitucional, inciso X, artigo 5º, e à Justiça do Trabalho cabe exercer o encargo da jurisdição, nos termos do artigo 114 da Constituição Federal de 1988, em ação indenizatória de perdas e danos, pois a controvérsia, objeto do ressarcimento do dano sofrido pela reclamada, foi estritamente oriunda da relação jurídica de direito material de natureza trabalhista."

TRT – 6ª Região (BA) – 3ª Turma ReI. Juiz Carlos Coelho RO 827/92. Acórdão 3T - 15953/ 94, publicado na LTr 59/1336, outubro/95

A prática do assédio moral no trabalho, portanto, poderá proporcionar para o empregado vitimado tanto a indenização pelo dano moral, caracterizado principalmente pelo sofrimento quotidiano e reiterado impingido pelo superior hierárquico, quanto a indenização pelo dano material, esta aplicável quando da coação moral resultar em necessidade de afastamento do trabalho, em necessidade de tratamento clínico-psiquiátrico e em perda da capacidade laborativa.

A possibilidade jurídica de co-existência das indenizações deve-se ao fato de que o assédio moral no trabalho pode atingir interesses patrimoniais (redução da capacidade laborativa, despesas médico-hospitalares), e também interesses extra-patrimoniais (os chamados direitos da personalidade), dos quais faz parte a honra, a mais atingida e lesionada nos casos de assédio moral no trabalho.

As conseqüências jurídico-penais do assédio moral. Artigo 65 da Lei De Contravenções. Possibilidade de enquadramento em outros tipos penais.

A prática do assédio moral gera repercussões também no campo do direito penal.

Não estamos falando, obviamente, dos projetos de lei que visam à introdução de artigos no Código Penal brasileiro (Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1.940). Referidos projetos ainda encontram-se circunscritos ao campo do debate legislativo e somente quando convertidos em lei estarão aptos a punir, criminalmente, os autores de práticas de assédio moral no trabalho.

Malgrado os projeto mencionados ainda carecerem de aprovação parlamentar, acreditamos que o assédio moral no trabalho produz conseqüências jurídicas no âmbito da seara criminal, não no sentido de constituir crime específico, mas porque a prática do assédio moral está proibida penalmente pelo artigo 65 do Decreto-lei 3.688/ 41 (chamada Lei de Contravenções Penais). Vejamos, in verbis, o que dispõe o texto da lei:

"Perturbação da Tranquilidade - Artigo 65 - Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou motivo reprovável: Pena - prisão simples de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa."

A conduta do assediador preenche perfeitamente os requisitos do tipo penal, na medida em que o ato de molestar e/ ou perturbar a tranqüilidade de outrem, por motivo reprovável, e nota característica da totalidade de casos de assédio moral no trabalho.

Conquanto seja este o tipo penal que mais diretamente se aproxime da capitulação do assédio moral no trabalho, não há de se ignorar a possibilidade de o autor do assédio moral estar incurso na prática de outros delitos, tais como instigação ou induzimento ao suicídio, ameaça, constrangimento ilegal, algum crime contra a organização do trabalho etc. Esta variedade de possíveis enquadramentos penais deve-se ao fato de o assédio poder ser praticado por meio de uma imensa diversidade de condutas as quais, uma vez satisfeitos os requisitos da legislação penal, podem perfeitamente configurar crime.

Cabe às vítimas de assédio moral no trabalho procurar as autoridades policiais e ministeriais (Parquet) as quais avaliarão a possibilidade da existência da prática de algum delito uma vez que, conforme demonstramos ao longo deste item, mesmo antes da aprovação dos projetos que estão tramitando no Congresso Nacional, as condutas ínsitas ao assédio moral já estão reprovadas penalmente.

Conclusões:

Apesar de o assédio moral ser um fenômeno que aflige o mundo laboral há bastante tempo, a preocupação com a proibição do mesmo é relativamente recente, tanto que os projetos em trâmite no Congresso começaram a ser apresentados há cerca de quatro anos, e ainda não há perspectivas concretas quanto à data de suas conversões em lei.

Este estudo objetivou, precisamente, demonstrar que, mesmo antes da aprovação destes projetos o tema assédio moral já está relativamente bem disciplinado no âmbito dos direitos do trabalho, civil e, até, penal.

A prática de assédio moral no trabalho gera conseqüências jurídicas severas para o patrão assediador, que vão desde o rompimento, por sua culpa, do contrato de emprego, até a possibilidade de capitulação penal do fato.

O que falta, portanto, para a eficaz repressão ao assédio moral no trabalho é que as vítimas valham-se do seu direito de amplo acesso ao judiciário (CF-1988, artigo 5º, inciso XXXV) e levem à casa da justiça as suas mágoas, ansiedades e sofrimentos. Pois somente com punições severas os infratores se despirão deste espírito tirânico e passarão a ver os empregados como seres humanos e dignos que são.

Um patrão condenado civil ou penalmente pela prática de algum ato de assédio dificilmente voltará a atormentar seus empregados.

Cabe às vítimas solicitar a efetiva tutela jurídica de seus interesses.

Normas protetoras neste sentido nós demonstramos que existem.

Notas:

1 - extraídos do artigo "Dano Material. Dano moral e Acidente de Trabalho na Justiça do Trabalho", de autoria do Juiz Alexandre Nery de Oliveira, publicado em http://www.amatra1O.com.br/trabalhos/danactb.html .

2 - Há estudos, especialmente em países europeus, como a Suécia, que relacionam até mesmo atos de suicídio ao assédio moral no trabalho. No que tange ao Brasil, uma estatística divulgado no já classico estudo da Dra. Margarida Barreto, "Uma Jornada de Humilhações", e constante do site
www.assediomoraI.org.br demonstra que cem por cento dos homens vítimas de assédio moral já cogitaram da prática de suicídio.
Publicado em Jornal do 18º Congresso Brasileiro de Direito Coletivo e Individual do Trabalho, fls. 42/44, evento realizado em São Paulo entre os dias 25 e 26 de novembro de 2003, sob a coordenação do Dr. Amauri Mascaro Nascimento.

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