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terça-feira, 28 de abril de 2009

Os excessos do artigo 15, “caput” da nova Lei de Estágio

A Lei Federal nº 11.788, de 25 de setembro de 2.008 trouxe nova normatização para as relações jurídicas de estágio, revogando integralmente a legislação específica acerca do tema, notadamente a Lei Federal nº 6.494, de 07 de dezembro de 1.977.

A nova lei trouxe uma regulamentação moderna para os contratos de estágio, especificando as obrigações das partes envolvidas, bem como os diversos direitos dos estagiários (chamados na lei de “educandos”), sendo que muitos destes direitos não eram previstos na legislação anterior.

Neste breve artigo não desejamos esmiuçar a nova lei dos estágios, mais abordar especificamente um ponto da lei que, a nosso sentir, se for aplicado com todo o rigor da letra fria da lei, poderá gerar situação de reconhecimentos equivocados de relação de emprego em situações onde a relação é efetivamente um vínculo de estágio.

Falamos do artigo 15, “caput”, da Lei Federal nº 11.788/2008, que assim dispõe, verbis:

“Art. 15. A manutenção de estagiários em desconformidade com esta Lei caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.”

Verificamos, a princípio, que a legislação anterior nada dispunha, acerca do desvirtuamento do contrato de estágio, e sua transmudação em autêntica relação de emprego.

A jurisprudência, suprindo esta lacuna, veio a reconhecer que em diversas situações a parte concedente estava a aproveitar-se da baixa onerosidade do contrato de estágio para valer-se do labor de autênticos empregados (conforme art. 3º da CLT).

Certo é que deveras tênue se afigura a linha que separa a relação de estágio do vínculo laboral, tanto que em muitas situações presentes se encontram, nas duas modalidades contratuais, os elementos pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação, sendo que o desvirtuamento do vínculo de estágio é verificado pelo distanciamento entre os propósitos do estágio e a realidade do educando quando da prestação de serviços.

Melhor explicando, para a jurisprudência há a descaracterização do estágio quando os serviços executados não proporcionam ao educando a apropriada complementação do ensino e da aprendizagem ou, nos dizeres do artigo 1º, parágrafo 2º da lei 11.788/2008, quando não oferecem o “aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.”

O tratamento que os tribunais tem dado ao tema, a nosso ver, está apropriado, não merecendo correções.

Ocorre que, com a entrada em vigor da nova lei de estágios, pode ocorrer de ser descaracterizada a relação de estágio, ainda que a parte concedente esteja de boa-fé, e proporcionando ao educando a devida complementação de aprendizagem.

O artigo 15, “caput”, acima citado encerra um rigor deveras exacerbado, e pode proporcionar insegurança jurídica entre as entidades públicas ou privadas e mesmo entre os profissionais liberais que ofereçam estágio.

Com efeito, a norma citada determinou que toda e qualquer desconformidade da manutenção de estagiários com os preceitos da lei 11.788/2008 gera o inarredável efeito da caracterização do vínculo de emprego do educando com a parte concedente.

A nosso ver, tal rigor da lei presta um absoluto desserviço às relações educandos x partes concedentes, eis que obrigações há que, embora descumpridas, não tem o condão de desvirtuar a natureza do contrato de estágio, convertendo-o em contrato de emprego autêntico.

Pensemos sobre algumas situações práticas.

Figuremos o caso de um educando submetido a um estágio não-obrigatório, que presta seus serviços perante um escritório de advocacia, percebendo bolsa, mas não lhe sendo concedido o auxílio-transporte. Imaginemos que tal vínculo perdure por dois anos (limite máximo autorizado pela lei).

No caso sobrecitado, por não ter sido oferecido o auxílio-transporte, embora devido, se aplicarmos o rigor do artigo 15, “caput” da lei de estágio o vínculo haveria de ser concebido como autêntica relação de emprego, desde o seu princípio. Tal rigor extrapola os limites do razoável, sobretudo face à grande onerosidade que tal norma irá impor ao concedente do estágio. No caso apresentado, pela aplicação do art. 15, “caput”, seriam devidas verbas diversas por parte do concedente, tais como férias, décimos terceiros, aviso prévio etc quando, efetivamente, ele apenas deixara de pagar um benefício, qual seja o auxílio transporte (art. 13, “caput”).

Vislumbremos uma outra situação, para verificarmos o quão uma interpretação puramente literal do “caput” do artigo 15 pode ser gravosa e severa.

Suponhamos que uma empresa tenha 100 empregados. Pela aplicação do artigo 17, IV, esta empresa, enquanto parte concedente, poderá ter no máximo 20 estagiários (educandos). Mas, o que ocorreria se esta empresa mantivesse 21 estagiários, ou seja, um a mais que o máximo permitido pela lei.

Todos os contratos de estágio seriam automaticamente convertidos em vínculos empregatícios, face à manutenção de estagiários em desacordo com a lei?

Esta não parece ser uma solução que atenda ao bom-senso e à razoabilidade.

Citamos apenas duas situações, mas poderíamos mencionar diversos outros casos, em que se poderia aferir os excessos da lei.

O que desejamos deixar claro, neste singelo e breve estudo, é que o “caput” do artigo 15 encerra regra deveras rigorosa, passível de gerar situações de injustiça e de excessiva onerosidade a partes concedentes que venham a descumprir alguma exigência legal, ainda que de pequena monta.

Entendemos que o desvirtuamento da relação de estágio pode sim ocorrer, sob diversas formas, entretanto, a caracterização do mesmo deve sempre ser apurada a partir do distanciamento da prestação dos serviços, pelo educando, dos propósitos da relação de estágio. Em outras palavras, quanto mais distante estiver o estágio de sua função precípua que é assegurar o “aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho” (Lei nº 11.788/2008, art. 1º, § 2º), mais próximos estaremos de uma autêntica relação de emprego.

Observa-se, pois, que a norma do artigo 15 é inspirada por um rigor que, a nosso modesto ver, transcende a razoabilidade e proporcionalidade, podendo, sob o falso argumento de proteger o estagiário, gerar insegurança jurídica para a parte concedente, ainda que esta esteja agindo de absoluta boa-fé. A nosso sentir, bastaria a regra do artigo 3º, § 2º, para que o contrato de estágio restasse protegido quanto a eventual desvirtuamento, sendo desnecessária a regra do artigo 15, “caput”.

Caberá à jurisprudência e à boa doutrina delimitar a aplicação da referida norma, balizando seu rigor, proporcionando o atingimento de seu objetivo mor, que é proteger os educandos.
Publicado no Jornal do 49º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho, evento realizado em São Paulo/SP em junho de 2.009.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Protógenes, herói ou vilão?

Há um ano atrás o delegado federal Protógenes Queiroz não passava de um ilustre desconhecido. Era apenas mais um delegado a despender seus valorosos esforços na investigação dos normalmente complexos delitos federais. Bastou a conclusão do inquérito policial por ele presidido e que culminou na mega-Operação Satiagraha e na prisão do poderoso banqueiro Daniel Dantas (posteriormente solto em virtude de decisão do STF) para que o delegado ascendesse ao estrelato na mídia política e policial, e figurasse como o pivô de um debate que confronta instituições e procedimentos.

Daniel Dantas ficou preso pouco tempo, mas a atuação do delegado federal citado até hoje repercute, sobretudo face aos métodos adotados, para se concluir de forma exitosa a investigação policial. A suspeita do “grampo” do telefone do presidente do STF Gilmar Mendes foi a gota d´água para levantar-se o debate sobre os limites e a legitimidade, de suas ações investigativas. Não foi provada a participação do delegado, bem como o suposto auxílio da ABIN, no caso do grampo do telefone do ministro e presidente da mais alta Corte do país, mas é certo que o mesmo ocorreu e serviu para o delegado ganhar um poderoso inimigo, chamado Gilmar Mendes.

Há suspeitas de excessos e abusos, na condução do inquérito, relativas sobretudo à utilização ilegal de escutas telefônicas, entretanto, ao que parece nada foi ainda concretamente provado.

Conquanto pairem tais dúvidas sobre a legalidade da investigação não há como não elogiar o espírito destemido e combativo do Dr. Protógenes que enfrentou de frente Daniel Dantas, um influente banqueiro, suspeito de ações financeiras ilegais, colocando-o atrás das grades duas vezes. A prisão do banqueiro, por alguns instantes nos fez acreditar que a impunidade imoral dos poderosos poderia dar lugar à realização da justiça.

Provavelmente a verdade não virá à tona, e não saberemos se Protógenes foi um ardoroso e honesto combatente da corrupção, ou se foi apenas um egocêntrico policial que queria notabilizar-se por ter colocado atrás das grades um controvertido personagem do sistema financeiro, utilizando de métodos ilegais para tanto.

De qualquer forma, imagino que seu destino já esteja escrito. Tudo indica que será processado disciplinarmente, no âmbito da Polícia Federal, e será demitido. Para os que creem nos seus excessos e abusos, ter-se-á feito a justiça. Para os que acreditam na sua honestidade, ter-se-á feito um mártir.


Publicado no Jornal Correio de Uberlândia, edição de 13.04.2009.