Páginas

terça-feira, 1 de julho de 2008

O acidente do trabalho e a questão da cumulatividade das indenizações por dano moral e estético decorrentes de um mesmo fato


Introdução:

O fundamento normativo da responsabili­dade civil (dever de indenizar) está hoje alicerça­do em dois importantes dispositivos legais; um, de natureza constitucional, qual seja o artigo 5º, inciso V, da Lei Maior, e outro, de natureza infra­constitucional, correspondente ao artigo 186 do Novo Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002).

Em ambos os citados preceitos normativos há referência expressa à indenizabilidade dos da­nos de natureza exclusivamente moral estando, portanto, ultrapassados quaisquer debates acer­ca da possibilidade jurídica de o lesado ver-se res­sarcido, ainda que tenha sofrido lesões em inte­resses de natureza não patrimonial.

Questão atual e controversa, no entanto, é a relativa à admissibilidade de condenação do em­pregador, em caso de acidente do trabalho, ao pagamento de indenização por dano moral e por dano estético, decorrentes do mesmo fato.

Seria cabível, em caso de acidente do traba­lho de que tenham resultado lesões de natureza estética, a cumulação dos pedidos de indenização por dano moral e de indenização por dano estéti­co?

Responder a esta indagação é o que objeti­vamos com este breve estudo.

Classificação jurídica dos danos na doutri­na da responsabilidade civil:


A indenização por danos materiais presta­-se ao ressarcimento dos prejuízos e despesas de ordem econômica, ou seja, que podem ser apreci­ados e dimensionados pecuniariamente. As des­pesas médico-hospitalares e a redução de capaci­dade laborativa são os exemplos de danos de na­tureza material mais comuns quando se fala des­te fato pertencente ao campo da infortunística que é o acidente do trabalho.

De seu turno, a indenização pelo dano mo­ral não tem esta natureza ressarcitória, na medi­da em que não corresponde a uma quantia em dinheiro que será destinada ao acidentado para reparar-lhe um dano em interesse de natureza não patrimonial. Em outras palavras, com a indeniza­ção por danos morais não está a se pagar a dor sofrida pela vítima do acidente do trabalho, nem o sofrimento que, eventualmente, este fato tenha trazido para os seus familiares, no caso de sua morte. Os interesses lesados que justificam e au­torizam a condenação do empregador ao paga­mento de indenização por danos morais não têm natureza patrimonial. A indenização por danos morais destina-se, antes, a proporcionar no espí­rito da vítima uma satisfação que reduza o sofri­mento decorrente do fato (acidente do trabalho) que a afligiu.

A partir desta singela exposição podemos estabelecer uma classificação dicotômica acerca dos danos e interesses indenizáveis: 1) quando os interesses lesados forem de natureza patrimonial estaremos frente a um dano material; 2) quando os interesse lesados forem de natureza não patri­monial estaremos diante de um dano moral.

Mas, onde ficam os danos estéticos nesta classificação? São eles danos morais? São danos materiais? Correspondem a um tertio genus?

A última hipótese há de ser desconsiderada de plano, pois os danos estéticos não correspon­dem a uma terceira classe de danos. A única clas­sificação admissível, quando se procura enqua­drar os danos indenizáveis, é aquela dicotômica que já apresentamos. Ou seja, o dano, a ser inde­nizado, ou é material, ou moral, segundo a pre­sença, ou não, de lesões de natureza patrimonial, decorrentes de determinado fato jurídico, no caso, estamos falando do acidente do trabalho.

Maiores elucidações neste sentido serão apresentadas no próximo tópico.


O dano estético. Definição e caracterização.

Segundo o escólio de Maria Helena Diniz,"dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as de­formidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qual­quer aspecto um afeiamento da vítima, consistin­do numa simples lesão desgostante ou num per­manente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não in­fluencia sobre sua capacidade laborativa"1.

O acidente do trabalho pode ou não resul­tar em alteração morfológica do trabalhador víti­ma do infortúnio. Ocorrendo tal alteração morfológica, sendo ou não sendo ela ostensiva, estamos diante de um dano de natureza estética.

A definição da renomada civilista paulista­na aborda o dano estético sob o prisma das lesões que determinado fato deixa na beleza física hu­mana. O que interessa, para o jurista, não é o dano estético em si, enquanto evento do mundo dos fatos, mas sim as conseqüências e repercussões jurídicas dele decorrentes, in casu, o dever de in­denizar.

O dano estético, de regra, resulta em gran­de sofrimento para a vítima, especialmente quan­do a beleza física é para a mesma bem de grande valor. Não é incomum, também, a identificação de perdas de natureza material, como as referen­tes a tratamentos clínicos posteriores e à redução da capacidade para o trabalho da pessoa, mormen­te quando o dano estético se manifesta por muti­lações e/ ou perda da capacidade funcional de determinado órgão ou parte do corpo.

A ação civil de natureza indenizatória que tenha como fundamento jurídico um acidente do trabalho de que tenha resultado lesão de caráter estético pode pleitear a indenização por danos morais e por danos materiais, de forma cumulada ou isolada. Eventual pedido de indenização es­pecífica, e à parte, referente exclusivamente aos danos estéticos não há de ser deferido, eis que as conseqüências das lesões estéticas já constituirão fundamento tanto para o pedido de indenização por danos materiais, caso da lesão estética resul­tem gastos com cirurgias plásticas e demais gas­tos hospitalares, ou ainda em perda ou redução da capacidade para o labor, e também já consti­tuirão, as lesões estéticas, fundamento para o pe­dido de indenização por danos morais, referentes ao sofrimento e à dor que por toda a vida acom­panharão o trabalhador que carregará consigo as marcas do infortúnio.

Observe-se que não estamos pugnando pela não-indenizabilidade do danos estético. Acredi­tamos, apenas, que todas as conseqüências dos danos estéticos podem ser direcionadas no senti­do de fundamentar pedidos de indenização por danos materiais ou morais.

Militam em favor de nossa tese, verbi gratia, os posicionamentos judiciais abaixo, da lavra do augusto TRT da 3ª Região:

Ementa: Dano moral e dano material- "Bis in idem" - Não configuração. O dano material - que compreende os danos emergentes e os lu­cros cessantes - não se confunde com o dano moral, embora decorrentes de um mesmo ato ilí­cito. O dano estético, por sua vez, está englobado pelo dano moral, já que se trata de um só bem jurídico atingido: a integridade e a dignidade humana, ambos direitos da personalidade. Não se configura, portanto, "bis in idem" o deferimen­to de indenização por danos materiais e repara­ção de danos morais, já que são institutos distin­tos, embora gerados por um mesmo ato. De igual modo, não mais persiste a idéia de que não se pode cumular o pedido de ambos na mesma ação. (TRT 3ªR.-1T -RO/6078/01 - Rel.Juiz Jos Marlon de Freitas - DJMG 20.7.01 P.07).

Ementa: indenização por danos. Prejuízo extrapatrimonial. Há dois gêneros de danos: os materiais, economicamente apreciáveis; e os não­materiais, ou morais, impassíveis de apuração econômica, mas também indenizáveis. O dano moral compreende todo prejuízo de ordem ex­trapatrimonial, isto aquele que ocorre no plano ide'al, e que não pode ser aferido de forma rigorosa, po­dendo atingir a honra, a imagem, a psique, o equi­ líbrio íntimo, a integridade física da pessoa, etc. Assim, tanto o prejuízo estético como as dores fí­sicas e interiores sofridas pela vítima represen­tam danos morais, conjuntamente indenizáveis. (TRT 3ª R 6T RO/14139/02 Red. Juiz Ricardo Antônio Mohallem DJMG 19.12.02 p.30).

Ementa: Dano estético - Indenização por dano moral - O conceito de dano moral é bem mais amplo do que" ofensa à honra". Caracteriza o dano moral quando atingido qualquer bem ju­rídico insuscetível de avaliação econômica ou pe­cuniária, o que leva a questão para o campo dos direitos de personalidade, sejam os direitos à in­tegridade física, sejam os direitos à integridade moral. Assim, devida a indenização pelo dano estético sofrido em decorrência de acidente de tra­balho. (TRT 3!! R.- 5T - RO/21016/98 - ReI. Juíza. Taísa Maria Macena de Lima - DJMG 14.8.99 - p. 18).


Não é incomum, entretanto, encontrarmos julgados onde há a admissão das indenizações cumuladas por danos morais e estéticos 2. Os ma­ gistrados que assim pensam admitem tal situa­ção porque, na concessão da indenização, sepa­ram os fatos que podem fundamentar a indeniza­ção por danos morais (a dor do acidente, o sófri­mento) e os que podem fundamentar a indeniza­ção pelo dano estético (lesão à integridade e à harmonia física da pessoa). Segundo o nosso mo­desto pensar todas estas conseqüências do fato, seja a dor, seja a desarmonia física decorrente do dano estético, como resultam em lesões de inte­resse de natureza não patrimonial, merecem uma indenização única, a título de dano moral, tão somente.

Conclusões:

Qualquer fato jurídico que gere a incidên­cia das normas de responsabilidade civil dará ao lesado (vítima), o direito à indenização por da­nos morais e materiais, cumulados ou isolados.

O dano estético é um fato de acendrada im­portância jurídica e capaz de autorizar a vítima a pleitear em juízo a indenização correspondente, a qual há de circunscrever-se às duas modalidades possíveis de indenização, a por danos morais, ou a por danos materiais.

O sofrimento, a dor, a angústia resultantes do dano estético justificam o pleito de uma inde­nização por danos morais, na medida em que esta modalidade de indenização repara os padecimen­tos resultantes da privação de um bem sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridica­mente, no caso a beleza e a integridade físicas.

Se, ainda como resultado do dano estético, puder ser identificado prejuízos de ordem econô­mica, como é o caso de o acidentado ter sua capa­cidade laborativa reduzida, há fundamento para o pedido de indenização por danos materiais.

A condenação ao pagamento cumulado de indenização por danos morais é estético, enten­demos, é uma afronta à lógica jurídica e se consti­tui em bis in idem vedado pela ciência jurídica.


Bibliografia referendada:

DINIZ, Maria Helena. "Curso de Direito Civil Bra­sileiro", 7º volume, Responsabilidade Civil. 15ª ed. rev. atual. 2001. Editora Saraiva. São Paulo.

1 - "Obra referenciada", p. 73.

2 - Julgado do TRT da 3" Região: Ementa: Dano moral e dano estético. Cumulação. Admite-se a cumulação do dano moral e estético, ainda que derivados do mesmo fato, quando possuem fundamentos distin­tos. O dano moral compensável pela dor e constrangimento impostos ao autor e o dano estético pela anomalia que a vítima passou a osten­tar. O dano estético afeta" a integridade pessoal do ser humano, em geral, e em particular a harmonia fisica, concebidas como materiali­zação de um direito humano garantido no nivel constitucional". Ele poderá ser o resultado de uma ferida que gera cicatriz, da amputação de um membro, falange, orelha, nariz, olho ou outro elemento da ana­tomia humana. Quando se constata que um semelhante possui algu­ma parte do corpo alterada em relação à imagem que tinha formado o observador, o fato causa impacto a quem a percebe através de seus sentidos. inegável que esse dano estético provoca também impacto so­bre a percepção da própria vítima, afetada com a diminuição da har­monia corporal. O que se visa proteger não a beleza, valor relativo na vida cotidiana, mas garantir as circunstâncias de regularidade, habi­tualidade ou normalidade do aspecto de uma pessoa; busca-se reparar que o ser humano, vítima da cicatriz, se veja como alguém diferente ou inferior, ante a curiosidade natural dos outros, na sua vida de rela­ção. A reparação não resulta, portanto, do fato de a cicatriz ser repul­siva, embora essa circunstância possa aumentar o quantum ressarci­tório, tampouco de ser sanada mediante uma cirurgia plástica, fato que poderá atenuar o valor da indenização (Grandov, Balldomero e Bascary Miguel Carril/o. eicatrices. Dano estetico y Derecho a Ia integridad fisica. Rosario: Editorial FAZ, 2000, p. 34 e 40). Aliás, o STJ já se pronunciou nesse sentido por meio de suas turmas nos se­guintes acórdãos: 2" T / AGA 276023/ RJ / Relatar Min. Paulo Gallotti / Fonte: DJ / DATA: 28.8.00 /pg: 00068/RSTJ/vol..:00138 pg: 00172; 3" T / REsp n. 254445/ PR / Relator Min. Nancy Andrighi / Fonte: DJ Data: 23.6.03 / pg: 00351; e 4" T / REsp n. 347.978 / RJ / Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar / Fonte: DJ Data: 10.6.02, pg.: 00217. Se O valor fixado pelo juiz considerou os dois aspectos, o dano estético já foi objeto de ressarcimento.(TRT 3ª R, 2ª Turma, 01771-2002-032­03-00-2, RO ReI. Juíza Alice Monteiro de Barros, DJMG 30.7.03 p.l0).
Publicado em Jornal do 4º Congresso Brasileiro de Segurança e Saúde no Trabalho, fls. 37/39, evento realizado em São Paulo entre os dias 24 e 25 de novembro de 2003, sob a coordenação do Dr.Leonídeo F. Ribeiro Filho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Poste aqui seu comentário.