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sexta-feira, 2 de outubro de 2020

A vaga no STF

 A sucessão dos ministros do Supremo Tribunal Federal sempre toma conta dos noticiários jurídicos e mesmo na mídia comum na época de sua ocorrência.

O ministro Celso de Mello, decano da corte, se aposentará em meados de outubro, antecipando-se à aposentadoria compulsória e seguindo a linha um tanto quanto repetitiva e pouco original de outros debates sobre o tema assistimos pulular teses sobre os prós e contras deste ou daquele nome, sobre as imperfeições do método de escolha dos novos ministros, sobre as ideologias e bandeiras que deverá ostentar o escolhido etc.

Pondo termo a alguns debates sobre o assunto o presidente Bolsonaro indicou o desembargador federal Kassio Nunes ao STF. Oriundo da advocacia e erigido ao TRF-1 pelo quinto constitucional o nome de Nunes foi recebido com alguma surpresa nos meios jurídico e político.

Mas não objetivamos falar sobre o eleito, ao qual desejamos sorte.

Embora seja mais fácil escrever sobre o presidente em tom de crítica, dada a suas ações quase irracionais, temos que no caso das polêmicas atinentes ao provimento das vagas no STF o presidente há de ser respeitado em suas escolhas, ainda que algum aspecto ideológico tenha sido levado em conta na conduta profissional do indicado.

Pessoas tem opiniões jurídicas e políticas e se a forma de pensar do indicado amolda-se ao que preconiza o presidente é direito seu sugerir o nome. Conservador ou progressista, evangélico, católico, de outra religião ou mesmo sem religião, o fato é que o escolhido tem seus sentimentos e ao se ver investido da competência judicante na mais alta corte da nação não abandonará sua ideologia, suas vivências e seus princípios, os quais o influenciarão na árdua tarefa de interpretar a Constituição.

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Bolsonaro e o meio ambiente

 A Constituição Federal de 1.988 é muito clara ao estabelecer em seu artigo 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

O texto normativo cria um direito para as gerações atuais, que se valem dos recursos do ambiente, bem como para as gerações futuras, que deverão receber o meio ambiente em condições de assegurar a qualidade de vida.

É notória a má vontade do Sr. Jair Bolsonaro com os temas ambientais e não tenhamos dúvidas de que, se pudesse, o folclórico presidente proporia a revogação do indispensável artigo 225.

Porém mesmo neste cenário jurídico em que existe uma normatização constitucional explícita no sentido de se exigir do Poder Público e da coletividade a defesa e preservação do meio ambiente o atual presidente tem adotado, em discursos e ações, postura que tem contribuído para a deterioração de grandes biomas, com destaque para o Pantanal e a Amazônia que sofrem com queimadas e, esta última, com desmatamento crescente.

O Sr. Bolsonaro adota, diante de situações cientificamente aferíveis, um discurso negacionista, afirmando que os incêndios e o desmatamento sempre existiram. Se esquece o chefe do Executivo que sob seu governo houve intenso agravamento tanto na quantidade de focos de incêndio, como de extensão de áreas desmatadas.

Mesmo neste cenário de degradação intensa e vultosa de biomas tão relevantes o presidente Bolsonaro reduz para o ano de 2021 os orçamentos de Ibama e ICMBio. Os dois órgãos citados, mesmo antes da redução de seus orçamentos, gastavam anualmente menos de um terço do despendido com a manutenção do nosso majestoso Congresso Nacional.

Exigir do presidente que sejam zerados o desmatamento e os focos de incêndio foge à lógica, pois há desmatamento legalizado e incêndios decorrentes de causas naturais. O impacto destas ações e fatos naturais sobre o meio ambiente são, por óbvio, infinitas vezes menos danosos que a omissão perniciosa do governo em se empenhar em um controle rígido do desmatamento e no combate aos incêndios e punição aos criminosos que os provocam.

Recentemente o Ministro Salles colocou em prática a providência, exposta naquela reunião ministerial insana ocorrida em abril deste ano, de aproveitar a atenção com a pandemia e revogar medidas protetivas ao ambiente. O destemido ministro Salles, certamente um orgulho para Bolsonaro, revogou duas resoluções do Conama sobre proteção de manguezais e restingas, sendo a vigência destas normas restabelecida pelo Judiciário, com fundamento no art. 225 da Constituição.

Diante desta mentalidade retrógrada do presidente e de seu discurso negacionista temos a sociedade civil organizada a fiscalizar as ações e omissões deletérias ao ambiente e o Judiciário a trazer o Executivo à realidade de se dever cumprir a Constituição Federal. Isto porém não bastará e teremos  retrocessos graves na proteção ambiental, infelizmente!

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Militarização da administração pública

Os chefes do Poder Executivo, em qualquer de seus níveis, do municipal ao federal, dispõem de ampla liberdade para escolher as pessoas que ocuparão os cargos em comissão, que na letra da Constituição Federal de 1.988 são aqueles criados por lei, de livre nomeação e exoneração, e que se destinam exclusivamente às funções de direção, chefia e assessoramento.

A qualificação e a aptidão técnicas para o adequado desempenho das atribuições do cargo são aferidas pela autoridade política nomeante, de quem se espera ponderar se o nomeado detém os conhecimentos mínimos para um exercício dos poderes e competências que a ele serão delegados.

No Brasil a militarização da administração pública não é fenômeno novo, nem atual. Inúmeros militares ocuparam o cargo de presidente da República e não estamos nos referindo apenas ao período da Ditadura quando, entre 1964 e 1985, cinco oficiais generais ditaram os rumos políticos da nação. Lembremos que nosso primeiro presidente foi um Marechal (Deodoro da Fonseca) e um General, o Sr. Eurico Gaspar Dutra, fora eleito democraticamente em 1945. Completa nosso quadro de exemplos nosso atual presidente, que é capitão reformado do Exército Brasileiro.

A ocupação do cargo máximo do Estado por um militar é absolutamente legítima dentro do regime constitucional, desde que obviamente seja eleito democraticamente.

O que nos causa algum temor é a ocupação, de cargos de perfil técnico, por oriundos da carreira militar, quando não ostentar o nomeado a qualificação exigível para a função.

No atual governo federal assiste-se a uma militarização de postos relevantes de primeiro e segundo escalão tendo o presidente, no seu direito constitucional de assim proceder, nomeado generais para diversos ministérios.

A questão que se coloca é se certas áreas, por demandar apurados conhecimentos técnicos, podem ser presididas por oriundos da caserna. Como o leitor já deve imaginar, falamos, exemplificativamente, do Ministério da Saúde, que desde a saída de Nelson Teich é comandado por um general leigo em assuntos de saúde, ao que se somam inúmeras nomeações de militares para cargos de relevo no Ministério da Saúde.

Não está escrito em lugar algum da Constituição Federal que para ser ministro da Saúde tenha de ser médico, porém é inquestionável que um médico é o profissional mais habilitado para deliberar sobre assuntos técnicos pertinentes a medicina, especialmente em um momento em que leigos estão se julgando no direito de recomendar o uso de certas medicações para o tratamento da doença provocada pelo Covid-19.

A isto se soma a necessidade de decisões rápidas em um cenário de enfrentamento a uma pandemia que assola o país e o poder de deliberação se encontra nas mãos de um leigo.

Prover ou não cargos do alto escalão com militares é prerrogativa do presidente. Cabe debater se eventual ausência da aptidão técnica para conduzir assuntos de relevo não poderá resultar em prejuízos à atividade administrativa.

Características intrínsecas ao meio militar como a disciplina, o respeito à hierarquia e à organização são úteis e louváveis em qualquer âmbito da administração pública porém, na nossa modesta opinião, o conhecimento técnico é item a ser sempre considerado e valorado, mesmo quando do provimento de um cargo comissionado.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Suprema Interferência


No dia 29/04/2020 o meio jurídico e político foi revolvido pela decisão proferida pelo Ministro do STF Alexandre de Moraes o qual, ao julgar pedido de liminar feito no bojo do Mandado de Segurança nº 37097/DF, impetrado pelo PDT, suspendeu a eficácia do decreto federal que nomeada o Delegado Alexandre Ramagem para o cargo de diretor da Polícia Federal.

A decisão foi mais um capítulo de uma novela mexicana que começara no dia 24/04/2020 quando pela manhã o Sr. Moro pediu demissão e pela tarde tivemos Bolsonaro em um desordenado discurso tentando “restabelecer a verdade”.

Contratempos desta natureza são comuns e até esperados no governo Bolsonaro, porém ao deferir a liminar pleiteada pelo PDT no mandado de segurança acima mencionado entendemos que tolheu perigosamente o STF, na pessoa do Sr. Alexandre de Morais, legítima competência do presidente da República.

Quem destinar uns vinte minutos a ler as quinze laudas da decisão interlocutória proferida no MS nº 37094/DF verificará inicialmente um longo curso sobre os princípios constitucionais da administração pública, com enfoque na moralidade e na impessoalidade. Mais adiante, citando reportagens televisivas e menções a prints de whatsapp feito por Moro e entregues à Rede Globo conclui o Min. Moraes por ver patente imoralidade e desvio de finalidade na nomeação de Ramagem, suspendendo a eficácia do ato.

Anulação ou suspensão de efeitos de atos administrativos pelo Judiciário é tema de grande debate no meio jurídico. Atendando à lei o ato há de ser anulado e quanto a isso não há maiores questões. Mas ao invocar princípios constitucionais com vistas a tolher competência legítima de alguma autoridade do Executivo entendemos que o tema ganha transtornos dramáticos.

É óbvio que na administração pública todos os atos, dos mais banais aos mais complexos devem ser inspirados pela moralidade, pela impessoalidade e pelos demais preceitos constitucionais atinentes à atividade administrativa. Porém o que entendemos por tormentoso e crítico é o estabelecimento de um julgamento sumário de determinado ato administrativo, fulcrado em subjetividades, e se concluir por direcionamento a um propósito imoral.

Em certo momento de sua decisão, ao citar uma professora de Direito Administrativo, o Min. Moraes reporta que “não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade”. Em outras palavras, em uma análise rápida e perfunctória Moraes decodificou todos os propósitos do presidente e todo o caráter de Ramagem, o “imoral” escolhido por Bolsonaro para chefia a Política Federal.

Lembramos que a atuação de Ramagem seria acompanhada e fiscalizada pelo MPF e seria mais apropriado não colocar-se óbice, neste momento, à nomeação devendo eventual conduta inadequada ser alvo de apuração específica.

Alexandre Moraes avançou o sinal. No STF o desconforto está plantado e será minimizado com a esperada revogação da liminar, quando do julgamento do mérito.

No Brasil de hoje a relação entre os poderes padece de rusgas recorrentes e a harmonia de que fala o artigo 2º, da CF/1988 ostenta um frágil equilíbrio. Com decisões como a do Min. Moraes uma paz institucional é um sonho cada vez mais distante.

Em tempo, esta “onda moralizante” não é algo novo. A título de exemplo, em 2018 a nomeação de uma Ministra do Trabalho foi impedida por um juiz federal de Niterói pelo fato de haver sido condenada em duas ações trabalhistas.

Publicado no blog "Uberlândia Hoje", do jornalista Ivan Santos, em 06.05.2020.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Uma década difícil


O ano de 2.020 marca o fim da segunda década deste século XXI e nele vivenciamos um resumo das inúmeras crises, percalços e desilusões pelas quais passamos nestes dez últimos anos, com acentuadas crises nos âmbitos econômico e político-institucional.

Com efeito, o fato de maior relevo no início desta década foi a eleição da primeira mulher para o posto máximo do Executivo federal. Em 1/1/2011 a Sra. Dilma Rousseff assumia o posto máximo da nação, ao se tornar a primeira mulher presidente do Brasil.

Dilma teve um governo tumultuado, em que não conseguiu dialogar com o parlamento e nem manter o nível de progresso econômico vivenciado pelo seu antecessor Lula.

Dilma vivenciou momentos críticos em sua primeira gestão, notadamente no ano de 2.013, onde milhões foram às ruas, em um levante popular sem precedentes no Brasil, mas que não atingiu resultado prático algum, sobretudo por não ter um pleito concreto e preciso a ser almejado.

Em 2014 o Brasil recebe a Copa do Mundo sob fortes críticas, outrora inimagináveis no país do futebol, críticas estas dirigidas sobretudo aos gastos imorais com o evento e aos rumores (muitos deles confirmados) de existência de esquemas de corrupção na questionável instituição Fifa.

Em 2014 o Brasil assistiu ao início da Operação Lava Jato, que identificou alguns dos maiores esquemas de corrupção no âmbito federal, levando à cadeia lideranças políticas e empresariais de relevo, com destaques para o ex-presidente Lula, que ficou mais de um ano preso na sede da Polícia Federal em Curitiba. A Lava Jato tem o mérito de haver identificado grandioso esquema de corrupção, mas pesam sobre a operação críticas severas, sobretudo a algumas condutas do Dr. Moro que propiciou vazamentos estratégicos de áudios e documentos e tinha uma proximidade suspeitíssima com os membros do MPF que trabalhavam na operação.

Ao final de 2014 Dilma vence em eleição apertada o Sr. Aécio Neves, assegurando ao PT o quarto mandato consecutivo à frente da presidência da República. Sem suporte político adequado e apresentado um governo sem rumo definido Dilma sofre processo de impeachment em 2016, sendo sucedida pelo vice Michel Temer.

Temer tem um governo curto e sem grandes progressos, não tendo conseguido aprovar a Reforma da Previdência, necessária segundo ele para a retomada do desenvolvimento. Sobre este mandatário pairavam igualmente suspeitas de corrupção, tendo sido preso preventivamente em 2019.

Em 2018, em um processo eleitoral marcado pelo esgotamento da esquerda e da direita tradicionais, assistimos à ascensão de Jair Bolsonaro ao poder máximo do executivo nacional, com a bandeira do combate à corrupção.

Chega o ano de 2020 e vivenciamos um governo instável, que não encontra um rumo e um vírus originado na China coloca todo o planeta em uma onda de temor e de incertezas.

Creio seja radical nominarmos de perdida alguma década, mas as sucessivas crises e instabilidades vivenciadas pelo Brasil nos âmbitos político, social e econômicos cooperam para tolher o progresso sustentável do Brasil. A primeira década deste século foi promissora, dado o grande desenvolvimento econômico vivenciado, sobretudo na segunda metade da década.

A seu turno, no período 2011-2020 o Brasil não se encontrou em termos políticos e econômicos, e assistimos ao findar da década com séria preocupação sobre a continuidade do governo Bolsonaro e com os reflexos, em nossas vidas e na economia, da pandemia do Covid-19.

Mas, apesar de tudo, permaneçamos com otimismo, afinal somos brasileiros.

Publicado no blog "Uberlândia Hoje", do jornalista Ivan Santos, em 29.04.2020.