Páginas

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Legado da Copa


Por um instante imaginei que a vinda da Copa do Mundo para o Brasil em 2014 seria algo muito bom para nosso país.

Diversas obras de mobilidade urbana seriam feitas nas cidades-sede, com vistas a permitir a locomoção tranquila e rápida dos visitantes, os aeroportos seriam modernizados para permitir conforto, segurança e agilidade para aqueles que recorrem ao transporte aéreo, os estádios seriam reformados ou construídos com recursos privados, advindos de empresas que após o evento explorariam financeiramente as arenas construídas.

Seria a oportunidade de o Brasil mostrar ao mundo sua eficiência, entregando antes do prazo os estádios e as demais obras previstas, demonstrando às nações que nos observam que atrasos na conclusão de obras eram coisa do passado em nosso país.

Mas os anos foram se passando, a Copa vem se aproximando, e somos convidados a um duro choque de realidade e a cada notícia sobre tudo o que cerca o mundial percebemos que o grande legado que este evento deixará serão dívidas bilionárias a serem suportadas pelo já carcomido contribuinte brasileiro e, mais do que isso, a certeza do quanto precisamos evoluir para aprender a conduzir com rigor e seriedade a edificação de obras públicas.

Das 12 arenas construídas ou reformadas, pelo menos 3 delas (Cuiabá, Manaus e Brasília) estão em cidades de futebol quase inexistente, e ao que tudo indica se tornarão belos “elefantes brancos” após a Copa. O estádio da capital paulista contou com isenções tributárias milionárias e o grande Maracanã, que custou quase 1 bilhão de reais aos cofres públicos, agora concedido lucrará para a cidade do Rio menos de 15% deste valor ao longo de trinta anos. Para piorar a situação, estima-se que os gastos brasileiros com estádios superam o que se gastou com as arenas das duas últimas copas juntas.

As obras de mobilidade se arrastam e muitas delas sequer sairão do papel até o mundial. Estima-se que setenta e cinco por cento das obras de mobilidade urbana projetadas para estarem em funcionamento na Copa ou estão atrasadas, ou foram simplesmente descartadas. Os poucos aeroportos que estão em obras as terão concluídas muito depois do mundial.

Mas a Copa trará milhares de turistas para o Brasil, os quais deixarão muito dinheiro aqui? Mais uma falácia irritante. O Brasil tem tanta beleza natural e riqueza cultural que não precisamos de um evento de bilhões de reais para atrair turistas. Bastaria que o Ministério responsável atuasse de modo competente e sério que nosso país se tornaria uma potência do turismo, tudo isto com gastos dezenas de vezes menores que os despendidos para a Copa.

É de se lamentar que num país onde ainda milhões de pessoas sequer dispõem de água tratada e coleta de esgoto e onde outros milhões não tem uma moradia digna, gastemos bilhões em dinheiro público para a realização de um evento como a Copa. Bem gastos, este montante de recurso melhoraria a vida de muitos brasileiros, mas a realidade é que nosso dinheiro foi utilizado para enriquecer, ainda que indiretamente, a poderosa Fifa e seus patrocinadores.

Estima-se que a população da cidade canadense de Montreal ficou por trinta anos pagando os custos da Olimpíada de 76. Por quanto tempo pagaremos o descalabro do uso do dinheiro público desta Copa no Brasil?