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terça-feira, 27 de setembro de 2016

Vereança responsável

O eleitorado brasileiro irá às urnas no próximo dia 02 de outubro para eleger um contingente gigantesco de quase cinquenta e oito mil vereadores, que ocuparão as Câmaras Municipais no período de 2017 a 2020.

O cargo de vereador tem como atribuições precípuas realizar a fiscalização das ações do Poder Executivo Municipal, fazer a propositura de projetos de leis municipais e participar dos debates e votações atinentes ao processo legislativo, atentando-se à competência legislativa municipal e respeitando-se os temas de iniciativa privativa do prefeito e, sobretudo, dar voz aos reclamos da população, que tem neles a liderança política mais próxima e mais acessível.

Embora em seu desenho constitucional o cargo de vereador seja de relevância inquestionável para o adequado e ponderado exercício do poder político no âmbito municipal verificamos que a atividade dos nobres edis tem sofrido com um absoluto e generalizado descrédito por parte do eleitorado, que hoje não se vê adequadamente representado nos ocupantes das Câmaras Municipais, nem tributa grande utilidade aos mesmos.

Com efeito, esta imagem negativa que vereadores tem amealhado decorre sobretudo do distanciamento do vereador de suas atribuições constitucionais, ao que se soma o famigerado fisiologismo partidário, hoje presente em todos os recantos da política brasileira, onde interesses pessoais e trocas de favores orientam as ações do parlamentar municipal. A movimentação de muitos dos vereadores oscilando entre oposição e situação em boa parte das vezes não se dá por razões ideológicas, sendo orientada por interesses mesquinhos, nos quais a defesa dos interesses dos concidadãos é superada pelo desejo de perpetuar-se na política e de amealhar poder e influência.

O vereador, ainda que tenha proximidade com o Executivo, por razões partidárias, não deve afastar-se de sua obrigação de fiscalizar a administração municipal, apontando irregularidades e identificando responsabilidades. Em verdade, percebe-se que o vereador “da situação” muita das vezes milita cegamente em defesa dos interesses do Executivo, quando deveria ostentar uma postura de isenção, de modo a poder criticar e cobrar o Executivo, nas situações em que este falhasse na adequada consecução dos serviços públicos ou quando fossem cometidas ilegalidades de distintos matizes.

A proposta mais séria e valiosa que o candidato a ocupar a Câmara Municipal pode fazer ao seu eleitorado é a de executar fielmente suas atribuições constitucionais, sobretudo as pertinentes à fiscalização das atividades do Executivo. O grande vereador é o que se reveste de independência moral, de modo a militar exclusivamente em defesa do interesse público.

Em suma, o bom candidato à Câmara deve comprometer-se em exercer uma vereança responsável, concebida esta como uma postura isenta, proba e sobretudo comprometida com o interesse público, em detrimento de qualquer outro interesse pessoal ou partidário.

As Câmaras Municipais são hoje instituições muito onerosas para o contribuinte, podendo custar até sete por cento das receitas do município. Comprometimento e seriedade no desempenho da vereança são virtudes que devemos exigir de nossos futuros edis.

Publicado na edição de 29/09/2016 do Jornal Correio de Uberlândia/MG.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Eleições 2016

Dentre de aproximadamente dois meses mais de cento e vinte milhões de eleitores vão às urnas para a escolha dos prefeitos que administrarão as mais de cinco mil e quinhentas cidades brasileiras pelos próximos quatro anos.

O pleito municipal transcorrerá em um ambiente de acentuada crise político-institucional, associada a uma grave crise econômica, que tem repercutido pesadamente na arrecadação de tributos dificultando sobremaneira gestão da máquina pública e a prestação qualificada de serviços públicos essenciais, sobretudo nas áreas de educação e de saúde.

O panorama econômico de recessão em que se encontra o Brasil já há alguns anos impõe aos eleitores a necessidade de escolha de bons gestores e de projetos de governo sérios e factíveis pois, ainda que no vindouro ano de 2.017 a economia brasileira possa retornar um crescimento ainda que tímido, é fato que os vencedores das próximas eleições terão desafios gigantescos para administrar os municípios com recursos limitados.

Considerando que um processo de recuperação econômica é lento e gradual, é possível que todo o período do mandado dos novos prefeitos seja marcado por baixa arrecadação de tributos, de modo que o candidato que não se comprometer com uma gestão séria e austera estará mentindo e ludibriando o eleitorado.

Ao contrário do governo federal, que detém instrumentos de estímulo à atividade econômica os governos municipais não possuem mecanismos para aumentar a arrecadação em um futuro breve. Podem os prefeitos atuar para atrair empresas, por exemplo, mas esta medida leva algum tempo para repercutir nas finanças municipais. Sendo limitadas as ações pertinentes a arrecadação, cabem aos futuros alcaides a adequada gestão dos parcos recursos que terão à disposição no próximo quadriênio.

O momento pelo qual passa o Brasil em 2.016 atrai para candidatos e para eleitores novas responsabilidades. Para aqueles a obrigação de elaboração de um plano de governo que otimize o uso do dinheiro público. Para estes a obrigação de identificar e rechaçar programas puramente populistas, repletos de projetos irrealizáveis em um cenário em que o próprio pagamento da folha de pessoal de muitas cidades tem sido feito a duras penas.

Para as eleições anteriores um publicitário bom em marketing político era suficiente para assegurar um bom desempenho do candidato nas urnas. Para o pleito de outubro, se desejar ser honesto e sério, deve o candidato elaborar seu programa de governo instruído por um hábil administrador e por um austero economista. A verdade é que não estamos em um momento de sonhar com mega obras. O prefeito que mantiver a sua cidade limpa e organizada, o salário do funcionalismo em dia e os serviços de educação e saúde com o mínimo de qualidade já terá feito uma boa gestão. 

Os escândalos de corrupção trazidos à tona através da Operação Lava jato trouxeram para boa parte do eleitorado o descrédito em relação à classe política a ponto de muitos eleitores preferir não votar ou anular o voto, porém este sentimento há de ser superado, pois a responsabilidade por uma escolha séria dos próximos prefeitos é de todos nós e o eleitor que omitir-se em votar e em escolher com prudência seu candidato pagará um alto preço.

Publicado nas edições de 28/07/2016 do Jornal Correio de Uberlândia/MG e do Jornal da Manhã, de Uberaba/MG.

segunda-feira, 14 de março de 2016

A inocência, a culpa e a mídia

O Brasil pós-ditadura era uma nação formada por pessoas ávidas de direitos e de garantias do respeito a estes direitos. Após duas décadas de um estado de exceção, no período mediado entre 1964 e 1985, onde direitos fundamentais como a liberdade de imprensa, de pensamento e de expressão eram sistematicamente tolhidos, a Assembleia Nacional Constituinte logrou êxito em dotar o Brasil de um texto constitucional moderno e vigoroso, estruturado para colocar o país novamente nos caminhos da democracia.

Ainda que se critique a Constituição Federal de 1.988, sobretudo do ponto de vista da técnica adotada e da quantidade excessiva de normas supérfluas em um texto constitucional, e que poderiam constar da legislação infraconstitucional, é indubitável que o espírito que se extrai de nossa Carta Política é o da construção de um autêntico estado democrático de direito onde todos, incluindo-se o próprio estado e governantes, se submetem ao rigor da lei, e onde uma gama gigantesca de direitos fundamentais é assegurada, com os adequados instrumentos para a sua concretização e defesa.

Neste contexto, nos deparamos, no âmbito do artigo 5º da CF/1988, com a imprescindível norma da presunção de inocência a qual está inscrita no inciso LVII do mencionado artigo e é versada nos termos de que “ninguém será considerado culpado antes do trânsito de sentença penal condenatória”.

A norma que estatui o direito fundamental de todos a ter a sua inocência presumida, quaisquer que sejam as circunstâncias, sendo ainda assegurado ao cidadão o direito de se valer de todos os meios processuais para ter afastada a imputação criminal que sobre o mesmo recai.

Feita esta breve e singela digressão jurídica, passemos a apreciar como a mídia tem se portado diante da presunção de inocência, nas situações em que há suspeita do cometimento de algum delito, sobretudo quando o investigado é alguém de certa notoriedade.

Pois o cidadão que tem acompanhando, seja pela televisão, seja pelos portais de informação na internet a cobertura do, ainda em investigação, escândalo de corrupção na Petrobrás, pode perceber que a mídia tem ostentado uma postura que, intencionalmente ou não, incute no telespectador uma autêntica presunção de culpa da pessoa sobre a qual recai a investigação criminal e a cobertura jornalística. 

Dúvida não há de que a cobertura jornalística é um dever da imprensa e mesmo um direito do telespectador, porém, o enfoque há de ser mais informativo e elucidativo e mesmo passional. 

O que nos causa preocupação é o fato de que a cobertura jornalística foca pesadamente nos indícios do cometimento do delito, deixando de expor ao telespectador que nada daquilo macula a inocência do investigado, o qual terá a seu dispor os instrumentos jurídico-processuais para reafirmar a sua inocência a qual, como dito, é presumida. A concretização da responsabilidade criminal decorre de um processo complexo e exaustivo, não de meros indícios, ainda que fortes.

Poder-se-ia tergiversar, argumentando que a cobertura jornalística em momento algum se refere ao cidadão investigado como culpado deste ou daquele delito, mas sempre como investigado, denunciado, réu etc. Esta ponderação se faz necessária, porém é fato que a forma como tem sido feitas as coberturas jornalísticas, sobretudo da chamada Operação Lava Jato, levam o telespectador a crer que são criminosas todas as pessoas cujos nomes são reiteradamente citados nos telejornais, porém a mídia televisiva, escrita, ou virtual, se olvida de esclarecer que a grande maioria dos investigados sequer foi condenada em primeira instância e, os que foram, ainda têm recursos pendentes de julgamento no segundo grau de jurisdição sendo, para efeitos legais, inocentes! Em outras palavras, se gasta muito tempo esmiuçando-se as espetaculares operações policiais e os avanços da ação penal, mas pouco ou nada se proclama sobre a ainda condição de inocente dos réus.

Exemplifiquemos com algumas situações: uma condução coercitiva, como a que foi submetido o ex-presidente Lula no dia 04/03/2016 não significa o aprisionamento do mesmo, nem que foi apurado algo mais grave acerca de sua conduta ou muito menos que ele seja culpado de alguma coisa. É apenas uma medida de que dispõe o juiz criminal para compelir determinada pessoa a prestar um depoimento. Este relevante aspecto jurídico do fato praticamente não foi abordado pelos meios de comunicação que cobriram a espetacular ação da Polícia Federal.

Uma apresentação de denúncia pelo Ministério Público, por exemplo, igualmente nada atinge o estado de inocência do cidadão e mesmo quando esta denúncia é recebida e o outrora denunciado vira réu perante a Justiça, estamos muito distantes da confirmação da culpa do denunciado. A apresentação da denúncia decorre da reunião de informações e provas, pelo membro do Ministério Público, que podem evidenciar a prática de um delito, ao passo que o recebimento da denúncia nada mais é que o atestado, pelo juiz criminal, de que tecnicamente a peça é adequada, nada mais. Não obstante estas ponderações jurídicas, sempre são transmitidas com acendrado alarde a apresentação de denúncia ou a admissão da mesma (e início do processo penal), sobretudo quando a pessoa sobre a qual pesam as acusações tem certa notoriedade. A imprensa dedica horas de telejornais e páginas e páginas de jornais impressos ou de portais de notícias divulgando e debatendo as ditas apresentações e aceitações de denúncias, mas de regra pouco esclarece que 
a culpa do denunciado ainda não está presente, e que ele terá o sagrado direito constitucional do devido processo, com o contraditório e a ampla defesa, para reafirmar seu estado de inocência.

A cobertura jornalística há de ser melhor nutrida de informações jurídicas. Um profissional do direito tem conhecimento técnico para abstrair a informação correta a partir da cobertura, porém o leigo pode ser levado a erro e induzido a formar sobre a pessoa do indiciado, denunciado ou réu uma imagem de criminoso quando, para efeitos legais, ainda é o mesmo um inocente. Cabe à imprensa cobrir os fatos de modo mais adequado, de forma a se evitar que o leitor comum, sem conhecimentos jurídicos, compreenda e interprete os fatos com mais clareza a realidade.

Nos recordamos da cobertura de um caso de supostos abusos sexuais perpetrados por proprietários e funcionários de uma escola infantil de São Paulo em princípios da década de 90, o famoso Caso Escola Base, onde quem assistiu à cobertura pela imprensa restava convencido da culpa dos envolvidos mas, aprofundada a investigação, a inocência de todas as pessoas sobre as quais pairavam as investigações restou reafirmada.

Sentimos que há, na cobertura jornalística, uma clara intenção de dotar o fato de uma acentuada gravidade, pois isto se reflete em audiência. Fases incipientes do processo penal são tratadas como o atingimento da confirmação da culpa, gerando uma visão turva da realidade dos fatos.

Este modesto artigo tem o propósito único de defender que a cobertura jornalística de investigações criminais despenda um tempo informando o telespectador, ou mesmo o usuário da internet, com informações no sentido de que a pessoa sobre a qual pendem as suspeitas é inocente e assim permanecerá até que, uma vez condenada criminalmente, se transite a sentença condenatória.

Um exemplo concreto da conduta que propugnamos deve ser adotada é a que sucedeu ao, a nosso modesto ver descabido, pedido de prisão preventiva do ex-presidente Lula, onde diversos órgãos da imprensa dedicaram razoável tempo ouvindo o que juristas pensavam sobre o requerimento formulado pelo Ministério Público de São Paulo. Coberturas como esta elevam nossa cultura jurídica, permitindo interpretações mais apropriadas do curso dos fatos em um processo criminal.

Enfim, por mais fortes e consistentes que sejam as evidências do cometimento de um delito, é preferível se tratar um criminoso como um inocente, do que um inocente como um criminoso. É assim que se procede no estado democrático de direito.

O espírito da presunção de inocência há de orientar a atividade do jornalista para que tenhamos coberturas desapaixonadas, isentas e equilibradas e que transmitam ao cidadão informações autenticamente claras e verdadeiras.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Voo de galinha

O desempenho da economia brasileira pode perfeitamente ser comparado ao curto voo da ave citada no título, muito apreciada em nossa culinária mineira.

Se em 2009 éramos o país do futuro, representado na capa da importante revista britânica “The Economist” com a imagem do Cristo Redentor assumindo a forma de um foguete, com o entusiasmado título “Brasil Decolando”, hoje figuramos como um barco à deriva, marcados por uma crise política que só encontra precedentes no fatídico ano de 1992 e com uma gestão econômica e administrativa que claramente não segue a um princípio ou orientação definida, evidenciada pela troca do austero ministro Levy pelo gastador Nelson Barbosa.

Crises políticas e econômicas são comuns em quaisquer países e muitas das vezes desencadeiam desemprego, inflação e recessão. Os próprios EUA, nação economicamente mais poderosa do mundo nos últimos dois séculos, viveram uma grave crise em 2008/2009 e hoje a superaram, a ponto de se ostentar um crescimento anual de seu PIB superior aos 3%.

Mas a que poderíamos atribuir a insustentabilidade do crescimento econômico brasileiro que hoje reflete uma severa recessão. Inicialmente, precisamos reconhecer que o empresário, seja de que porte for, é no Brasil um verdadeiro guerreiro, pois precisa lutar com um Estado burocrático que recompensa a atividade empresarial com uma pesada carga tributária o que retira muito da competitividade de nossos produtos e serviços. A verdade é que o Estado há de ser reduzido, os tributos minorados e simplificados e as relações de trabalho modernizadas, para sermos competitivos.

No Brasil, em especial, a questão política assume um peso muito elevado no declínio econômico, na medida em que a disputa pelo poder com ares de luta livre afasta a credibilidade e a seriedade de nossos governantes, afugentando investidores que poderia incrementar sobremaneira nossa economia.

O “voo de galinha” de nossa economia somente será substituído por um crescimento sustentável quando forem feitas as reformas que modernizem e simplifiquem nosso estado, desonerem os custos da atuação empresarial, sobretudo a pesada folha de pagamento, e se invista consistentemente em avanços tecnológicos, de modo a que nosso parque industrial possa fazer frente a produtos importados e mesmo potencializar as exportações. Temos um agronegócio forte e um setor de commodities que muitos recursos trazem para o Brasil, mas a verdade é que não há potência econômica que se erija apenas sobre estes setores.

Por outro lado, necessário é que nossas instituições políticas se fortaleçam e que a mera disputa pelo poder se restrinja às eleições. É um absurdo hoje assistirmos ao Planalto e à Câmara, personificada no Sr. Eduardo Cunha, se digladiando violentamente, sobrestando o debate político saudável e o deslinde de inúmeros temas de relevo para a nação em tempos de grave crise. Não há investidor que anime colocar recursos em um pais tão conturbado politicamente.

A crise econômica que hoje vivenciamos será superada num futuro não muito distante, talvez em dois ou três anos, mas a pergunta que remanesce é se, após este período, teremos um crescimento econômico que se sustente ou mais uma vez passaremos por uma fase de um progresso frágil, ilusório e efêmero.

Publicado na edição de 25/01/2016 do Jornal da Manhã, de Uberaba/MG e na edição de 29/01/2016 do Jornal Correio de Uberlândia/MG.