Páginas

domingo, 29 de junho de 2008

Contributo para um melhor enquadramento científico dos princípios em direito e processo do trabalho


Apresentação:

Não se destina esta tese à análise particular de qualquer princípio de direito material do trabalho ou de processo do trabalho.

Objetivamos, antes, apresentar algumas incongruências que, freqüentemente, encontramos nos manuais destes ramos do saber jurídico, incongruências estas resultantes de um trato pouco diligente dedicado ao importante tema "princípios", o que redunda em contradições lógicas e num sub-aproveitamento destes importantes institutos da dogmática jurídica.

Constitui ainda objetivo deste breve estudo a definição e enquadramento científico das diversas modalidades de princípios que tramitam pela seara do direito material e processual do trabalho, sempre no intuito de sorver dos princípios todo o seu potencial esclarecedor, informativo e organizativo.

Os princípios: generalidades científicas:

Celso Antônio Bandeira de Mello define princípios como mandamentos nucleares de um sistema. Embora sintética, a definição do grande mestre administrativista é elucidativa, expondo a função primordial dos princípios, qual seja a de servir de comandos gerais, irradiadores de normas específicas, a serem aplicadas sobre o sistema ao qual pertencem.

Diversos princípios encontram previsão expressa na lei ou na Constituição (citem-se os princípios processuais constitucionais), entretanto, a maioria dos princípios estudados em sede de direito do trabalho e em processo do trabalho não tem previsão literal, sendo, doutrinariamente, dessumidos do sistema que regem.

São incontestáveis as vantagens e facilidades oferecidas pelos princípios ao estudo científico de determinada área do saber jurídico, ap¬recendo como regras de interpretação, como fontes do direito, orientando e informando o exegeta e os aplicadores do direito.

A trilogia que propomos: princípios materiais do trabalho, princípios processuais do trabalho e princípios procedimentais do processo do trabalho:

Os princípios materiais do trabalho, também alcunhados de princípios do direito do trabalho, destinam-se, basicamente, à proteção do empregado, incidindo na relação jurídico-empregatícia

São princípios imanentes às normas laborais, cuja observância é imperiosa e inafastável, pena de desvirtuamento de todo o arcabouço protetivo desenhado pelo Texto Magno e pela legislação infraconstitucional, notadamente pela CLT. Estes princípios viabilizam e tornam efetivo o caráter protetivo do direito do trabalho, sem o que o contrato de emprego corresponderia a um mero contrato de prestação de serviços, regido pelas frias e individualistas regras do direito comum.

América PIá Rodriguez, jurista sul-americano de renome mundial, desenvolveu profundamente o tema em testilha na sua clássica obra "Princípios de Direito do Trabalho", apresentando os princípios fundamentais de direito do trabalho, quais sejam: 1) o da proteção; 2) o da irrenunciabilidade dos direitos; 3) o da continuidade da relação de emprego; 4) o da primazia da realidade; 5) o da razoabilidade e; 6) o da boa-fé. César P. S. Machado Jr. acresce o princípio da isonomia de tratamento de trabalhadores em iguais condições, opinião à qual aderimos, em face de expressos dispositivos constitucionais (art. 7°, XXXI a XXXIII).

Ao elenco principio lógico apresentado por América PIá Rodriguez apomos críticas à menção de dois princípios: o da boa-fé e o da primazia da realidade.

A adoção do princípio da boa-fé como princípio material do trabalho é desnecessária, sendo, juridicamente, supérflua. Isto porque princípios como o da boa-fé, da justiça, da vedação ao enriquecimento ilícito são inerentes à própria natureza do direito contratual, aplicando-se a todos os contratos, independentemente de sua natureza (não existem, portanto, apenas no âmbito dos contratos de emprego). Agiu mal o mestre uruguaio quando colocou, no bojo dos princípios materiais do trabalho, um princípio geral dos contratos, eis que sua enumeração quedaria mais bem elaborada cientificamente se apresentasse unicamente os princípios reitores específicos do direito material do trabalho, e responsáveis pela sua identidade particular.

Semelhante comentário pode ser feito no que pertine ao princípio da primazia da realidade eis que, pela via judicial, toda contrariedade ao real pode ser elidida em sede de ação, valendo o documento escrito como mera presunção relativa (juris tantum). Não corresponde, portanto, o princípio a uma peculiaridade do direito laboral, mas a sua colocação entre seus princípios, embora não adequada cientificamente, justifica-se pela prática encontradiça no âmbito dos contratos de emprego, onde os escritos nem sempre correspondem ao que se verifica no mundo fático.

Se os princípios materiais do trabalho destinam-se à proteção jurídica do empregado, disciplinando a relação jurídico-material, os princípios processuais (ou princípios do processo do trabalho) disciplinam a relação jurídico-processual, decorrente de uma lide gerada no bojo de um pacto de labor ou no cumprimento das normas trabalhistas. Tem a finalidade de regular a dinâmica relação processual de seu nascedouro (citação válida) até o seu término, viabilizando a escorreita aplicação do direito e a conseqüente pacificação social.

Os princípios processuais têm seu fundamento no Texto Constitucional, em diversos de seus incisos.

Nélson Nery Jr. elaborou consistente estudo acerca dos princípios processuais, tendo desenvolvido com primor os princípios processuais decorrentes do due process que, no nosso modesto entendimento, hão de se aplicar a todas as modalidades de processo, vez que a Constituição Federal, ao disciplinar o devido processo legal, não fez exceção alguma, pelo que os princípios processuais nunca poderão ser tomados para efeito de se distinguir as espécies de processo, aplicando-se como todo o rigor em quaisquer modalidades de relação processual, sob pena de ser declarado inconstitucional o ato processual que não respeite, rigorosamente, os princípios de proces¬so ditados pela Lei Maior.

Entre referidos princípios derivados do devido processo legal incluiríamos, dentre outros, o do contraditório, o da ampla defesa, o da publicidade, o da inadmissibilidade de provas ilicitamente obtidas, da motivação das decisões judiciais, do juiz natural e do duplo grau de jurisdição. Seria inconcebível e atentatório à Constituição admitir que algum destes princípios se aplique de modo distinto segundo cada um dos ramos do processo, pelo que falar em princípios processuais do trabalho é adequado sob o prisma da didática jurídica (A), ou seja, quando se estuda o processo do trabalho cotejando-se aqueles princípios com as especificidades e peculiaridades do processo laboral, visualizando, na prática, a aplicação dos mesmos. Em resumo, os princípios processuais não têm cores civis, nem penais, nem trabalhistas, mas sim um colorido unicamente constitucional.

A verdadeira identidade do processo do trabalho é-nos dada não pelos seus princípios processuais que, a rigor, em nada se distinguem dos princípios do processo civil ou penal, mas sim pelos seus princípios procedimentais do processo do trabalho, estes sim aptos à distinção do processo laboral frente a todas as demais modalidades de processo.

Analisando-se as normas procedimentais do processo do trabalho infere-se que o legislador objetivou a criação de um procedimento rápido, sem formalidades excessivas, econômico e, sobretudo, efetivo. Referida rapidez e efetividade é buscada através da adoção de princípios tais como o da oralidade, celeridade, informalismo, economia, jus postulandi, conciliação e concentração.

Os princípios procedimentais informam o "modo de ser" de determinado rito processual dando-lhe uma feição célere ou morosa, solene ou informal, econômica ou dispendiosa, onde prevaleça a palavra escrita ou oral etc. É absolutamente correto o tratamento destes princípios enquanto princípios procedimentais do trabalho, uma vez que destinam-se os mesmos a servir de regras gerais informadoras e orientadoras do procedimento praticado em sede de processo do trabalho. O rito procedimental, portanto, admite uma pluralidade de formas e modelos possíveis, segundo a natureza da lide cuja solução se postula.

Infere-se que não há de se confundir princípios processuais com princípios procedimentais. Aqueles têm abrigo especialmente na constituição e se aplicam indistintamente em toda modalidade de relação processual, ao passo que estes (os procedimentais) se revestem de peculiaridades, decorrentes do rito processual que informam, e são dessumidos do desenho dado pela lei processual a determinado rito procedimental.

Em resumo, os princípios processuais têm abrigo constitucional e orientam a criação da lei processual, a sua aplicação, e são utilizados para solucionar dúvidas que podem surgir da aplicação de determinada norma do processo. De seu turno, os princípios procedimentais são obtidos a partir das características mais ostensivas de determinado rito, seja ele mais simplório, como o sumaríssimo, seja ele mais complexo, como o ordinário.

Insignes processualistas, infelizmente, não percebem esta clara diferenciação, tratando sob o mesmo título os princípios processuais e os pro¬cedimentais. Cite-se Humberto Teodoro Júnior, que discorre sobre os princípios da economia e da eventualidade (princípios eminentemente procedimentais), em conjunto com os verdadeiros princípios processuais.

Referidas observações podem até parecer meros academicismos, entretanto, aqueles que manejam as palavras e discorrem sobre ciência jurídica devem, invariavelmente, buscar sempre a precisão vocabular, pois sobre ela se transmite todo o conhecimento jurídico.

Conclusão:

O vocábulo princípios é encontradiço nos manuais de ciência jurídica, entretanto, não são os mesmos submetidos ao tratamento científico que merecem.

Esta facilidade no manuseio dos princípios resulta em um uso inadequado de toda sua potencialidade orientadora, informadora e elucidativa.

Nas palavras acima colocadas, sem a menor pretensão de originalidade, objetivamos apresentar algumas incoerências verificadas, bem como a solução que entendemos mais lógica e que mais respeite uma classificação científica dos princípios no âmbito do direito e do processo do trabalho.

No âmbito do direito do trabalho, evidenciamos a excelência do trabalho de PIá Rodriguez que bem captou o espírito protetor das normas trabalhistas, traduzindo-o numa enumeração principiológica de grande valor prático e informador. Não deixamos, entretanto, de apor críticas à colocação de princípios gerais do direito contratual no bojo dos princípios do direito do trabalho (princípios materiais), muito embora esta colocação possa até se justificar em face de práticas ilícitas verificadas nas relações trabalhistas.

Demonstramos ainda que princípios processuais não hão de ser confundidos com princípios procedimentais, ao contrário do que faz boa parte da doutrina, e que estes variam de processo para processo, de rito para rito, sendo mais adequados à caracterização e identificação de qualquer modalidade procedimental.

A percepção da natureza eminentemente constitucional dos princípios processuais é fundamental para uma boa administração do processo e para o seu adequado estudo, eis que sendo normas de tão elevada natureza sua rigorosa obediência se faz necessária.

Bibliografia consultada:

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. "Curso de Direito Administrativo";
MACHADO JR., César P. S. "Direito do Trabalho". NÉRY JR., Nélson. "Princípios de Processo Civil na Constituição Federal";
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. "Princípios de Direito do Trabalho".
TEODORO JR, Humberto. "Curso de Direito Processual Civil".

Nota explicativa:

(A) Referidas afirmações podem ser confirmadas por um breve passar de olhos pelas páginas iniciais dos manuais de processo do trabalho. Percebe-se que, sob a designação de princípios do processo do trabalho, são tratados os princípios gerais e fundamentais do processo, realçando-se, apenas, situações do processo do trabalho onde tem aplicação os princípios em análise.
Publicado em Jornal do 15º Congresso Brasileiro de Direito Processual do Trabalho, fls. 25/27, evento realizado em São Paulo entre os dias 29 e 30 de julho de 2003, sob a coordenação do Dr. Amauri Mascaro Nascimento

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Poste aqui seu comentário.