Páginas

sexta-feira, 27 de março de 2015

Crise institucional

Após um processo eleitoral muito duro para a nossa presidenta, no qual sua vitória foi obtida com uma minúscula diferença em termos percentuais sobre o segundo colocado, a Sra. Dilma Roussef ingressou em seu segundo mandato tendo a incumbência de  administrar um Brasil que vivencia um momento de acentuada turbulência política e econômica.

A recorrente corrupção na administração pública, que desestruturou a maior empresa brasileira, a inaptidão do governo para gerenciar a economia e devolver ao país o caminho do desenvolvimento, o arrocho fiscal, que está a sobrecarregar mais o contribuinte já combalido por uma carga tributária altíssima, a crise partidária no seio do Congresso, na qual legendas que não têm seus pleitos por cargos e poder atendidos estão a abandonar e mesmo a sabotar a presidenta, ao que se soma o retorno da famigerada inflação, a devorar o poder de compra do salário do brasileiro, tudo isto tem alimentado o sentimento de insatisfação de setores da sociedade, sobretudo da classe média.

Tal quadro resultou no movimento popular de ida às ruas em 15/03 com vistas a protestar contra a corrupção e contra a administração da presidenta Dilma, tendo ainda parte considerável dos participantes pleiteado o impeachment da governante e mesmo uma intervenção militar constitucional.

Conquanto o Brasil viva um momento de acentuada instabilidade, seja no campo político, seja no econômico, não há fundamento constitucional algum seja para o impeachment, seja para a intervenção militar. Com efeito, ainda que muito do que hoje o país viva seja decorrente da inapetência da presidenta Dilma para conduzir a economia e combater a corrupção no seio da administração pública, não podemos esquecer que em nossa recente democracia não foram poucos os presidentes que fracassaram na condução das crises econômicas e nenhum deles foi submetido a um processo de impeachment. Lado outro, a corrupção, endêmica em nossa administração pública, não decorre diretamente de ações da presidenta, mas sim de uma falha estrutura de fiscalização e controle do uso do dinheiro público, na qual bilhões são desviados e nenhum órgão de controle consegue coibir preventivamente a malversação dos recursos públicos.

Quanto à intervenção militar, com a devida vênia, é medida somente cabível em casos extremos, em que a própria democracia, a lei e a ordem estatal estejam em risco, não sendo concebível uma intervenção militar para se destituir o líder leito pelo povo, pois aqui teríamos um autêntico golpe de estado, possivelmente sucedido por um regime ditatorial.

Embora seja certo que o Brasil passará um ano muito difícil, e que as crises política e econômica poderão se estender para os próximos anos, não podemos olvidar que num passado não muito distante vivenciamos crises piores e as superamos, sem que precisássemos subverter a ordem e as instituições democráticas.

Os movimentos populares de março de 2015 serão úteis para se pressionar presidenta e o Congresso Nacional na tomada de medidas drásticas contra a corrupção e contra os desmandos nos gastos do dinheiro público mas, convenhamos, inexiste crise institucional a justificar impeachment e intervenção militar. O primeiro seria uma medida ilegal, e a última, uma medida excessiva.

Publicado na edição de 19/04/2015 do Jornal Correio de Uberlândia.

terça-feira, 17 de março de 2015

O feminicídio


A previsão legal de que determinada conduta constitui crime revela a repugnância da sociedade e da ordem estatal a certa ação ou omissão humana, cuja ocorrência deve resultar, para o infrator, a aplicação de uma penalidade, após o devido processo legal.

Considerando a persistente violência contra a mulher e a necessidade de se penalizar com maior rigor os agressores recentemente foi promulgada a Lei 13.104/15, na qual foi criada mais uma hipótese de homicídio qualificado, qual seja o feminicídio que se considera praticado quando o homicídio é cometido contra a mulher por razão da condição de sexo feminino. A expressão “razão da condição de sexo feminino”, por ser genérica, traria dificuldades e incertezas da aplicação da lei, as quais são intoleráveis em matéria penal, tendo sabiamente o legislador estipulado que a dita circunstância se reputa presente quando o crime decorre de violência doméstica e familiar ou quando há menosprezo ou discriminação à condição da mulher.

Para o delito a pena será de doze a trinta anos, podendo ser aumentada de um terço a metade em algumas situações tais como estando a vítima grávida ou nos três meses após o parto, ou sendo o crime cometido na presença de ascendentes ou descendentes. A lei em comento ainda previu ser o feminicídio um crime hediondo.

Muitos especialistas em direito penal e em Constituição criticaram a lei que instituiu o crime de infanticídio sob o argumento de ser o mesmo inconstitucional, por violar o princípio da igualdade entre homem e mulher. Conquanto seja apropriado se debater a constitucionalidade de qualquer lei, entendo que no caso do delito de feminicídio não há inconstitucionalidade alguma, vez que a violência contra a mulher no âmbito doméstico ainda é elevada em nosso país, mesmo após quase uma década de vigência da Lei Maria da Penha, e a condição feminina, ainda subvalorizada e desrespeitada na machista cultura brasileira, é fator que justifica um tratamento juridicamente desigual, sem ofensa alguma ao texto constitucional. Enquanto a violência contra a mulher existir leis como a do feminicídio serão constitucionais.

Indubitavelmente a instituição do delito de feminicídio é um avanço jurídico na proteção da mulher na medida em que reconhece existir uma situação social deveras grave que demande uma penalização mais severa de quem comete a conduta de assassinar uma mulher nas condições definidas na lei em análise, porém, certo é que a mera estipulação legal do delito não vai minimizar os homicídios de mulheres no âmbito doméstico, sendo necessário um trabalho social educativo com enfoque preventivo em lares onde se encontram situações de risco, tais como aqueles onde são reincidentes casos de agressão à mulher.

Para a mulher, para a família e para a sociedade será sempre mais relevante uma medida preventiva, que venha a reconstruir a família ou no mínimo afastar o potencial homicida, a simplesmente aplicar uma pena mais severa sobre um assassino, pois neste quadro uma vida inocente já haverá sido ceifada, e já não há mais nada a ser feito.

O feminicídio é, antes de mais nada, um estridente alerta, do quanto nossa sociedade machista e violenta ainda precisa evoluir na proteção e no respeito à mulher, sobretudo no âmbito doméstico.

Publicado na edição de 25.03.2015 do Jornal Correio de Uberlândia e no Jornal da Manhã, de 28.03.2015.