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terça-feira, 25 de junho de 2019

Nas entrelinhas de Moro


Os meios jurídico, político e jornalístico estão ainda atordoados com a divulgação de conversas entre o então juiz federal Sérgio Moro e o procurador do MPF Deltan Dallagnol, e entre este e outros membros da equipe de procuradores que compõem a força tarefa da Operação Lava Jato.

Por mais que cause certa perplexidade o teor dos diálogos temos que Moro, antes e depois de deixar a toga, em diversas oportunidades apresentou opiniões que claramente o aproximam do órgão acusador, externando uma precipitada mentalidade punitivista.

Com efeito, os diálogos até o momento divulgados pelo Intercept atestam que o então juiz Moro tinha uma preocupação acendrada com a qualidade do trabalho da acusação, chegando ao ponto de sugerir a substituição de uma procuradora do MPF que deixava a desejar em interrogatórios judiciais. Aliás, dando voz ao pleito do julgador a questionada procuradora foi substituída na audiência de interrogatório do Sr. Lula.

Recentemente passou despercebido a muitos a referência que Moro fez ao ex-primeiro ministro português José Sócrates enquanto “criminoso” embora aquele político lusitano sequer tenha sido julgado em primeiro grau. Lá, como aqui, todo cidadão é presumido inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A manifestação de Moro atesta que sua mente punitivista vê, com antecedência, um criminoso onde existe apenas um cidadão processado criminalmente. Não queremos acreditar que para Moro a existência de indícios de cometimento de crime transforma alguém automaticamente em condenado posto que embora admissível em um néscio é deveras reprovável em um magistrado esta forma de pensar.

Por outro lado, ao falar sobre os motivos da aceitação do cargo de Ministro de Estado da Justiça o Sr. Moro disse que desejava “consolidar o trabalho de combate à corrupção que vinha sendo realizado pela força-tarefa da Lava Jato”. Ora, com a devida vênia, mas não compete a magistrado combater a corrupção. O combate à corrupção pode ser buscado pela polícia judiciária, pelo Ministério Público, pelos tribunais de contas, pelo CARF enfim, por um sem número de instituições que mediante procedimentos investigativos podem identificar condutas supostamente criminosas e levá-las, por meio do MP, ao Judiciário para julgamento. O policial nas ruas combate o crime. O magistrado, em suas sentenças, distribui a justiça, condenando aqueles cuja conduta delituosa tenha restado cabalmente provada e absolvendo os demais.

Este desmedido afeto à acusação, traduzido em recomendações e em uma preocupante proximidade com o órgão acusador serão esmiuçados pela defesa, sobretudo da do Sr. Lula, em suas tentativas processuais de anular as sentenças em que fora o ex-presidente condenado. Beira, portanto, à irresponsabilidade a conduta do ex-juiz de Curitiba em manter com os procuradores contatos tão reprováveis.

A divulgação de novos diálogos permitirá ampliar e aprofundar este estudo sobre os recônditos da mente do Sr. Moro. Porém, quanto mais se conhecem estas conversas privadas, mais se questiona a isenção e imparcialidade do ilustre ex-juiz.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

O ocaso de Moro

Sérgio Moro atingiu certo estrelato no meio jurídico nos últimos anos.

Sendo o magistrado federal competente para o processamento e julgamento de condutas dos envolvidos em esquemas organizados de corrupção praticados no âmbito da Petrobrás e insertos no bojo da Operação Lava Jato teve, dentre os réus das ações penais que julgou, figuras proeminentes na política e no empresariado nacionais, com destaque absoluto para o ex-presidente Lula, que hoje cumpre pena aplicada pelo juiz Moro, e majorada em segunda instância.

A atuação de Moro sempre foi cercada de polêmicas, sendo por alguns considerado o líder de uma grande intifada brasileira contra a corrupção e alcunhado por outros de juiz ativista-punitivista. Certo é que algumas condutas do magistrado, como atuar em processo judicial mesmo estando em férias, vazar deliberadamente um áudio entre a então presidenta Dilma e Lula e a aceitação, enquanto ainda era ministro, do cargo de Ministro da Justiça do governo Bolsonaro são passíveis de justificada censura, a nosso sentir.

Com carta branca da mídia e da opinião pública majoritária Moro passou imune por estes e outros deslizes morais ou processuais, porém o vazamento de conversas entre o Sr. Moro e o famoso procurador do MPF Deltan Dallagnol pode dar ensejo a desdobramentos jurídicos gravíssimos para as ações penais desencadeadas no âmbito da Lava Jato, com risco real de nulidades em condenações.

Os vazamentos de conversas de celular até agora perpetrados pelo site The Intercept Brasil deixaram a comunidade jurídica estarrecida com o despudor do magistrado que se imiscuiu, com opiniões e sugestões, nas ações do MPF. A conduta do Sr. Moro atesta a sua falta de isenção e independência posto que ao repassar orientações à acusação não deixou de expressar a sua pré-concebida convicção de que os réus necessariamente deveriam ser condenados. Em tempo, temos que seria igualmente reprovável a conduta do magistrado se as conversas houvessem sido travadas com a defesa, posto que o juiz cônscio de sua responsabilidade se mantém equidistante das partes e de seus procuradores, mantendo com estas os contatos estritamente necessários.

Moro figurava até a pouco tempo como possível futuro ministro do STF ou então até como forte candidato ao Planalto. Embora não acreditasse este escriba estar o Sr. Moro à altura destes cargos mesmo quando ainda era um magistrado colocado sobre um pedestal em Curitiba temos que os fatos recentemente expostos maculam cabalmente a moralidade do ex-juiz, afastando-o tanto da Corte Suprema, como da presidência da República. Aliás, como bem se posicionou o Conselho Federal da OAB Nacional, Moro e Deltan deveriam ser imediatamente afastados de seus cargos, especialmente face á ausência de negativa quanto à veracidade das conversas divulgadas.

Aguardemos o desenrolar desta crise jurídica, bem como possíveis novos vazamentos. O combate à corrupção há de ser travado de forma incessante e diuturna neste país, mas isto com irrestrito respeito à normas processuais, à moralidade e à Constituição. Somente um juiz espiritualmente isento poderá proferir uma decisão justa.

O magistrado deve ter espírito isento e portar-se de modo equidistante das partes. Não deve enamorar-se de um dos lados do litígio. O juiz exerce uma das mais relevantes funções estatais e deve, em todos os seus atos, estar ciente da imensa responsabilidade que recai sobre seus ombros.

sexta-feira, 3 de maio de 2019

O futuro da Justiça do Trabalho


Na primeira semana do novo governo assistimos a muitas declarações polêmicas e desencontros de informações perpetrados pelos novos comandantes da nação.

Uma destas declarações, proferida pelo presidente Jair Bolsonaro em entrevista dada no dia 03/01/2019, noticia que seria estudado um projeto que visaria a extinção da Justiça do Trabalho. 

O novo líder máximo do Executivo Federal fundamentou seu projeto no fato de ser a Justiça Trabalhista inexistente na maioria das nações do mundo, ao que agregou o comentário de que nos EUA ela inexiste e aquele país vivencia bons índices de emprego. Refutamos, de início, como fundamento para a extinção da Justiça do Trabalho a sua alegada inexistência na maioria dos países. Cada sociedade e cada ordenamento jurídico têm suas particularidades e necessidades, de modo que não soa racional adotar-se cegamente em nosso direito soluções bem sucedidas lá fora. Igualmente não soa razoável a comparação com os EUA, país de forte tradição liberal e de economia sólida. 

Outro aspecto digno de nota diz respeito à competência para a propositura de emenda constitucional com este propósito posto que caberia ao STF, e não ao Executivo, o poder de iniciativa do projeto, por ser a Justiça do Trabalho órgão afeto ao Poder Judiciário e feriria a independência de poderes conceber que o Executivo poderia deliberar sobre extinção de órgãos jurisdicionais. 

Feitas estas ponderações iniciais temos que a questão é de acendrada complexidade e há argumentos favoráveis tanto aos defensores desta instituição judiciária, quanto aos que admitam ser possível a sua extinção. 

Com efeito é inequívoco que a existência da Justiça do Trabalho assegura aos jurisdicionados que a ela recorrem uma prestação jurisdicional mais célere e indubitavelmente mais qualificada pois a especialização de um serviço jurisdicional invariavelmente assegura que as demandas serão geridas e conduzidas por servidores e magistrados detentores de aprofundado conhecimento sobre a matéria. 

Mas a questão que se nos coloca é se a Justiça do Trabalho seria, a médio ou longo prazo, necessária ou de existência justificável. 

Embora a reforma trabalhista veiculada pela Lei 13.467/2017 tenha apenas pouco mais de um ano de vigor o impacto de momento na redução das demandas afetas à Justiça do Trabalho é, em uma primeira análise, sensível. Segundo dados do TST divulgados em novembro de 2018, pouco antes de a lei mencionada completar um ano de vigor, houve uma redução de cerca de 36% nas novas ações trabalhistas de comparado o período de jan-set. de 2018 com o mesmo período de 2017. Em números concretos a redução foi de 2 milhões para algo próximo de 1,3 milhão de novas ações. Este quadro teria possibilitado a redução do estoque de demandas que estavam em primeira e em segunda instância aguardando julgamento, passando de um montante de 2,4 milhões em dezembro de 2017 para 1,9 milhão em agosto de 2.018. 

Ainda é cedo para se aferir se a tendência de redução de demandas se manterá, se estabilizará ou mesmo se poderá vivenciar um novo momento de aumento sistemático de novas ações, porém é fato que os números acima elencados tornam legítimos estudos e debates acerca do futuro da Justiça do Trabalho. 

Estima-se que em 2019 a Justiça do Trabalho vá consumir quase 21 bilhões de reais, o que equivale a quase cinco vezes os recursos que Uberlândia e Uberaba pretendem gastar neste ano. Este valor vultoso, cujo gasto justifica-se hoje face ao imenso acervo de feitos em trâmite nesta Justiça especializada poderia configurar um ônus excessivo em caso de redução sistemática das demandas. Imaginemos, por exemplo, os benefícios à prevenção à litigiosidade se parte deste valor fosse alocada para a hoje combalida fiscalização do trabalho. 

Se o direito material do trabalho se mostrar mais eficaz para regular as relações patrão-empregado, o que não deixa de ser uma busca constante de regimes economicamente liberais, como o que busca Bolsonaro, as demandas judiciais nesta seara tendem a diminuir sensivelmente, tornando o debate sobre a existência da Justiça do Trabalho necessário e relevante. É óbvio que a relação capital x trabalho terá sempre suas tensões de modo que litígios, em maior ou menor quantidade, ocorrerão devendo o Judiciário (por meio de uma Justiça especializada ou por meio da Justiça Comum Federal!), em atendimento ao princípio previsto no artigo 5º, inciso XXXV, dar abrigo às ações que ainda se originem na relação patrão-empregado. A questão que se põe é se de uma persistente redução da litigiosidade nas relações de trabalho não decorreria a desnecessidade de uma grandiosa Justiça especializada para este tipo de ação. 

Ressalte-se, em tempo, que os direitos básicos do trabalhador tem status de direitos fundamentais, estando protegidos de quaisquer inovações legislativas que venham a mitigá-los. A questão da extinção desta Justiça especializada, portanto, não implica necessariamente em tolhimento de direitos, pois seja qual for o órgão judiciário para o qual viesse a ser conferida a competência para julgar litígios decorrentes de relações de trabalho estaria o mesmo atrelado ao irrestrito respeito aos direitos laborais declarados na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional. 

O futuro da Justiça do Trabalho é tema a ser debatido com parcimônia e racionalidade, sem paixões, pois as instituições têm a sua existência justificada pelas necessidades de certo momento histórico. 

Publicado na edição de 17.01.2019 do Jornal da Manhã, de Uberaba/MG, e no dia 14/01/2019 foi publicado no blog "Uberlândia Hoje", do jornalista Ivan Santos.