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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O Supremo contra a parede


No dia 02.08.2012 começou no Supremo Tribunal Federal o julgamento dos trinta e oito réus do suposto esquema de compra de apoio político no Congresso Nacional durante o primeiro mandato do presidente Lula. A este esquema o delator Deputado Federal Roberto Jefferson e a imprensa denominaram pejorativamente de Mensalão.

Em países com um Poder Judiciário adequadamente organizado caberia ao Supremo a tarefa específica de zelar pela guarda da Constituição, seja declarando a constitucionalidade, seja proclamando a inconstitucionalidade das normas. No Brasil, por uma aberração inserida na Constituição Federal à época da Assembleia Constituinte, o STF vestiu-se também de órgão julgador de pessoas privilegiadas (deputados, por exemplo), as quais gozam de foro especial, daí a razão porque o Mensalão está sendo julgado no Supremo.

Pois investido desta competência penal está hoje o Supremo, a duras penas, tentando se desincumbir do dever de julgar adequadamente um dos maiores escândalos políticos dos últimos anos no Brasil.

O Mensalão está sendo um verdadeiro teste para o STF a ponto de escancarar as divergências profundas existentes entre os ministros, os quais estão dando uma “aula” de como proferir um julgamento confuso, onde o relator do processo Ministro Joaquim Barbosa condena, sem, no entanto estipular a pena a ser aplicada ao réu e onde se termina uma sessão de julgamento sem saber como se desenvolverá a sessão do dia seguinte. Por outro lado, o ministro Cezar Peluzzo está prestes a se aposentar e considerando que restariam dez julgadores, surge a temida possibilidade de empate. Imaginem se após tanto estardalhaço midiático e depois de horas de debates, exposições, votos o Supremo não puder proclamar o resultado em virtude de um empate nas votações.

A vaidade dos ministros igualmente pode atrapalhar os trabalhos, bastando ver o quanto se enerva o douto ministro relator Joaquim Barbosa quando uma sugestão sua não é bem acolhida pelos seus pares. Conduta no mínimo criticável num tribunal, onde os votos dos onze ministros têm a mesma relevância.

O Mensalão coloca a instituição Supremo Tribunal Federal contra a parede, na medida em que a opinião pública exige um julgamento exemplar dos denunciados, e isto não quer dizer necessariamente uma condenação sumária dos envolvidos. Um julgamento exemplar é aquele em que os fatos são examinados à exaustão, e os envolvidos têm a sua culpa ou inocência aferida.

O voto do Ministro Joaquim Barbosa, ainda que criticável tecnicamente, tem sido pelo menos substancioso, no sentido de demonstrar que o julgador estudou com profundidades as milhares páginas que compõem os autos o que lhe propiciou aferir com precisão e rigor as condutas reprováveis dos envolvidos.

Espera-se apenas que nossos ministros, cientes da responsabilidade que sobre eles pesa, tenham a competência e a prudência necessárias para se proferir uma decisão tecnicamente correta, clara e justa. O julgamento do Mensalão não é apenas o julgamento de réus envolvidos em um escândalo político, mas sim um julgamento em que o próprio Supremo Tribunal Federal está sendo atentamente avaliado pela opinião pública.

Publicado em: Jornal Correio de Uberlândia, de 27.08.2012.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Financiamento de campanhas


Desde o dia 02.08.12 a grande mídia nos tem obrigado a acompanhar, ainda que a contragosto, o julgamento no Supremo dos réus da ação penal nº 470, popularmente conhecida como ação do Mensalão. 

Dentre apresentações orais longas e enfadonhas dos advogados de defesa dos réus do Mensalão tem se descortinado uma prática comum nas eleições brasileiras, qual seja o chamado “Caixa 2”, onde o uso de recursos para campanha não contabilizados e não informados à Justiça Eleitoral são confessados com o maior descaramento.

A prática do “Caixa 2” é um vício arraigado e persistente no processo eleitoral brasileiro e macula não só as eleições, como a administração pública presidida pelo candidato vencedor que tenha se valido desta prática, na medida em que os recursos não contabilizados são provenientes de pessoas e de empresas com interesses espúrios, normalmente concretizados em futuras contratações públicas que lhes tragam benefícios ilegais e imorais. Talvez resida aí a razão porque tantas empreiteiras despejam milhões em campanhas eleitorais.

Muitos cientistas políticos e especialistas em direito eleitoral defendem a tese de que o financiamento público de campanha seria uma forma de se coibir a reprovável prática do “Caixa 2” na medida em que, em tese, ter-se-ia um maior controle dos gastos, tanto no que pertine aos montantes a serem utilizados, quanto na questão da origem dos mesmos. O tema do financiamento público de campanhas eleitorais, conquanto não seja uma unanimidade, terá numerosos defensores quando do debate da reforma política que, cedo ou tarde, será levada a efeito no Congresso Nacional.

Particularmente não concordo com a tese de que o financiamento público haveria de ser adotado e resolveria os problemas, e isto por dois motivos. Num país onde faltam recursos para a saúde pública e educação, se destinar recursos para partidos financiarem os custos eleitorais de seus candidatos soa inaceitável. Outrossim, o fato de se financiar a campanha com recursos públicos não garante que o famigerado “Caixa 2” será evitado, dada a grande dificuldade de se identificar esta prática delituosa a qual, não raro, só vem à tona mediante confissão dos envolvidos, como tem ocorrido no caso do Mensalão.

Não obstante estas dificuldades, o que se espera das autoridades eleitorais é uma fiscalização cada vez mais intensificada no intuito de se apurar está prática reprovável e alijar do processo eleitoral candidatos desonestos que a ela recorrem. 

Quanto aos políticos réus do Mensalão que confessaram a prática do Caixa 2 só nos resta lamentar sua falta de comprometimento com a ética, com a moral e com o respeito aos eleitores.

Publicado na edição de 20.08.2012 do Jornal da Manhã, de Uberaba/MG.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Do direito de perder

Seja em época de Copa do Mundo, seja em época de Jogos Olímpicos, a postura dos atletas, da imprensa e sobretudo dos torcedores brasileiros demonstra que em nosso país não temos uma relação lá muito saudável com o esporte na medida em que tendemos a nos contentar apenas com a vitória, relegando injustamente ao plano dos fracassados os desportistas cujo desempenho não tenha sido o esperado.

Esta cobrança desmensurada sobre os atletas brasileiros repercute sobre o desempenho dos mesmos, impondo uma pesada carga emocional que se reflete em reiterados desempenhos aquém daqueles a que estão habituados os atletas. Ora, todo atleta busca a vitória, o ouro, o patamar mais alto do pódio, mas todo atleta tem o direito de perder, de fracassar quando da competição. O insucesso é natural no esporte, assim como na vida, e dele colhemos aprendizados importantes. Ganhamos e perdemos todos os dias, e a vida continua.

A própria mídia tem grande parcela de culpa nesta postura na medida em que só valoriza a vitória, tanto que não se vêem matérias parabenizando atletas que não tenham obtido medalha, não obstante terem obtido boa colocação em seus esportes. A visão da mídia é simplista e calculista, se ganhou medalha é grande atleta, se não as obteve, é um fracassado.

O Brasil foi vice campeão mundial de futebol em 1.998 e alguém se lembra daquela equipe ser elogiada? Se um Paraguai ou um México chega a uma final de Copa do Mundo aqueles atletas virarão heróis, ainda que não ganhem o campeonato.

Nestas Olimpíadas de Londres, por exemplo, o nadador Bruno Fratus foi sumariamente esquecido pela imprensa após não ter obtido medalha nos 50 metros livres da natação, não obstante ter ficado com um ótimo quarto lugar. Em outras palavras, o atleta está entre os quatro nadadores mais rápidos do mundo mas, por não ser um medalhista, não é digno sequer que uma matéria elogiosa em um grande portal da Internet. Para os vitoriosos a glória, para os derrotados, o esquecimento!

Ver um Diego Hypollito pedindo desculpas à nação por não ter ganhado uma medalha e assistir a um Cesar Cielo se lamentando por ter ganhado “apenas” um bronze são cenas que não representam os princípios esportivos e a grandeza do espírito olímpico. O atleta que deu o melhor de si já é um vitorioso, independentemente da conquista de medalhas e de troféus. Cabe aos atletas, aos torcedores e à imprensa desenvolverem esta saudável postura frente ao esporte.

O segredo para o sucesso de nossos atletas para as futuras grandes competições talvez esteja nesta mudança de postura, onde a obrigação de ganhar seja substituída pelo direito de perder, afinal, os atletas são humanos e, portanto, naturalmente falíveis. Compreender e aceitar serenamente a derrota talvez seja o caminho adequado para se evoluir rumo ao sucesso.

Publicado no "Jornal da Manhã", de Uberaba, edição do dia 10.08.2012, no Jornal "Correio de Uberlândia" de 20.08.2012 e na página virtual do jornal "Zero Hora", de Porto Alegre/RS.