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terça-feira, 25 de setembro de 2012

Passividade popular


O Brasil se redemocratizou há pouco tempo e o povo brasileiro ainda se porta um tanto quanto indiferente e passivo quanto a questões políticas que direta ou indiretamente afetam os cidadãos.

A título de exemplo, temos que em pesquisa recentemente divulgada neste jornal se aferiu que mais de quarenta por cento da população uberlandense tem pouco ou nenhum interesse nas eleições municipais que se aproximam. Tal indiferença é um sério golpe na democracia e na legitimidade do pleito de 07 de outubro, na medida em que mais que um direito, o voto é um dever que se consubstancia num envolvimento efetivo com o debate político-ideológico que demarcam as candidaturas apresentadas. O eleitor passivo, que não se envolve, põe na urna um voto em tese menos qualificado. E o envolvimento com os temas políticos tem de transcender o mero exercício do voto, para o bem da democracia e para a efetiva expressão da vontade popular.

Na cidade paulista de Ribeirão Preto, a qual tem população numericamente semelhante à nossa, um movimento organizado da sociedade conseguiu pressionar os vereadores a reduzir a quantidade de vereadores da Câmara Municipal local de 27 para 22. O movimento englobou entidades de classe, empresários mas, sobretudo, cidadãos politicamente conscientes.

Em fevereiro deste ano, em Belo Horizonte, a pressão popular levou o prefeito a vetar um aumento de mais de sessenta por cento no subsídio dos vereadores daquela cidade. Os vereadores da capital, os mesmos que inicialmente haviam aprovado o aumento e que poderiam perfeitamente derrubar o veto do executivo, optaram por não comprar esta briga com a população e mantiveram o veto, pondo fim ao substancioso aumento pretendido. 

Em nossa cidade, ressalvados alguns resmungos aqui e ali, tanto a grandiosa majoração do subsídio dos edis, quando o aumento da quantidade de vereadores a partir de 2.013 não tiveram maiores repercussões e resistências junto à população, passando quase despercebidas.

Pessoalmente atribuo isto a uma cultural falta de engajamento político de nossos concidadãos os quais, via de regra, limitam sua participação política a exercer o direito-dever do voto, a cada dois anos, e nada mais.

Tal quadro local torna questionável a efetividade de alguns instrumentos de democracia participativa, dentre os quais podem citar a título de exemplo o orçamento participativo. Não que a priori este modo de discussão de onde e com o que se gastar o dinheiro público não possa ser viável, porém, resta a dúvida se, dentro de uma sociedade pouco politizada as deliberações neste âmbito representam realmente a expressão da vontade popular.

Votar é relevante mas não basta, devendo o povo expor sua vontade de forma organizada, de modo a pressionar os governantes, especialmente quando da tomada de decisões atentadoras à vontade popular.

A Constituição Federal dotou o povo de instrumentos efetivos para fazer valer sua vontade, os quais não se limitam ao voto, bastando citarmos o direito fundamental de protestar e expressar a opinião. Uma sociedade formada por pessoas conscientes e críticas, que não se deixam levar pela indiferença em face das questões políticas, será sempre respeitada por aqueles que a governam. Os exemplos de BH e Ribeirão Preto evidenciam isso.

Publicado na edição de 05.10.2012 do Jornal Correio de Uberlândia.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Barbosa, um injustiçado

Em 1950 o mundo ainda se recuperava dos diversos danos provocados pela terrível segunda guerra mundial, o maior conflito bélico da história e que impediu a realização de duas Olimpíadas (1940 e 1944) e de duas copas do mundo (1942 e 1946).

Os jogos olímpicos foram retomados, após doze anos, em Londres, em 1948. Ficou a cargo do Brasil realizar a Copa do Mundo, em 1950.

Ainda que as participações anteriores em Copas do Mundo não tenham sido lá muito vitoriosas, em 1950 o futebol brasileiro já apresentava sinais de amadurecimento e de competência e um sucesso em casa era, mais do que provável, praticamente certo.

Nossa seleção contava, dentre outras estrelas, com o atacante Ademir, que seria artilheiro daquela Copa com nove gols, e com Barbosa, o ótimo goleiro do Vasco na ocasião.

Para a Copa do Mundo foi construído o majestoso estádio Maracanã, a casa perfeita para o Brasil conquistar em seus domínios seu primeiro título mundial, perante seus torcedores.

E a seleção começou o torneio de forma avassaladora vencendo o México por 4x0, passando com facilidade para a fase final, onde empreendeu apresentações magistrais e implacáveis contra Suécia e Espanha, ambas goleadas por 7x1 e 6x1, respectivamente.

Ao contrário do que muitos pensam em 1950 a Copa não teve uma partida final. O título seria da equipe que tivesse a melhor campanha num quadrangular que contava, além do Brasil e das duas seleções acima mencionadas, com o já campeão mundial Uruguai.

Com as vitórias sobre Suécia e Espanha o Brasil precisava apenas de um empate com os vizinhos uruguaios para conquistar a sonhada Copa do Mundo. Conta-se que a certeza da vitória era tão grande que um dia antes da partida a torcida já comemorava nas ruas do Rio de Janeiro o “inevitável” título.

Perante um Maracanã lotado com talvez o maior público de uma partida de futebol em todos os tempos, estimado em 200 mil pessoas, se iniciava em 16.07.1950 aquela partida que entraria para nossa história futebolística.

Após um primeiro tempo sem gols o Brasil abre o placar, aos dois minutos do segundo tempo. Para quem necessitava de um mero empate era um ótimo resultado sair na frente no placar. Porém aos 21 minutos, num descuido da zaga, o Uruguai empata, com Schiaffino.

Era preciso segurar o empate, para assegurar o título, mas aos 34 minutos Ghiggia avança pela ponta esquerda e, enquanto todos esperavam um cruzamento, ele desfere um chute forte e rasteiro em direção ao gol de Barbosa.

A bola caprichosamente passou no estreito espaço deixado entre o braço esquerdo de Barbosa e a trave, e foi descansar no fundo da rede, fazendo 2x1 para os uruguaios.
O Brasil ainda buscou o empate, mas o gol não veio. Os presentes ao Maracanã não acreditavam no que viam, o Uruguai sagrava-se bicampeão perante os atônitos torcedores brasileiros.

Barbosa, o goleiro daquela tarde fatídica, carregou até seu último dia de vida a pecha de responsável pela derrota. “Ele deveria ter ficado mais perto da trave” disparavam seus críticos.

Na lei penal pátria a pena máxima é de trinta anos, mas Barbosa cumpriu uma pena maior que esta, pois no futebol, muitas das vezes, não há perdão.

O grande Barbosa morreu no ano 2.000, recluso e no esquecimento, pagando uma pena perpétua por uma falha numa partida de futebol.

Publicado em: Jornal "Correio de Uberlândia", edição de 17.09.2012.