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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Herança Indesejada


O ano de 2008 marca o bicentenário da chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, após a fuga desordenada de Lisboa, àquela época capital do império, fuga esta acelerada pelo avanço das tropas napoleônicas sobre a península ibérica.

Este fato histórico, sem precedentes na Europa, ocasionou algumas conseqüências verdadeiramente positivas no Brasil pois, com a Corte se instalando aqui, era necessário municiar a pobre e atrasada colônia com uma estrutura administrativa que possibilitasse, pelo menos, cuidar dos assuntos comerciais e políticos básicos, relativos à administração do Império. Assim foram criadas instituições públicas até hoje relevantes, como o Banco do Brasil, a imprensa nacional, as cortes judiciárias, os cursos superiores etc.

Mas, observando com maior acuidade os fatos, especialmente as conseqüências imediatas da chegada da corte, sobretudo no que pertine à política e aos assuntos administrativos mais relevantes do estado, perceberemos que nem tudo são flores.

Inicialmente, cumpre observar que nas embarcações vindas de Portugal estavam quase quinze por cento de toda a população de Lisboa, todos, de alguma forma, apadrinhados do folclórico Dom João VI. Todas estas pessoas, sem ocupação restaram sustentadas pela Corte recém instalada, inaugurando, talvez, a prática do cabide de empregos, ainda comum em diversas entidades do aparato estatal. Seria, portanto, como se a administração pública brasileira já nascesse com milhares de cargos comissionados, sem função aparente, sem comprometimento com a nação e sem o que proporcionar ao país.

Não soaria absurdo tributar aos fatos ocorridos em 1808 esta cultura de péssima gestão de pessoas, no âmbito do Estado, da qual resultou o peso de nossa atual máquina administrativa.

Para manter aquela estrutura ociosa o país foi se endividando, especialmente junto ao Reino Britânico, abalando financeiramente as contas públicas e nos colocando nas mãos de credores externos. Nascia ali a dívida externa brasileira!

Observo, entretanto, que a pior herança trazida pelos portugueses foi mesmo ideológica.

Enquanto os ideais libertários da revolução francesa grassavam na Europa, estimulando o avanço da mentalidade política, e em conseqüência o próprio desenvolvimento econômico e comercial dos povos, no âmbito da Corte os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade eram vistos como uma mera rebeldia infundada, um modismo, a ser logo esquecido.

Como herança básica deste pensamento atrasado temos que o país somente foi abolir a escravidão oitenta anos depois, e o antiquado regime monárquico, somente em 1889.

Decisões e práticas equivocadas, tomadas no distante ano de 1808 ainda ecoam, negativamente, no comportamento de muitos administradores públicos, mas sempre há tempo para se corrigirem as falhas.

Aos que desejarem formar sua própria opinião, sugerimos a leitura do best-seller “ 1808” , de Laurentino Gomes. Investigando o passado, talvez possamos compreender melhor o presente e, corrigindo-se falhas históricas, caminhar para um futuro melhor.


Publicado na edição do Jornal Correio, de 01.10.2008, edição n.21.356, ano 70, Uberlândia/Mg.

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