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sexta-feira, 4 de julho de 2008

As consequências jurídicas da prática do assédio moral no trabalho no atual ordenamento jurídico brasileiro

Apresentação:

Neste momento encontram-se tramitando no Congresso Nacional Brasileiro diversos projetos de lei (oferecidos por parlamentares de diferentes correntes ideológicas) com vistas à precisa definição, proibição e penalização das condutas que caracterizam o assédio moral.

Se é certo que o estado brasileiro carece, urgentemente, de uma legislação específica sobre o assédio moral, também é sabido que nossos parlamentares muitas das vezes não cuidam de estimular o trâmite de projetos que versem sobre temas importantes (como é o caso em tela), resultando em que projetos importantes esperem décadas até serem convertidos em lei.

Mas, enquanto aqueles projetos que punem os autores do assédio não forem promulgados esta conduta reprovável estará liberada?

A resposta é não. Conquanto os projetos, uma vez convertidos em lei, possam trazer benefícios consideráveis para as vítimas do assédio, entendemos haver, no atual ordenamento jurídico pátrio, meios eficazes de se coibir a humilhação impingida no seio das relações de emprego, e responsabilizar seus infratores.

Disto trataremos no desenvolvimento deste estudo.

A natureza contratual da relação de emprego. O respeito recíproco como obrigação inserta no contrato de emprego. Incidência do artigo 483, alínea "d" da CLT.

Há tempos está assentado de forma pacífica nos manuais de direito do trabalho que a relação de emprego tem natureza contratual bilateral, na medida em que, para a sua constituição, acordam vontades de distintas pessoas (empregado-empregador) para o fim de criar direitos e obrigações recíprocos.

As obrigações básicas do empregador e os direitos fundamentais do empregado encontram-se consignados no texto da Constituição Federal, em seu artigo 7º.

O contrato de emprego, portanto, reveste-se de uma maior complexidade, não se resumindo, as obrigações dele decorrentes, ao mero pagamento de salários por parte do empregador, e à simples prestação de serviços por parte do empregado.

Uma das mais importantes obrigações insertas no contrato de emprego constitui o dever imposto ao empregador de oferecer ao empregado um ambiente de trabalho saudável e agradável providenciando, para as atividades insalubres e perigosas, meios eficazes de se reduzir os riscos à vida e à saúde do trabalhador.

Quando se exige, do empregador, o oferecimento de um adequado ambiente para a prestação de serviços por parte do empregado está se exigindo atenção não apenas aos agentes físicos que possam, eventualmente, tornar o ambiente de trabalho insalubre e insuportável, tais como temperatura, exposição a agentes químicos etc. Está se exigindo também, e talvez até em maior grau, a tranqüilidade psíquica do empregado, e o assédio moral, seja ele praticado diretamente pelo patrão ou por qualquer superior hierárquico, fulmina qualquer forma de paz psicológica gerando, para o empregado, desconforto e permanente sofrimento no local de trabalho.

Uma vez caracterizado o assédio moral no desenvolver da relação de emprego e, uma vez comunicado de tal fato, não providenciar o empregador a sua extirpação, estará o empregado autorizado, com supedâneo no artigo 483, alínea "d" da CLT a requerer judicialmente a rescisão de seu contrato de emprego bem como o pagamento de todas as verbas trabalhistas rescisórias como se de uma dispensa sem justa causa se tratasse.

Há na Câmara Federal um projeto, de autoria de um grupo de parlamentares do PC do B, que propõe a inclusão de um inciso "g" no artigo 483 da CLT, para o especial fim de autorizar o empregado vítima de humilhação e assédio a exigir a quebra judicial do vínculo empregatício. Como entendemos estar a obrigação de respeito e consideração recíprocos ínsita ao contrato de emprego, pensamos ser supérflua a inovação legal sugerida.

Entendemos, por fim, ainda ser possível a cumulação do pedido de rescisão com o pleito por uma indenização por danos morais, mas disso trataremos no próximo item.

O dano moral e material decorrente do assédio. Responsabilidade civil do empregador. Aplicação do artigo 186 do Novo Código Civil Brasileiro e do artigo 5º, X da Constituição Federal.

A honra, a imagem, a dignidade da pessoa são, no hodierno ordenamento jurídico, bens jurídicos tutelados no âmbito da própria Constituição Federal (art. 1º, III e art. 5º, X).

É certo que, em um estado onde ainda encontram-se casos de trabalho escravo, onde o trabalho infantil é numeroso, e onde milhões de cidadãos sobrevivem sub-empregados, há uma imensurável distância entre o que estatui a nosso bela e dirigente constituição, e aquilo que vemos no plano fático.

Ainda que o estado brasileiro não tenha viabilizado economicamente a concessão da merecida dignidade a milhões de trabalhadores a citada norma constitucional é relevante juridicamente, na medida em que elevou a honra humana à categoria de bem digno de tutela, devendo ser responsabilizados todos aqueles que agredirem-na.

A prática do assédio moral, especialmente, quando ocorre de forma reiterada, fere com profundidade a honra da pessoa do trabalhador, atingindo ainda sua paz psicológica e auto-estima, deixando lesões indeléveis e gerando a responsabilização civil de seu autor, com a conseqüente condenação ao pagamento de indenização por dano moral (Novo CCB, artigo 186).

Acerca da indenizabilidade do dano moral resultante das relações laborais citemos os seguintes julgados:

"Dano Moral. Ofensa à honra do empregado. O empregador responde pela indenização do dano moral causado ao empregado, porquanto a honra e a imagem de qualquer pessoa são invioláveis (art. 5º, XI, da Constituição Federal).

Esta disposição assume maior relevo no âmbito do contrato laboral porque o empregado depende de sua força de trabalho para sobreviver. 'La indemnización tarifada de Ia Lei de Contrato de Trabajo no exclue una reparación complentaria que signifique un amparo para el trabajador, cuando es agredido en su personalidad' (Santiago Rubinstein). A dor moral deixa feridas abertas e latentes que só o tempo, com vagar, cuida de cicatrizar, mesmo assim, sem apagar o registro."

TRT – 3ª Região (MG) – 2ª Turma ReI. Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira RO 3608/94 DJ-MG-II, de 08.07.94 e LTr 60/316, março/96.

"A indenização por dano moral trabalhista é amplamente assegurada por preceito constitucional, inciso X, artigo 5º, e à Justiça do Trabalho cabe exercer o encargo da jurisdição, nos termos do artigo 114 da Constituição Federal de 1988, em ação indenizatória de perdas e danos, pois a controvérsia, objeto do ressarcimento do dano sofrido pela reclamada, foi estritamente oriunda da relação jurídica de direito material de natureza trabalhista."

TRT – 6ª Região (BA) – 3ª Turma ReI. Juiz Carlos Coelho RO 827/92. Acórdão 3T - 15953/ 94, publicado na LTr 59/1336, outubro/95

A prática do assédio moral no trabalho, portanto, poderá proporcionar para o empregado vitimado tanto a indenização pelo dano moral, caracterizado principalmente pelo sofrimento quotidiano e reiterado impingido pelo superior hierárquico, quanto a indenização pelo dano material, esta aplicável quando da coação moral resultar em necessidade de afastamento do trabalho, em necessidade de tratamento clínico-psiquiátrico e em perda da capacidade laborativa.

A possibilidade jurídica de co-existência das indenizações deve-se ao fato de que o assédio moral no trabalho pode atingir interesses patrimoniais (redução da capacidade laborativa, despesas médico-hospitalares), e também interesses extra-patrimoniais (os chamados direitos da personalidade), dos quais faz parte a honra, a mais atingida e lesionada nos casos de assédio moral no trabalho.

As conseqüências jurídico-penais do assédio moral. Artigo 65 da Lei De Contravenções. Possibilidade de enquadramento em outros tipos penais.

A prática do assédio moral gera repercussões também no campo do direito penal.

Não estamos falando, obviamente, dos projetos de lei que visam à introdução de artigos no Código Penal brasileiro (Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1.940). Referidos projetos ainda encontram-se circunscritos ao campo do debate legislativo e somente quando convertidos em lei estarão aptos a punir, criminalmente, os autores de práticas de assédio moral no trabalho.

Malgrado os projeto mencionados ainda carecerem de aprovação parlamentar, acreditamos que o assédio moral no trabalho produz conseqüências jurídicas no âmbito da seara criminal, não no sentido de constituir crime específico, mas porque a prática do assédio moral está proibida penalmente pelo artigo 65 do Decreto-lei 3.688/ 41 (chamada Lei de Contravenções Penais). Vejamos, in verbis, o que dispõe o texto da lei:

"Perturbação da Tranquilidade - Artigo 65 - Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou motivo reprovável: Pena - prisão simples de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa."

A conduta do assediador preenche perfeitamente os requisitos do tipo penal, na medida em que o ato de molestar e/ ou perturbar a tranqüilidade de outrem, por motivo reprovável, e nota característica da totalidade de casos de assédio moral no trabalho.

Conquanto seja este o tipo penal que mais diretamente se aproxime da capitulação do assédio moral no trabalho, não há de se ignorar a possibilidade de o autor do assédio moral estar incurso na prática de outros delitos, tais como instigação ou induzimento ao suicídio, ameaça, constrangimento ilegal, algum crime contra a organização do trabalho etc. Esta variedade de possíveis enquadramentos penais deve-se ao fato de o assédio poder ser praticado por meio de uma imensa diversidade de condutas as quais, uma vez satisfeitos os requisitos da legislação penal, podem perfeitamente configurar crime.

Cabe às vítimas de assédio moral no trabalho procurar as autoridades policiais e ministeriais (Parquet) as quais avaliarão a possibilidade da existência da prática de algum delito uma vez que, conforme demonstramos ao longo deste item, mesmo antes da aprovação dos projetos que estão tramitando no Congresso Nacional, as condutas ínsitas ao assédio moral já estão reprovadas penalmente.

Conclusões:

Apesar de o assédio moral ser um fenômeno que aflige o mundo laboral há bastante tempo, a preocupação com a proibição do mesmo é relativamente recente, tanto que os projetos em trâmite no Congresso começaram a ser apresentados há cerca de quatro anos, e ainda não há perspectivas concretas quanto à data de suas conversões em lei.

Este estudo objetivou, precisamente, demonstrar que, mesmo antes da aprovação destes projetos o tema assédio moral já está relativamente bem disciplinado no âmbito dos direitos do trabalho, civil e, até, penal.

A prática de assédio moral no trabalho gera conseqüências jurídicas severas para o patrão assediador, que vão desde o rompimento, por sua culpa, do contrato de emprego, até a possibilidade de capitulação penal do fato.

O que falta, portanto, para a eficaz repressão ao assédio moral no trabalho é que as vítimas valham-se do seu direito de amplo acesso ao judiciário (CF-1988, artigo 5º, inciso XXXV) e levem à casa da justiça as suas mágoas, ansiedades e sofrimentos. Pois somente com punições severas os infratores se despirão deste espírito tirânico e passarão a ver os empregados como seres humanos e dignos que são.

Um patrão condenado civil ou penalmente pela prática de algum ato de assédio dificilmente voltará a atormentar seus empregados.

Cabe às vítimas solicitar a efetiva tutela jurídica de seus interesses.

Normas protetoras neste sentido nós demonstramos que existem.

Notas:

1 - extraídos do artigo "Dano Material. Dano moral e Acidente de Trabalho na Justiça do Trabalho", de autoria do Juiz Alexandre Nery de Oliveira, publicado em http://www.amatra1O.com.br/trabalhos/danactb.html .

2 - Há estudos, especialmente em países europeus, como a Suécia, que relacionam até mesmo atos de suicídio ao assédio moral no trabalho. No que tange ao Brasil, uma estatística divulgado no já classico estudo da Dra. Margarida Barreto, "Uma Jornada de Humilhações", e constante do site
www.assediomoraI.org.br demonstra que cem por cento dos homens vítimas de assédio moral já cogitaram da prática de suicídio.
Publicado em Jornal do 18º Congresso Brasileiro de Direito Coletivo e Individual do Trabalho, fls. 42/44, evento realizado em São Paulo entre os dias 25 e 26 de novembro de 2003, sob a coordenação do Dr. Amauri Mascaro Nascimento.

terça-feira, 1 de julho de 2008

O acidente do trabalho e a questão da cumulatividade das indenizações por dano moral e estético decorrentes de um mesmo fato


Introdução:

O fundamento normativo da responsabili­dade civil (dever de indenizar) está hoje alicerça­do em dois importantes dispositivos legais; um, de natureza constitucional, qual seja o artigo 5º, inciso V, da Lei Maior, e outro, de natureza infra­constitucional, correspondente ao artigo 186 do Novo Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002).

Em ambos os citados preceitos normativos há referência expressa à indenizabilidade dos da­nos de natureza exclusivamente moral estando, portanto, ultrapassados quaisquer debates acer­ca da possibilidade jurídica de o lesado ver-se res­sarcido, ainda que tenha sofrido lesões em inte­resses de natureza não patrimonial.

Questão atual e controversa, no entanto, é a relativa à admissibilidade de condenação do em­pregador, em caso de acidente do trabalho, ao pagamento de indenização por dano moral e por dano estético, decorrentes do mesmo fato.

Seria cabível, em caso de acidente do traba­lho de que tenham resultado lesões de natureza estética, a cumulação dos pedidos de indenização por dano moral e de indenização por dano estéti­co?

Responder a esta indagação é o que objeti­vamos com este breve estudo.

Classificação jurídica dos danos na doutri­na da responsabilidade civil:


A indenização por danos materiais presta­-se ao ressarcimento dos prejuízos e despesas de ordem econômica, ou seja, que podem ser apreci­ados e dimensionados pecuniariamente. As des­pesas médico-hospitalares e a redução de capaci­dade laborativa são os exemplos de danos de na­tureza material mais comuns quando se fala des­te fato pertencente ao campo da infortunística que é o acidente do trabalho.

De seu turno, a indenização pelo dano mo­ral não tem esta natureza ressarcitória, na medi­da em que não corresponde a uma quantia em dinheiro que será destinada ao acidentado para reparar-lhe um dano em interesse de natureza não patrimonial. Em outras palavras, com a indeniza­ção por danos morais não está a se pagar a dor sofrida pela vítima do acidente do trabalho, nem o sofrimento que, eventualmente, este fato tenha trazido para os seus familiares, no caso de sua morte. Os interesses lesados que justificam e au­torizam a condenação do empregador ao paga­mento de indenização por danos morais não têm natureza patrimonial. A indenização por danos morais destina-se, antes, a proporcionar no espí­rito da vítima uma satisfação que reduza o sofri­mento decorrente do fato (acidente do trabalho) que a afligiu.

A partir desta singela exposição podemos estabelecer uma classificação dicotômica acerca dos danos e interesses indenizáveis: 1) quando os interesses lesados forem de natureza patrimonial estaremos frente a um dano material; 2) quando os interesse lesados forem de natureza não patri­monial estaremos diante de um dano moral.

Mas, onde ficam os danos estéticos nesta classificação? São eles danos morais? São danos materiais? Correspondem a um tertio genus?

A última hipótese há de ser desconsiderada de plano, pois os danos estéticos não correspon­dem a uma terceira classe de danos. A única clas­sificação admissível, quando se procura enqua­drar os danos indenizáveis, é aquela dicotômica que já apresentamos. Ou seja, o dano, a ser inde­nizado, ou é material, ou moral, segundo a pre­sença, ou não, de lesões de natureza patrimonial, decorrentes de determinado fato jurídico, no caso, estamos falando do acidente do trabalho.

Maiores elucidações neste sentido serão apresentadas no próximo tópico.


O dano estético. Definição e caracterização.

Segundo o escólio de Maria Helena Diniz,"dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as de­formidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qual­quer aspecto um afeiamento da vítima, consistin­do numa simples lesão desgostante ou num per­manente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não in­fluencia sobre sua capacidade laborativa"1.

O acidente do trabalho pode ou não resul­tar em alteração morfológica do trabalhador víti­ma do infortúnio. Ocorrendo tal alteração morfológica, sendo ou não sendo ela ostensiva, estamos diante de um dano de natureza estética.

A definição da renomada civilista paulista­na aborda o dano estético sob o prisma das lesões que determinado fato deixa na beleza física hu­mana. O que interessa, para o jurista, não é o dano estético em si, enquanto evento do mundo dos fatos, mas sim as conseqüências e repercussões jurídicas dele decorrentes, in casu, o dever de in­denizar.

O dano estético, de regra, resulta em gran­de sofrimento para a vítima, especialmente quan­do a beleza física é para a mesma bem de grande valor. Não é incomum, também, a identificação de perdas de natureza material, como as referen­tes a tratamentos clínicos posteriores e à redução da capacidade para o trabalho da pessoa, mormen­te quando o dano estético se manifesta por muti­lações e/ ou perda da capacidade funcional de determinado órgão ou parte do corpo.

A ação civil de natureza indenizatória que tenha como fundamento jurídico um acidente do trabalho de que tenha resultado lesão de caráter estético pode pleitear a indenização por danos morais e por danos materiais, de forma cumulada ou isolada. Eventual pedido de indenização es­pecífica, e à parte, referente exclusivamente aos danos estéticos não há de ser deferido, eis que as conseqüências das lesões estéticas já constituirão fundamento tanto para o pedido de indenização por danos materiais, caso da lesão estética resul­tem gastos com cirurgias plásticas e demais gas­tos hospitalares, ou ainda em perda ou redução da capacidade para o labor, e também já consti­tuirão, as lesões estéticas, fundamento para o pe­dido de indenização por danos morais, referentes ao sofrimento e à dor que por toda a vida acom­panharão o trabalhador que carregará consigo as marcas do infortúnio.

Observe-se que não estamos pugnando pela não-indenizabilidade do danos estético. Acredi­tamos, apenas, que todas as conseqüências dos danos estéticos podem ser direcionadas no senti­do de fundamentar pedidos de indenização por danos materiais ou morais.

Militam em favor de nossa tese, verbi gratia, os posicionamentos judiciais abaixo, da lavra do augusto TRT da 3ª Região:

Ementa: Dano moral e dano material- "Bis in idem" - Não configuração. O dano material - que compreende os danos emergentes e os lu­cros cessantes - não se confunde com o dano moral, embora decorrentes de um mesmo ato ilí­cito. O dano estético, por sua vez, está englobado pelo dano moral, já que se trata de um só bem jurídico atingido: a integridade e a dignidade humana, ambos direitos da personalidade. Não se configura, portanto, "bis in idem" o deferimen­to de indenização por danos materiais e repara­ção de danos morais, já que são institutos distin­tos, embora gerados por um mesmo ato. De igual modo, não mais persiste a idéia de que não se pode cumular o pedido de ambos na mesma ação. (TRT 3ªR.-1T -RO/6078/01 - Rel.Juiz Jos Marlon de Freitas - DJMG 20.7.01 P.07).

Ementa: indenização por danos. Prejuízo extrapatrimonial. Há dois gêneros de danos: os materiais, economicamente apreciáveis; e os não­materiais, ou morais, impassíveis de apuração econômica, mas também indenizáveis. O dano moral compreende todo prejuízo de ordem ex­trapatrimonial, isto aquele que ocorre no plano ide'al, e que não pode ser aferido de forma rigorosa, po­dendo atingir a honra, a imagem, a psique, o equi­ líbrio íntimo, a integridade física da pessoa, etc. Assim, tanto o prejuízo estético como as dores fí­sicas e interiores sofridas pela vítima represen­tam danos morais, conjuntamente indenizáveis. (TRT 3ª R 6T RO/14139/02 Red. Juiz Ricardo Antônio Mohallem DJMG 19.12.02 p.30).

Ementa: Dano estético - Indenização por dano moral - O conceito de dano moral é bem mais amplo do que" ofensa à honra". Caracteriza o dano moral quando atingido qualquer bem ju­rídico insuscetível de avaliação econômica ou pe­cuniária, o que leva a questão para o campo dos direitos de personalidade, sejam os direitos à in­tegridade física, sejam os direitos à integridade moral. Assim, devida a indenização pelo dano estético sofrido em decorrência de acidente de tra­balho. (TRT 3!! R.- 5T - RO/21016/98 - ReI. Juíza. Taísa Maria Macena de Lima - DJMG 14.8.99 - p. 18).


Não é incomum, entretanto, encontrarmos julgados onde há a admissão das indenizações cumuladas por danos morais e estéticos 2. Os ma­ gistrados que assim pensam admitem tal situa­ção porque, na concessão da indenização, sepa­ram os fatos que podem fundamentar a indeniza­ção por danos morais (a dor do acidente, o sófri­mento) e os que podem fundamentar a indeniza­ção pelo dano estético (lesão à integridade e à harmonia física da pessoa). Segundo o nosso mo­desto pensar todas estas conseqüências do fato, seja a dor, seja a desarmonia física decorrente do dano estético, como resultam em lesões de inte­resse de natureza não patrimonial, merecem uma indenização única, a título de dano moral, tão somente.

Conclusões:

Qualquer fato jurídico que gere a incidên­cia das normas de responsabilidade civil dará ao lesado (vítima), o direito à indenização por da­nos morais e materiais, cumulados ou isolados.

O dano estético é um fato de acendrada im­portância jurídica e capaz de autorizar a vítima a pleitear em juízo a indenização correspondente, a qual há de circunscrever-se às duas modalidades possíveis de indenização, a por danos morais, ou a por danos materiais.

O sofrimento, a dor, a angústia resultantes do dano estético justificam o pleito de uma inde­nização por danos morais, na medida em que esta modalidade de indenização repara os padecimen­tos resultantes da privação de um bem sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridica­mente, no caso a beleza e a integridade físicas.

Se, ainda como resultado do dano estético, puder ser identificado prejuízos de ordem econô­mica, como é o caso de o acidentado ter sua capa­cidade laborativa reduzida, há fundamento para o pedido de indenização por danos materiais.

A condenação ao pagamento cumulado de indenização por danos morais é estético, enten­demos, é uma afronta à lógica jurídica e se consti­tui em bis in idem vedado pela ciência jurídica.


Bibliografia referendada:

DINIZ, Maria Helena. "Curso de Direito Civil Bra­sileiro", 7º volume, Responsabilidade Civil. 15ª ed. rev. atual. 2001. Editora Saraiva. São Paulo.

1 - "Obra referenciada", p. 73.

2 - Julgado do TRT da 3" Região: Ementa: Dano moral e dano estético. Cumulação. Admite-se a cumulação do dano moral e estético, ainda que derivados do mesmo fato, quando possuem fundamentos distin­tos. O dano moral compensável pela dor e constrangimento impostos ao autor e o dano estético pela anomalia que a vítima passou a osten­tar. O dano estético afeta" a integridade pessoal do ser humano, em geral, e em particular a harmonia fisica, concebidas como materiali­zação de um direito humano garantido no nivel constitucional". Ele poderá ser o resultado de uma ferida que gera cicatriz, da amputação de um membro, falange, orelha, nariz, olho ou outro elemento da ana­tomia humana. Quando se constata que um semelhante possui algu­ma parte do corpo alterada em relação à imagem que tinha formado o observador, o fato causa impacto a quem a percebe através de seus sentidos. inegável que esse dano estético provoca também impacto so­bre a percepção da própria vítima, afetada com a diminuição da har­monia corporal. O que se visa proteger não a beleza, valor relativo na vida cotidiana, mas garantir as circunstâncias de regularidade, habi­tualidade ou normalidade do aspecto de uma pessoa; busca-se reparar que o ser humano, vítima da cicatriz, se veja como alguém diferente ou inferior, ante a curiosidade natural dos outros, na sua vida de rela­ção. A reparação não resulta, portanto, do fato de a cicatriz ser repul­siva, embora essa circunstância possa aumentar o quantum ressarci­tório, tampouco de ser sanada mediante uma cirurgia plástica, fato que poderá atenuar o valor da indenização (Grandov, Balldomero e Bascary Miguel Carril/o. eicatrices. Dano estetico y Derecho a Ia integridad fisica. Rosario: Editorial FAZ, 2000, p. 34 e 40). Aliás, o STJ já se pronunciou nesse sentido por meio de suas turmas nos se­guintes acórdãos: 2" T / AGA 276023/ RJ / Relatar Min. Paulo Gallotti / Fonte: DJ / DATA: 28.8.00 /pg: 00068/RSTJ/vol..:00138 pg: 00172; 3" T / REsp n. 254445/ PR / Relator Min. Nancy Andrighi / Fonte: DJ Data: 23.6.03 / pg: 00351; e 4" T / REsp n. 347.978 / RJ / Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar / Fonte: DJ Data: 10.6.02, pg.: 00217. Se O valor fixado pelo juiz considerou os dois aspectos, o dano estético já foi objeto de ressarcimento.(TRT 3ª R, 2ª Turma, 01771-2002-032­03-00-2, RO ReI. Juíza Alice Monteiro de Barros, DJMG 30.7.03 p.l0).
Publicado em Jornal do 4º Congresso Brasileiro de Segurança e Saúde no Trabalho, fls. 37/39, evento realizado em São Paulo entre os dias 24 e 25 de novembro de 2003, sob a coordenação do Dr.Leonídeo F. Ribeiro Filho.