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segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Trinta anos de Constituição

No dia 05/10/2018 a Constituição da República Federativa do Brasil completou trinta anos de vigência, sendo já o terceiro texto constitucional com maior período gerando efeitos jurídicos na história brasileira, superada apenas pelas Constituições de 1824 (outorgada por Dom Pedro I) e pela de 1891 (a primeira do Brasil república), que vigoraram respectivamente por 67 e 43 anos.

O aniversário da Magna Carta tem ensejado debates acerca da compatibilidade da normatização que estabeleceu para o estado e para o cidadão brasileiro, restando em dúvida, para alguns, se o texto constitucional atende aos reclamos atuais da sociedade brasileira. Alguns críticos do texto constitucional chegam ao extremo de propor, a nosso ver temerariamente, uma Assembleia Nacional Constituinte para se debater a elaboração de uma nova Constituição.

Embora para uma análise histórica um período de trinta anos possa ser curto, temos que são aferíveis algumas conclusões deste período de vigência da Constituição Cidadã.

Primeiramente devemos anotar que a CF/1988 nasceu no bojo de um movimento de redemocratização e erigiu precipuamente um estado democrático de direito. Com efeito desde a edição da Magna Carta o povo, titular último do poder, tem podido escolher regularmente seus governantes não havendo uma situação concreta sequer de risco ao hoje sagrado direito ao voto. Ainda que se critique o sistema eleitoral é indubitável que nas últimas três décadas o povo, na acepção jurídica do vocábulo, tem exercido efetivamente o poder político, por seus representantes eleitos.

Verificamos ainda que o conjunto de direitos e garantias fundamentais encartados no texto constitucional, sobretudo no artigo 5º, não encontra paralelo na história jurídica brasileira, assegurando ao cidadão as liberdades individuais necessárias a uma existência digna e segura. O conjunto de direitos e garantias fundamentais figura protegido de qualquer proposta de alteração de visa a mitigá-los (CF/1988, art. 60, § 4º, IV). Em outras palavras, qualquer que seja a linha ideológica do líder político que governe a nação o Estado deverá não apenas respeitar, mas assegurar o cumprimento destes direitos. Ainda que a extensão e o conteúdo concreto destes direitos caiba em última análise ao STF é fato que o rol dos direitos e garantias fundamentais asseguram ao cidadão as liberdades individuais mínimas.

Há pontos merecedores de críticas e de aperfeiçoamento, servindo de exemplo a elevada concentração de recursos financeiros, de competência normativas e de poderes na União, em detrimento dos Estados-membros e dos municípios. Temas como os regimes previdenciário e tributário, os quais demandam inegáveis reformas, não desqualificam a Constituição pois qualquer texto legal está sujeito a evoluções e adequações.

Outro aspecto digno de crítica diz respeito à inexistência de uma Corte Constitucional autêntica, a debruçar-se exclusivamente sobre questões relativas à constitucionalidade das normas. Não raro, nosso Supremo tem perdido tempo imenso debatendo questões criminais, quando deveria dedicar-se integralmente a análise da constitucionalidade das normas.

O saldo destes trinta anos de vigência é positivo. Esperamos que a CF/1988 tenha vigência duradoura, cabendo ao STF a interpretação e aplicação adequada de suas normas, considerando-se os reclamos de uma sociedade em constante transformação e ávida por democracia, por segurança jurídica e pelo respeito integral aos direitos fundamentais.

Nossa Constituição Federal é sólida o bastante para assegurar a continuidade da democracia, independentemente das ideologias políticas que venham a governar o Brasil.

Publicado em 27/10/2018 no blog "Uberlândia Hoje", do jornalista Ivan Santos.

sábado, 15 de setembro de 2018

Você é o Brasil!

O nosso país vive no último quinquênio uma crise de distintos matizes. Trata-se de uma crise econômica, política, gerencial, moral, institucional, enfim, adjetivos não faltam para caracterizar o período conturbado que o povo brasileiro vivencia.

A crise tem refletido na autoestima dos brasileiros de maneira dramática, a ponto de ser generalizado o sentimento de que não há como deter o desenrolar da história, no sentido de que a imoralidade e a corrupção são e serão invariavelmente marca de nosso país. 

Não é incomum se encontrar, nesse grande contingente de desiludidos, manifestações tais como: “o Brasil não tem jeito!”, ou “a corrupção jamais vai deixar de existir” ou ainda “nosso Brasil jamais será uma grande nação”. 

Pois face à persistente crise, associada à absoluta falta de perspectiva de que a combalida classe política possa trazer o país aos trilhos, o sentimento negativo acima exposto, mais do que justificado, é até esperado. 

Porém, segundo nossa modesta análise, este sentimento de descrédito com o nosso país e essa resignação com os males que afligem a nação, sobretudo no campo moral, servem apenas para nos manter neste estado de infindável letargia, dando ensejo à perpetuação do quadro, sem sinais de avanços ou mudanças. 

O primeiro aspecto digno de nota refere-se ao sentimento de alheamento do brasileiro frente aos rumos sombrios tomados pela nação. Pululam nas redes sociais anedotas bem elaboradas e abordagens irônicas de nossa condição. Ora, fazer piada sobre a própria condição, especialmente se tratando de um assunto grave e sério, como os rumos que toma a nação, soa até ridículo! 

A corrupção grassa em Brasília e todos nós acreditamos que nada temos a ver com tal quadro. Porém, algum parlamentar ou líder do Poder Executivo ascendeu ao cargo sem o voto? 

O brasileiro precisa deixar de tratar a condição atual de seu país como o resultado de um processo histórico de governos desastrosos e inconsequentes e perceber em que medida sua omissão e sua conduta contribui para isto. 

O voto bem pensando, o respeito às instituições e às leis e a intolerância à corrupção são ações ao alcance de todos que tem o efeito concreto de propiciar mudanças de cenário. 

Por mais que pareçam ações simples é fato que um significativo contingente de brasileiros insiste em votar em envolvidos em práticas delituosas e ímprobas e, sempre que possível, praticam sem pudor alguns pequenos atos de corrupção como, por exemplo, dar suborno a agentes públicos. 

Estranha-se que um evento irrelevante como uma Copa do Mundo mexa com nossos brios, mas um processo eleitoral, onde serão escolhidos nossos líderes pelos próximos anos, seja tratado com tamanha apatia. Precisamos urgentemente recuperar nosso orgulho, mas não o de pertencer a uma nação vitoriosa no futebol, mas sim o de habitar um país com potencialidades imensas. 

É cômoda a postura de compreender o Brasil como algo alheio a nós, do qual não participamos, ao qual não pertencemos. Quando afastarmos esta compreensão equivocada e compreendermos que nós, todos nós, em conjunto formamos o Brasil, com nossas ações, opiniões e decisões (voto, por exemplo!), seguramente poderemos caminhar na direção de uma nação grandiosa que, inevitavelmente, um dia seremos.

terça-feira, 24 de abril de 2018

A vez de um outsider?

O Brasil vive no último quinquênio um período de grandes tribulações políticas e econômicas.

Enquanto na seara da economia caminhamos para uma estabilidade e um sutil crescimento, no âmbito político estamos muito distantes de uma calmaria.

A confirmação da condenação do ex-presidente Lula em segunda instância e a sua posterior prisão proporcionaram óbices jurídicos que nem magistrados com habilidades de malabaristas poderão afastar. Com este quadro, aquele que se apontava como fortíssimo candidato à vitória no pleito de outubro hoje é uma carta fora do baralho.

Exsurge a questão: quem figurará como o forte candidato ao Planalto? Ou haverá mais de um pretendente que despontará na briga pelo cargo máximo da República?

Ainda que um famoso candidato com passado no Exército tenha liderado as projeções sem Lula acreditamos que a dispersão de votos do petista preso, aliada ao ainda grande contingente de eleitores indecisos não permite desenhar um quadro fidedigno de como ficará o cenário eleitoral vindouro.

As pesquisas apontam para margens pequenas de distância entre os possíveis candidatos, o que demonstra a absoluta indefinição do processo. A verdade é que todos os nomes que se colocaram na disputa têm alguma fragilidade ou deficiência em seu discurso ou histórico que retiram força da candidatura, contribuindo para este quadro de indefinição.

Bolsonaro adota um discurso radical que ao mesmo tempo atrai apaixonados, por outro afugenta milhões. Alckmin sofre com suspeitas de participação em esquemas de corrupção. Marina Silva, assim como Lula, tem uma legião de fiéis eleitores, mas precisaria angariar um significativo contingente de eleitores dentre os de seus adversários para sonhar com a vitória. Ciro Gomes sofre com a pecha de destemperado e explosivo. Michel Temer é o presidente mais rejeitado da história, e nem deveria se candidatar. Henrique Meirelles é o pai intelectual da reforma da previdência, e não precisamos falar mais nada. E por aí vai.

Associa-se a este cenário a desilusão do brasileiro com a velha política. A Operação Lava Jato expôs as podres entranhas do exercício do poder político no Brasil e colocou em descrédito nomes da velha guarda, como os acima citados.

Diante de todas as ponderações acima fica a questão se não seria o momento de um outsider ascender à presidência?

O termo outsider designa aqueles candidatos que, mesmo não sendo do meio político, lançam seu nome ao pleito e, em algumas ocasiões, obtém a vitória. Exemplos históricos não faltam. Em 1.989 o apresentador Sílvio Santos tentou lançar sua candidatura à presidência, mas foi barrado por razões jurídicas. Recentemente o humorista Tiririca mostrou que outsiders podem causar impacto em um processo eleitoral.

Nos EUA, por exemplo, o ator Arnold Schwarzenegger elegeu-se governador da Califórnia e o atual presidente americano Donald Trump, é um outsider.

No Brasil os nomes de dois outsiders repercutiram no cenário eleitoral de 2.018. O apresentador Luciano Huck figurou como potencial candidato durante bom tempo, tendo agora abdicado de se lançar ao Planalto. Por outro lado, um nome já aventado há muito tempo, mas cuja candidatura ainda é uma incógnita tem ganhado força e viabilidade conforme as últimas pesquisas. Trata-se do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa.

Ainda é cedo para se aferir o poder do nome do aposentado magistrado, porém nunca o ambiente político foi tão favorável a um outsider como o que hoje vivemos. Praticamente nada se sabe sobre as ideias e projetos de Barbosa para as diversas áreas da administração estatal, porém o seu perfil altivo, combativo e independente e sua história sem máculas quanto a envolvimentos em corrupção encerram virtudes ultravaliosas aos brasileiros que almejam por um novo país e por uma nova política.

Não seria fácil a um outsider desbancar as velhas raposas da política nacional. Mas se algum candidato de fora do jogo tiver de ganhar, talvez 2018 seja o momento perfeito.

sábado, 27 de janeiro de 2018

O ocaso de Lula

Luiz Inácio Lula da Silva é figura onipresente no cenário político brasileiro há quase quatro décadas.

De seu surgimento a partir do movimento sindical no ABC paulista, passando pela fundação do outrora ultrapoderoso Partido dos Trabalhadores e chegando à sua jornada rumo à presidência da República assistimos à edificação de uma personalidade política complexa e polêmica, capaz de arrebatar o amor de milhões e a igualmente a aversão severa de muitos.

Lula ascendeu ao posto mais alto da República em sua quarta tentativa, tendo conduzido o país em dois mandados de inegável progresso econômico e social, tanto que angariou capital político para criar uma nova presidenciável, a senhora Dilma Rousseff, a partir de uma discreta e nada simpática Ministra da Casa Civil.

Tudo se encaminhava para uma longa dinastia do PT à frente do comando da nação, mas a difícil e conturbada eleição de Dilma em 2014, passando pelo seu impeachment em 2016 e pelo severo encolhimento do partido nas últimas eleições federais e estaduais desenhavam um quadro de alto risco para as pretensões política de Lula.

Pois em 2017 veio o primeiro golpe forte na potencial candidatura do líder petista. A condenação em primeiro grau pelo famoso juiz federal de Curitiba colocou em xeque a viabilidade da nova caminhada ao Planalto. O retumbante 3x0 no julgamento da apelação penal, ocorrido em 24/1/18 que só não manteve a condenação, como majorou a pena anteriormente fixada trouxe entraves jurídicos que somente com malabarismos interpretativos das normas sobre inelegibilidade poderão ser superados, dando ensejo a um casuísmo ultrajante ao estado democrático de direito.

Lula está colocado em uma posição deveras desconfortável. Ainda que não paire dúvida quanto ao seu poderio eleitoral, dado os trinta por cento do eleitorado que não arredam pé de apoiá-lo, seu discurso pró-candidatura não deixará de atingir dois inegáveis pilares da democracia, quais seja a lei e o poder judiciário. Sou crítico do ativismo judicial, mas a ação penal que colocou Lula contra a parede não se enquadra em ativismo, mas sim o exercício do poder estatal de investigar, julgar e punir.

Caso Lula consiga desembaraçar sua candidatura e eleger-se mediante decisões judiciais inovadoras, mediante interpretações casuísticas e indutivas da lei, em clara afronta à jurisprudência podemos estar diante de uma autêntica vitória de Pirro, onde os custos da mesma, colocados na balança, a assemelham a uma fragorosa derrota.

Por mais que seus asseclas teimem em fazer vista grossa às imensuráveis consequências da confirmação da condenação do sr. Lula, ocorrida em 24/01/18 perante o Tribunal Regional Federal da 4ª região é induvidoso que a vida política e pessoal deste líder político restou severamente maculada.

Não só o risco de encarceramento ou de inelegibilidade pairam sobre Lula, atormentando-o. Mesmo uma vitória na corrida ao Planalto, obtida mediante a subversão da lei, não deixaria de ser o sepultamento de sua carreira política, pois Lula terá sido o cidadão que subjugou o estado e a lei, afrontando as bases de nossa organização política e de nossa democracia. 

Publicado na edição de 27.01.2018 do Jornal da Manhã, de Uberaba e no Blog Uberlândia Hoje do jornalista Ivan Santos, também em 27.01.2018.