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domingo, 29 de junho de 2008

A execução de contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho:As incoerências do parágrafo 3º do art. 114 da Constituição Federal:

* artigos jurídicos devem ser analisados, tendo-se por base o direito positivo vigente à época da publicação.

Apresentação:

A Emenda Constitucional n. 20/98, que veiculou a chamada reforma da previdência, modificou a estrutura do art. 114 da Constituição Federal, atribuindo ao juiz do trabalho a competência para executar de ofício as contribuições sociais previstas na letra" a" do inciso I e no inciso II do artigo 195 da Constituição Federal, "decorrentes das sentenças que proferir" (art. 114, §3º, CF 1.988), quais sejam:

"I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

[ ...]

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o artigo 201;" (nova redação, dada aos incisos pela Emenda Constitucional n. 20/98).

Grande ceIeuma doutrinária sobreveio à instituição, através da Emenda Constitucional n. 20, da possibilidade de execução das contribuições previdenciárias pela Justiça do Trabalho, contribuições estas decorrentes das sentenças proferidas no seu âmbito.

Discutiu-se, inicialmente, acerca de sua possível inconstitucionalidade (possível desrespeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório), bem como com respeito à possibilidade de aplicação imediata da novel norma constitucional.

A tese da inconstitucionalidade não vingou pois as vozes que a defendiam não conseguiram provar indevida incursão da emenda número 20 pelo campo das matérias vedadas (art. 60, parágrafo 4º, CF).

Igualmente, não se verifica desrespeito algum a limitações implícitas, pelo que a constitucionalidade da emenda, ao proceder à alteração dos artigos 114 e 195 da CF/88, é indiscutível.

Não prevaleceu também a tese da não-aplicabilidade imediata da regra do parágrafo 3º do artigo 114 pois o legislador constitucional não exigiu medidas legais posteriores (não usou da clássica fórmula legislativa "nos termos da lei").

De fato, surgiram inicialmente procedentes dúvidas relativas ao rito a ser seguido, as quais, entretanto, foram fulminadas com a promulgação da Lei n. 10.035, de 25 de outubro que, alterando diversos dispositivos da CLT, estabeleceu os procedimentos, no âmbito da Justiça do Trabalho, de execução das contribuições devidas à Previdência Social.

Todas estas questões encontram-se devidamente esclarecidas e pacificadas na doutrina e na jurisprudência não carecendo, desta arte, de maiores considerações.

Mas este comento não visa analisar assuntos já sedimentados e suficientemente debatidos. Objetiva a discussão de dois temas complexos, relacionados à inclusão do parágrafo 3º no art. 114, do Estatuto Maior, os quais não foram adequadamente esclarecidos no âmbito doutrinário. A eles nos referimos como: o desvirtuamento da competência da Justiça do Trabalho; o injustificável desrespeito ao princípio processual da inércia.

Passamos, doravante, à análise deste dois temas.

O desvirtuamento da competência da Justiça do Trabalho:

A competência da Justiça do trabalho está expressamente consignada no caput do art. 114 da CF-88, nestes exatos termos:

"Art. 114 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas."

Infere-se, da atenta leitura da norma constitucional em estudo, que a Justiça do Trabalho destina-se a processar, conciliar e julgar uma espécie bem peculiar de lide, qual seja aquela que se trava entre empregado e empregador (elemento subjetivo da lide), decorrente da relação de trabalho (relação jurídico-material subjacente, secundária).

Cotejando-se as regras do art. 114, parágrafo 3º com as do art. 195, I, a) e II infere-se que o legislador constitucional criou uma novel modalidade de lide sujeita ao foro trabalhista, qual seja aquela que se trava entre o empregado e o INSS (art. 195, II) e entre o empregador e aquela autarquia federal (art. 195, I, a), cuja relação jurídico¬material subjacente corresponde a uma obrigação tributária.

Embora não se trate, por óbvio, de dispositivo inconstitucional, temos que o parágrafo 3º desvirtuou a regra de competência do caput, de vez que deferiu à JT competência para processar uma modalidade de litígio totalmente distinto, nos aspectos subjetivo e objetivo, daquele originalmente subsumido à sua competência qual seja, lide empregado/ empregador, gerada no bojo de uma relação empregatícia.

Malgrado a nossa oposição ao mencionado desvirtuamento da competência da JT admitimos a tese contrária, eis que a redação do caput do art. 114 pode avalizar referidas ampliações, desde que não se interprete o referido dispositivo restritivamente.

O injustificável desrespeito ao princípio processual da inércia da jurisdição:

Igualmente, não se justifica a exigibilidade de que o magistrado proceda de ofício, quando da execução das contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças por ele proferidas.

Reza o artigo 2º do Código de Processo Civil que a jurisdição atua por provocação da parte interessada. E o princípio da inércia, um dos fundamentos do processo moderno.

Verdade é que existem exceções em todos os campos do processo, do cível ao criminal, passando pelo trabalhista.

Cite-se, a título de informação a convolação de concordata em falência, a arrecadação de bens de ausentes e incapazes, a exibição de testamento e a abertura de inventário, no processo civil. A expedição de ofício de ordem de habeas corpus, e a expedição da carta prevista no art. 145 da L.E.P, para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, no processo crime. Por fim, não podemos olvidar da regra do art. 878 da CLT, que permite ao juiz do trabalho dar início, de ofício, à execução trabalhista em face do empregado ou do empregador.

As exceções, cuja lista taxativa foi apresentada, apenas evidenciam o rigor do princípio da inércia, uma conquista histórica do processo moderno.

Todas as exceções à regra encontram fundamento em interesses e direitos maiores, como o da segurança jurídica (arrecadação de bens de ausentes e incapazes), do interesse social (convolação de concordata em falência), do direito de liberdade (habeas corpus ex officio) etc.

Não encontrando-se fundamento consistente para exceções à regra processual da inércia, não pode a mesma prosperar. O caso em tela infringe flagrantemente o princípio da inércia pois a regra inserta no parágrafo 3º determina que o juiz execute ex officio as contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças por ele proferidas. Não encontramos justificativa aceitável para esta não¬obediência ao art. 2º do Cpc.

Ou será que o fundamento para o desrespeito a tão importante regra processual estaria no desequilíbrio dos cofres da previdência, os quais encontram-se ávidos de mais recursos para cobrir o rombo decorrente do sistema previdenciário adotado?

Desculpamo-nos pela ironia, mas certo é que não há justificativa plausível para a exceção em comento, ainda mais tendo-se em conta que a autarquia federal INSS dispõe de eficiente e numeroso corpo de procuradores (l), estes sim aptos, no nosso entender, a solicitar a execução daquelas contribuições previdenciárias.

Em resumo, ou se apresenta uma razoável justificativa para qualquer exceção ao princípio da inércia, ou a exceção não há de ser admitida na moderna sistemática do processo.

In casu, malgrado nossos esforços, não logramos êxito no trabalho de identificar o fundamento aceitável para a exceção insculpida no art. 114, parágrafo 3º da CF. Isto sem mencionarmos que, conforme o caso, a execução levada a efeito pelo magistrado pode até colidir com interesses do INSS que pode, por exemplo, desejar negociar (parcelar) o débito ou então executar o crédito em um momento que lhe seja oportuno.

Considerações Finais:

Não foi objetivo deste estudo, breve e singelo, a análise da repercussão da inovação implementada no âmbito do processo do trabalho e da competência da Justiça Laboral.

Não foi a nossa intenção verificar se foi viável ou não a modificação verificada. Isto demandaria trabalhosa pesquisa de campo, com vistas à colheita de opiniões de magistrados, advoga¬dos e procuradores do INSS, através das quais poder-se-ia dessumir o grau de receptividade que mereceram as modificações processuais insertas no parágrafo 3º do art. 114.

Circunscreveram-se as considerações a aspectos de ordem técnica e, neste particular, o co-mentado parágrafo 3º é digno de acerbas críticas.

A ampliação da competência da Justiça do Trabalho pode até ser defendida, conforme se interprete o art. 114, caput de maneira mais ou menos restritiva.

Entretanto, no que atina à execução ex officio das contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças proferidas em sede de processo laboral pedimos a devida vênia para não admitir esta exceção à regra da inércia da jurisdição, dada a falta de uma sólida justificativa para a mesma.
Não podemos concordar com este rebaixamento da Justiça Laboral à categoria de "cobradora" de dívidas do INSS.

Respeitamos a tese dos que se manifestam integralmente favoráveis às inovações proces­suais implementadas no seio da Emenda 20/98, no entanto, a exigibilidade de que o magistrado do trabalho execute as contribuições devidas ao INSS não respeita a moderna sistemática proces­sual pátria, pois impõe a um magistrado uma obrigação legalmente deferida a uma autarquia federal sem que, para este proceder, existam ra­zões plausíveis.

(1) Só no ano de 2002 foram realizados dois concursos para procura¬dores federais para cobrir um total de mais de 1.280 vagas. Destas, a grande maioria será destinada à autarquia INSS.
Publicado no Jornal do 16º Congresso Brasileiro de Previdência Social, fls. 55/57, evento realizado em São Paulo entre os dias 24 e 25 de março de 2003, sob a coordenação do Dr. Wladimir Novaes Martinez e na Revista de Previdência Social, editora Ltr, v.28, n.280, Mar. 2004, pg. 256.

Contributo para um melhor enquadramento científico dos princípios em direito e processo do trabalho


Apresentação:

Não se destina esta tese à análise particular de qualquer princípio de direito material do trabalho ou de processo do trabalho.

Objetivamos, antes, apresentar algumas incongruências que, freqüentemente, encontramos nos manuais destes ramos do saber jurídico, incongruências estas resultantes de um trato pouco diligente dedicado ao importante tema "princípios", o que redunda em contradições lógicas e num sub-aproveitamento destes importantes institutos da dogmática jurídica.

Constitui ainda objetivo deste breve estudo a definição e enquadramento científico das diversas modalidades de princípios que tramitam pela seara do direito material e processual do trabalho, sempre no intuito de sorver dos princípios todo o seu potencial esclarecedor, informativo e organizativo.

Os princípios: generalidades científicas:

Celso Antônio Bandeira de Mello define princípios como mandamentos nucleares de um sistema. Embora sintética, a definição do grande mestre administrativista é elucidativa, expondo a função primordial dos princípios, qual seja a de servir de comandos gerais, irradiadores de normas específicas, a serem aplicadas sobre o sistema ao qual pertencem.

Diversos princípios encontram previsão expressa na lei ou na Constituição (citem-se os princípios processuais constitucionais), entretanto, a maioria dos princípios estudados em sede de direito do trabalho e em processo do trabalho não tem previsão literal, sendo, doutrinariamente, dessumidos do sistema que regem.

São incontestáveis as vantagens e facilidades oferecidas pelos princípios ao estudo científico de determinada área do saber jurídico, ap¬recendo como regras de interpretação, como fontes do direito, orientando e informando o exegeta e os aplicadores do direito.

A trilogia que propomos: princípios materiais do trabalho, princípios processuais do trabalho e princípios procedimentais do processo do trabalho:

Os princípios materiais do trabalho, também alcunhados de princípios do direito do trabalho, destinam-se, basicamente, à proteção do empregado, incidindo na relação jurídico-empregatícia

São princípios imanentes às normas laborais, cuja observância é imperiosa e inafastável, pena de desvirtuamento de todo o arcabouço protetivo desenhado pelo Texto Magno e pela legislação infraconstitucional, notadamente pela CLT. Estes princípios viabilizam e tornam efetivo o caráter protetivo do direito do trabalho, sem o que o contrato de emprego corresponderia a um mero contrato de prestação de serviços, regido pelas frias e individualistas regras do direito comum.

América PIá Rodriguez, jurista sul-americano de renome mundial, desenvolveu profundamente o tema em testilha na sua clássica obra "Princípios de Direito do Trabalho", apresentando os princípios fundamentais de direito do trabalho, quais sejam: 1) o da proteção; 2) o da irrenunciabilidade dos direitos; 3) o da continuidade da relação de emprego; 4) o da primazia da realidade; 5) o da razoabilidade e; 6) o da boa-fé. César P. S. Machado Jr. acresce o princípio da isonomia de tratamento de trabalhadores em iguais condições, opinião à qual aderimos, em face de expressos dispositivos constitucionais (art. 7°, XXXI a XXXIII).

Ao elenco principio lógico apresentado por América PIá Rodriguez apomos críticas à menção de dois princípios: o da boa-fé e o da primazia da realidade.

A adoção do princípio da boa-fé como princípio material do trabalho é desnecessária, sendo, juridicamente, supérflua. Isto porque princípios como o da boa-fé, da justiça, da vedação ao enriquecimento ilícito são inerentes à própria natureza do direito contratual, aplicando-se a todos os contratos, independentemente de sua natureza (não existem, portanto, apenas no âmbito dos contratos de emprego). Agiu mal o mestre uruguaio quando colocou, no bojo dos princípios materiais do trabalho, um princípio geral dos contratos, eis que sua enumeração quedaria mais bem elaborada cientificamente se apresentasse unicamente os princípios reitores específicos do direito material do trabalho, e responsáveis pela sua identidade particular.

Semelhante comentário pode ser feito no que pertine ao princípio da primazia da realidade eis que, pela via judicial, toda contrariedade ao real pode ser elidida em sede de ação, valendo o documento escrito como mera presunção relativa (juris tantum). Não corresponde, portanto, o princípio a uma peculiaridade do direito laboral, mas a sua colocação entre seus princípios, embora não adequada cientificamente, justifica-se pela prática encontradiça no âmbito dos contratos de emprego, onde os escritos nem sempre correspondem ao que se verifica no mundo fático.

Se os princípios materiais do trabalho destinam-se à proteção jurídica do empregado, disciplinando a relação jurídico-material, os princípios processuais (ou princípios do processo do trabalho) disciplinam a relação jurídico-processual, decorrente de uma lide gerada no bojo de um pacto de labor ou no cumprimento das normas trabalhistas. Tem a finalidade de regular a dinâmica relação processual de seu nascedouro (citação válida) até o seu término, viabilizando a escorreita aplicação do direito e a conseqüente pacificação social.

Os princípios processuais têm seu fundamento no Texto Constitucional, em diversos de seus incisos.

Nélson Nery Jr. elaborou consistente estudo acerca dos princípios processuais, tendo desenvolvido com primor os princípios processuais decorrentes do due process que, no nosso modesto entendimento, hão de se aplicar a todas as modalidades de processo, vez que a Constituição Federal, ao disciplinar o devido processo legal, não fez exceção alguma, pelo que os princípios processuais nunca poderão ser tomados para efeito de se distinguir as espécies de processo, aplicando-se como todo o rigor em quaisquer modalidades de relação processual, sob pena de ser declarado inconstitucional o ato processual que não respeite, rigorosamente, os princípios de proces¬so ditados pela Lei Maior.

Entre referidos princípios derivados do devido processo legal incluiríamos, dentre outros, o do contraditório, o da ampla defesa, o da publicidade, o da inadmissibilidade de provas ilicitamente obtidas, da motivação das decisões judiciais, do juiz natural e do duplo grau de jurisdição. Seria inconcebível e atentatório à Constituição admitir que algum destes princípios se aplique de modo distinto segundo cada um dos ramos do processo, pelo que falar em princípios processuais do trabalho é adequado sob o prisma da didática jurídica (A), ou seja, quando se estuda o processo do trabalho cotejando-se aqueles princípios com as especificidades e peculiaridades do processo laboral, visualizando, na prática, a aplicação dos mesmos. Em resumo, os princípios processuais não têm cores civis, nem penais, nem trabalhistas, mas sim um colorido unicamente constitucional.

A verdadeira identidade do processo do trabalho é-nos dada não pelos seus princípios processuais que, a rigor, em nada se distinguem dos princípios do processo civil ou penal, mas sim pelos seus princípios procedimentais do processo do trabalho, estes sim aptos à distinção do processo laboral frente a todas as demais modalidades de processo.

Analisando-se as normas procedimentais do processo do trabalho infere-se que o legislador objetivou a criação de um procedimento rápido, sem formalidades excessivas, econômico e, sobretudo, efetivo. Referida rapidez e efetividade é buscada através da adoção de princípios tais como o da oralidade, celeridade, informalismo, economia, jus postulandi, conciliação e concentração.

Os princípios procedimentais informam o "modo de ser" de determinado rito processual dando-lhe uma feição célere ou morosa, solene ou informal, econômica ou dispendiosa, onde prevaleça a palavra escrita ou oral etc. É absolutamente correto o tratamento destes princípios enquanto princípios procedimentais do trabalho, uma vez que destinam-se os mesmos a servir de regras gerais informadoras e orientadoras do procedimento praticado em sede de processo do trabalho. O rito procedimental, portanto, admite uma pluralidade de formas e modelos possíveis, segundo a natureza da lide cuja solução se postula.

Infere-se que não há de se confundir princípios processuais com princípios procedimentais. Aqueles têm abrigo especialmente na constituição e se aplicam indistintamente em toda modalidade de relação processual, ao passo que estes (os procedimentais) se revestem de peculiaridades, decorrentes do rito processual que informam, e são dessumidos do desenho dado pela lei processual a determinado rito procedimental.

Em resumo, os princípios processuais têm abrigo constitucional e orientam a criação da lei processual, a sua aplicação, e são utilizados para solucionar dúvidas que podem surgir da aplicação de determinada norma do processo. De seu turno, os princípios procedimentais são obtidos a partir das características mais ostensivas de determinado rito, seja ele mais simplório, como o sumaríssimo, seja ele mais complexo, como o ordinário.

Insignes processualistas, infelizmente, não percebem esta clara diferenciação, tratando sob o mesmo título os princípios processuais e os pro¬cedimentais. Cite-se Humberto Teodoro Júnior, que discorre sobre os princípios da economia e da eventualidade (princípios eminentemente procedimentais), em conjunto com os verdadeiros princípios processuais.

Referidas observações podem até parecer meros academicismos, entretanto, aqueles que manejam as palavras e discorrem sobre ciência jurídica devem, invariavelmente, buscar sempre a precisão vocabular, pois sobre ela se transmite todo o conhecimento jurídico.

Conclusão:

O vocábulo princípios é encontradiço nos manuais de ciência jurídica, entretanto, não são os mesmos submetidos ao tratamento científico que merecem.

Esta facilidade no manuseio dos princípios resulta em um uso inadequado de toda sua potencialidade orientadora, informadora e elucidativa.

Nas palavras acima colocadas, sem a menor pretensão de originalidade, objetivamos apresentar algumas incoerências verificadas, bem como a solução que entendemos mais lógica e que mais respeite uma classificação científica dos princípios no âmbito do direito e do processo do trabalho.

No âmbito do direito do trabalho, evidenciamos a excelência do trabalho de PIá Rodriguez que bem captou o espírito protetor das normas trabalhistas, traduzindo-o numa enumeração principiológica de grande valor prático e informador. Não deixamos, entretanto, de apor críticas à colocação de princípios gerais do direito contratual no bojo dos princípios do direito do trabalho (princípios materiais), muito embora esta colocação possa até se justificar em face de práticas ilícitas verificadas nas relações trabalhistas.

Demonstramos ainda que princípios processuais não hão de ser confundidos com princípios procedimentais, ao contrário do que faz boa parte da doutrina, e que estes variam de processo para processo, de rito para rito, sendo mais adequados à caracterização e identificação de qualquer modalidade procedimental.

A percepção da natureza eminentemente constitucional dos princípios processuais é fundamental para uma boa administração do processo e para o seu adequado estudo, eis que sendo normas de tão elevada natureza sua rigorosa obediência se faz necessária.

Bibliografia consultada:

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. "Curso de Direito Administrativo";
MACHADO JR., César P. S. "Direito do Trabalho". NÉRY JR., Nélson. "Princípios de Processo Civil na Constituição Federal";
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. "Princípios de Direito do Trabalho".
TEODORO JR, Humberto. "Curso de Direito Processual Civil".

Nota explicativa:

(A) Referidas afirmações podem ser confirmadas por um breve passar de olhos pelas páginas iniciais dos manuais de processo do trabalho. Percebe-se que, sob a designação de princípios do processo do trabalho, são tratados os princípios gerais e fundamentais do processo, realçando-se, apenas, situações do processo do trabalho onde tem aplicação os princípios em análise.
Publicado em Jornal do 15º Congresso Brasileiro de Direito Processual do Trabalho, fls. 25/27, evento realizado em São Paulo entre os dias 29 e 30 de julho de 2003, sob a coordenação do Dr. Amauri Mascaro Nascimento

sábado, 28 de junho de 2008

Questões controvertidas acerca da exigibilidade da prática forense nos concursos jurídicos



1 – Apresentação:
Diversos concursos exigem, como condição de ingresso na carreira jurídica, a satisfação do requisito de ter o candidato desempenhado a prática forense durante certo lapso de tempo.
Seguramente, tal exigência tem gerado inúmeras disputas judiciais atinentes, sobretudo, ao sentido e à amplitude que hão de ser atribuídos à expressão “prática forense” e, ainda, ao correto momento de se exigir do candidato a prova da satisfação do requisito.
Vozes há, ainda, que se levantam até contra a constitucionalidade de tal exigência, tachando-a de desarrazoada e excessiva.
Neste brevíssimo estudo trataremos destas questões, apreciando como o STF e o STJ têm se posicionado sobre o assunto mencionando, ainda, como o tema foi tratado na decantada reforma do judiciário, veiculada recentemente pela EC 45/2004.

2 – A constitucionalidade da exigibilidade da prática forense nos concursos jurídicos:
Reza o artigo 37, I da Constituição Federal que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei” (grifamos).
Estando a exigência da prática forense respaldada na lei nenhuma impugnação judicial ou administrativa há de opor à mesma, eis que cabe ao legislador estabelecer os requisitos que considera relevantes para efeito de acessiblidade àquele cargo.
Observe-se, no entanto, que a exigência, conquanto prevista em lei, deve obedecer a um critério lógico e razoável, devendo ser pertinente ao cargo respectivo, de modo que se vislumbre a real necessidade de que o futuro ocupante daquele cargo satisfaça aquele requisito, pois do contrário a mesma há de ser considerada excessiva, impertinente e, portanto, inconstitucional. Disso decorrem, a título de exemplo, exigências rigorosas em termos de idade, sanidade e aptidão física para carreiras policiais e militares, em que se fará uso pleno de todo o potencial físico em diversas situações.
No caso específico dos concursos jurídicos há vozes que se levantam contra a exigência da prática forense, argumentando ser a mesma desarrazoada e inapta a satisfazer os fins a que se propõem, quais sejam o de restringir o acesso ao cargo a pessoas razoavelmente experimentadas na militância no foro.
Celso Spitzcovsky
[2] é um dos sequazes da tese de que é descabida a exigência da prática forense nos concursos jurídicos. Entende o nobre professor e advogado que a exigência fere o princípio da razoabilidade administrativa, na medida em que a mesma, dada a amplitude do significado que pode se dar à expressão “pratica forense” não permitiria se averiguar com precisão se de fato o candidato está ou não habilitado a ingressar na carreira jurídica pleiteada, além de reputar a exigência da prática forense como inapta a se averiguar concretamente se de fato o candidato é ou não dotado de alguma experiência jurídica.
Com efeito, o professor está correto em afirmar que ressente de conteúdo mais definido a expressão prática de atividade jurídica, entretanto, compreendemos que tal circunstância não é hábil para, por si só, afastar a exigência da prática forense nos concursos jurídicos.
Com tal requisito se procura, sobretudo, exigir do candidato a uma carreira jurídica que adquira intimidade básica com a labuta e a dinâmica no foro, do que, indiretamente, decorrem experiência e diversos conhecimentos práticos indispensáveis ao bom desempenho de qualquer ofício na seara jurídica.
A exigência, portanto, é razoável e não pode ser tachada de inconstitucional uma vez que não se encontra arbitrariedade alguma na sua colocação entre os requisitos de ingresso na carreira jurídica.
Situação inconstitucional, a seu turno, seria a da hipótese de o requisito da prática forense estar previsto no edital, ou mesmo em algum ato normativo-administrativo (regulamento do concurso, resolução do tribunal etc) sem, entretanto, o devido respaldo na lei.
Em tal situação a exigência é descabida e afronta a própria constituição, uma vez que somente a lei em sentido formal está habilitada, constitucionalmente, a estabelecer as exigências para ingresso nos cargos públicos, sejam eles jurídicos ou não (CF/88, art.37, I).
Confira-se, neste sentido, ementa do acórdão proferido pelo STF no julgamento da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n. 1.188 MC/DF.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LIMINAR -
CONCURSO PUBLICO - JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO - REQUISITOS - IMPOSIÇÃO VIA ATO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Exsurgindo a relevância jurídica do tema, bem como o risco de serem mantidos com plena eficacia os dispositivos atacados, impõem-se a concessão de liminar. Isto ocorre no que previstos, em resolução administrativa do Tribunal Superior do Trabalho, requisitos para acesso ao cargo de juiz estranhos a ordem jurídica. "Apenas a lei em sentido formal (ato normativo emanado do Poder Legislativo) pode estabelecer requisitos que condicionem ingresso no serviço público. As restrições e exigências que emanem de ato administrativo de caráter infralegal revestem-se de inconstitucionalidade." (José Celso de Mello Filho em "Constituição Federal Anotada"). (Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 23/02/1995, Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO, Publicação: DJ DATA-20-04-95 PP-09945 EMENT VOL-01783-01 PP-00109) (grifou-se)

A exigência da prática forense como condição para ingresso na carreira jurídica é legítima e constitucional sendo este o entendimento dominante no STF e no STJ, devendo tal exigência, entretanto, estar prevista em lei, sob pena de padecer do inafastável vício da inconstitucionalidade.

No que atina, especificamente, às carreiras da magistratura e do Ministério Público a Emenda Constitucional 45/2004, que veicula a “reforma do judiciário” impede qualquer debate acerca da inconstitucionalidade da exigência, uma vez que trouxe para dentro do próprio texto magno a exigibilidade de, no mínimo, três anos de efetiva atividade jurídica como condição de ingresso nas carreiras de juiz (de direito, federal, militar e do trabalho), de promotor de justiça estadual e de procurador da república, militar e do trabalho.

A mencionada Emenda Constitucional n.45 deu nova redação ao artigo 93, I, da Cf/88, o qual trata da carreira de juiz, nestes termos: “Art. 93. I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação”; (grifamos)
No que atina às carreiras do Ministério Público foi a seguinte a modificação introduzida pela Emenda Constitucional n.45/2004: "Art. 129, § 3º - O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação. “ (grifamos)
Infere-se ainda que as normas introduzidas pelas emendas falam de prazos mínimos, pelo que o legislador ordinário poderá majorá-lo, se lhe parecer conveniente
[3].

3 – O sentido e a amplitude da expressão “prática forense”:
Normalmente os editais de concursos jurídicos, depois de mencionarem a exigência da prática forense como condição de acesso ao cargo, definem quais atividades se entendem por incluídas em tal expressão.
Citemos, a título de exemplo, o Edital n.02/2004, de 23/07/2004, que disciplina o último concurso para o cargo de advogado da União.
Com efeito, dispõe tal edital que:

“2.1.4.1 Será considerado como prática forense:
a) o efetivo exercício da advocacia, na forma da Lei n.º 8.906, de 1994, a abranger a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais, como as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas, sob inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil;
b) o exercício de cargo, emprego ou função publica, privativos de bacharel em Direito, sejam efetivos, permanentes ou de confiança;
c) exercício profissional de consultoria, assessoria ou diretoria, bem como o desempenho de cargo, emprego ou função pública de nível superior, com atividades eminentemente jurídicas.
2.1.4.2 Admitir-se-á, também, quanto à exigência legal relativa a dois anos de prática forense, apenas a comprovação de igual período de estágio, desde que observadas a legislação e os demais atos normativos regedores da hipótese.”


Percebe-se que a norma editalícia, conquanto não coloque o estágio no âmbito da prática forense, reconhece ser o mesmo idôneo a fornecer referida prática, na medida em que admite a satisfação do requisito por meio da prova de ter o candidato estagiado por, no mínimo, dois anos.
A Lei Complementar n.59, de 18 de janeiro de 2.001, que cuida da organização e divisão judiciárias do estado de Minas Gerais, trata do tema no seu artigo 165, VI, ao mencionar como requisito para inscrição no concurso da magistratura estadual comprovar o candidato, pelo menos quatro anos de efetivo exercício, a contar da colação de grau, como magistrado, promotor de justiça, advogado ou servidor público ocupante de cargo ou função para cujo desempenho sejam exigidos conhecimentos privativos de bacharel em direito, a juízo da comissão examinadora.
O ingresso na magistratura mineira, portanto, está sujeito a normas mais rígidas, de tal forma que não se admite a contagem de tempo de estágio, para satisfação do requisito da prática forense.
A Lei 5.010, de 30 de maio de 1.966, que dispõe sobre a organização da Justiça Federal, assim se posiciona sobre o tema, em seu artigo 21, V:
“Com o pedido de inscrição o candidato apresentará certidão que comprove o exercício, por 2 (dois) anos
[4], de advocacia ou cargo para o qual se exija o diploma de bacharel em direito”.
Percebe-se que as normas que regem o ingresso na magistratura federal são mais rígidas ainda, eis que, além de inadmitir o estágio, também exige que o tempo requerido de prática forense seja cumprido na advocacia ou perante um cargo privativo de bacharel em direito.
O rigor frio da lei federal excluiria, por exemplo, escreventes judiciários eis que, apesar de tais servidores terem imensa intimidade com o exercício da atividade jurisdicional, não ocupam um cargo privativo de bacharel em direito.
Estas breves citações servem apenas para demonstrar que a definição de prática forense comporta variações substanciais e, dado o rigor com que os editais e as leis têm tratado do assunto, tem gerado disputas judiciais perpetradas por aqueles candidatos que, desejando continuar no certame, não podem satisfazer com precisão a exigência prevista na lei.
Em face de tal quadro contam-se centenas de mandados de segurança tramitando em nossos tribunais, com vistas a elastecer ao máximo o sentido da prática forense, no intuito de abranger o estágio e até mesmo a pesquisa jurídica.
E a jurisprudência dominante no STJ é simpática a referida ampliação, tendo dado à “prática forense” o sentido mais amplo possível, abrangendo até mesmo o estágio realizado no âmbito das faculdades de direito.
Citem-se os seguintes julgados, todos recentes e da lavra do STJ, bastante elucidativos neste sentido:

“RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DEFENSORIA ESTADUAL. PRÁTICA FORENSE. EXIGÊNCIA SOMENTE DAQUELA EXERCIDA JUNTO A DEFENSORIAS E APÓS A CONCLUSÃO DO CURSO DE DIREITO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. CONCEITUAÇÃO AMPLA ACERCA DO QUE COMPREENDE A PRÁTICA FORENSE.Nos termos de farto entendimento jurisprudencial, para fins de comprovação para participação em concurso público, o conceito de prática forense é abrangente, incluindo atuação como advogado, no foro e até mesmo estágio em faculdades.A exigência do edital, quanto a se considerar o estágio somente aquele praticado em defensorias públicas e após a conclusão do curso, não encontra amparo na legislação, nem eco na jurisprudência. Recurso provido. (RESP 399345/RS, Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, Data do julgamento: 18/06/2002, DJ 05.08.2002 p. 393).” (grifamos)

“MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRÁTICA FORENSE. CERTIDÃO EXPEDIDA PELO TRF/2º REGIÃO. LOTAÇÃO EM CARGO DE ASSISTENTE DATILÓGRAFO. NÃO COMPROVAÇÃO DE TER REALIZADO ATIVIDADE CAPAZ DE PROPICIAR CONHECIMENTOS FORENSES.É pacífico o entendimento nesta Corte Constitucional de Justiça de que o conceito de prática forense comporta amplitude, de modo a albergar as atividades realizadas perante Tribunais, Juízos de primeira instância e estágios nas Faculdades de Direito, no entanto, a simples certidão emitida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, atestando lotação em cargo de Assistente Datilógrafo, não comprova, por si só, a realização de atividade capaz de propiciar conhecimentos forenses. Embargos rejeitados. (EDcl no MS 6623/DF - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA 1999/0095147-6, Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, TERCEIRA SEÇÃO, Data do julgamento: 23/06/2004, DJ 02.08.2004 p. 296).” (grifamos) “RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRÁTICA FORENSE. ELASTICIDADE DA CONCEITUAÇÃO. TÉCNICO DO TESOURO. INCOMPATIBILIDADE DA FUNÇÃO COM O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. PRECEDENTES.É firme o posicionamento jurisprudencial desta Corte no sentido de que o conceito de prática forense é mais amplo, não abrangendo somente o exercício da advocacia, mas estágios profissionais, atuações em Tribunais, juízos de primeira instância, entre outros. O caso se amolda à jurisprudência deste Tribunal. Violação não caracterizada. Recurso desprovido. (RESP 487844/RJ, Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, Data do julgamento 28/04/2004, DJ 31.05.2004 p. 346).” (grifamos)

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DISSÍDIO DEMONSTRADO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DEFENSOR PÚBLICO. PRÁTICA FORENSE. LC 80/94. COMPROVAÇÃO.É legítima a exigência de prática forense para o ingresso nas carreiras da Advocacia-Geral da União, mas o seu conceito deve ser interpretado de forma ampla, de modo a compreender não apenas o exercício da advocacia e de cargo no Ministério Público, Magistratura ou outro qualquer privativo de bacharel de direito, como também as atividades desenvolvidas perante os Tribunais, os Juízos de primeira instância e até estágios nas faculdades de Direito, doadoras de experiência jurídica. Precedentes. Recurso provido. (RESP 450936/RS, Ministro FONTES DE ALENCAR, SEXTA TURMA, Data do julgamento: 06/11/2003, Data da publicação/Fonte DJ 19.12.2003 p. 632).” (grifamos)


Percebe-se que a orientação que hoje impera no STJ é a de admitir a comprovação do requisito da prática forense através do desempenho de qualquer cargo, ou até mesmo estágio, desde que as atribuições de tal cargo ou estágio sejam aptas e idôneas a oferecer ao candidato à carreira jurídica os conhecimentos forenses concretos e a experiência jurídica mínima desejada que são a razão de ser da exigiblidade da prática forense enquanto requisito nos concursos.
Entendemos acertada a admissão do estágio enquanto instrumento hábil a conferir experiência jurídica ao acadêmico.
Muito embora seja claro que o estagiário, ordinariamente, não desempenhe funções de grande importância e responsabilidade é indiscutível que o fato de estar imerso e envolvido no exercício da atividade jurídica, seja na secretaria de uma vara, seja no gabinete de um juiz, seja em uma promotoria, seja em um escritório de advocacia lhe propicia a experiência jurídica básica necessária para o adequado desempenho da profissão jurídica.
Posicionamo-nos diversamente, entretanto, no que tange à aceitação da pesquisa jurídica como meio idôneo a satisfazer o requisito da prática forense, embora o STJ já tenha admitido até mesmo “pesquisas em bibliotecas, livros e computador” como modos de comprovar a “pratica forense”.
[5]
Acreditamos que não há de se admitir atividades de pesquisa jurídica como modo de comprovação da prática forense simplesmente porque não se adquirem experiência jurídica e conhecimentos forenses com a pesquisa, mas sim conhecimentos meramente teóricos.
A pesquisa jurídica, conquanto proporcione conhecimentos teóricos, pouco, ou nada, aproxima o acadêmico da dinâmica do foro, sendo assim inapta a servir-se como meio de se satisfazer o requisito da prática forense.
Ampliar o sentido da expressão “prática forense” para que a mesma albergue a pesquisa jurídica poderá resultar num quadro em que até mestrado e doutorado se admitiriam como meios de se comprovar o requisito em estudo, o que resulta ilógico e não razoável.
Percebe-se, enfim, que, não obstante a jurisprudência caminhar no sentido da flexibilidade, de modo a se admitir o estágio e até atividades de pesquisa como meios de se comprovar prática forense é de se notar ainda que os editais de concursos de ingresso a diversas carreiras jurídicas não têm cedido passo e ainda têm tratado do assunto com grande rigor, o que tem obrigado os candidatos a ingressarem com mandados de segurança para não serem alijados dos concursos.

4 – O correto momento de se exigir a comprovação da “prática forense”.

Problemática também é a questão do momento correto de se exigir a comprovação dos requisitos para ingresso na carreira jurídica, neles incluída a prática forense.
Aqui uma vez mais aferimos que os editais estão discrepando do que o STJ entende acerca do tema tendo o rigor das normas editalícias de concursos jurídicos levado diversos candidatos à impetração do mandamus, com vistas ao prosseguimento no concurso.
A título de ilustração da atualidade de tal quadro citamos as seguintes cláusulas editalícias de concursos jurídicos realizados recentemente:

“Regulamento do X Concurso Público para provimento de cargo de juiz federal substituto da Primeira Região.

Capítulo III – Da Inscrição Preliminar:
Art.14 – A inscrição preliminar será requerida ao Presidente da Comissão Examinadora na sede das Seções ou Subseções Judiciárias integrantes do TRF – 1ª Região, mediante preenchimento de formulário próprio, acompanhado da seguinte documentação: VI – Certidão revestida de fé pública que comprove o exercício, por dois anos, de advocacia – sem contar o estágio – ou de cargo ou função pública para os quais se exija diploma de bacharel em direito.” (grifou-se)


“Edital Esaf n.61, de 25 de agosto de 2.004 – Concurso Público para provimento de vagas no cargo de Procurador da Fazenda Nacional

8.5 – Da inscrição definitiva:
8.5.2 – A inscrição definitiva será requerida mediante o preenchimento, pelo candidato ou seu procurador, de formulário próprio, e necessariamente instruída com:
a) comprovação de 2 (dois) anos de prática forense;” (grifou-se)


“Edital de Concurso Público para provimento de cargos de Juiz de Direito Substituto do Estado de Minas Gerais, de 02 de junho de 2.004.

II - DOS REQUISITOS DE INSCRIÇÃO - O candidato deverá preencher, até o último dia de inscrição definitiva, os seguintes requisitos: 6) Contar pelo menos quatro anos de efetivo exercício, a partir da colação de grau, como Magistrado, Promotor de Justiça, Advogado ou Servidor Público ocupante de cargo ou função para cujo desempenho sejam exigidos conhecimentos privativos de bacharel em Direito, a juízo da Comissão Examinadora.” (grifou-se)

“Edital do 175º Concurso de Provas e Títulos para Ingresso na Magistratura do Estado de São Paulo, de 07 de outubro de 2003:
Só poderá participar do Concurso quem comprovar regularmente, a juízo da Comissão Examinadora:
e) haver exercido, efetivamente, por dois anos: I. a Advocacia, como Advogado ou Estagiário (certidão da Ordem dos Advogados do Brasil), a função de Estagiário ou cargo de carreira do Ministério Público (certidão da Procuradoria Geral de Justiça), da Procuradoria Geral do Estado, de Estagiário de Direito junto ao Poder Judiciário (certificado de aproveitamento), ou cargo de Delegado de Polícia (certidão da Secretaria de Segurança Pública, Departamento da Administração e Planejamento da Polícia Civil); II. cargo de Servidor da Justiça (certidão da Secretaria ou da Corregedoria Geral da Justiça, ou de órgãos equivalentes);” (grifou-se)
Percebe-se que, de um modo geral, os editais de concursos jurídicos exigem a comprovação do requisito da prática forense em momentos bem anteriores à posse, alguns chegando ao rigor de já exigi-lo por ocasião da inscrição preliminar, como é o caso do concurso de ingresso na magistratura federal.
A questão é de importância capital, haja vista que a grande maioria dos candidatos em um concurso jurídico encontra-se desempenhando uma profissão que conta tempo para a satisfação do requisito da prática forense, de modo que, conquanto não possa comprovar o cumprimento do requisito por ocasião da inscrição (preliminar ou definitiva), o poderá por ocasião da posse eis que normalmente há uma grande distância temporal entre estes dois eventos (inscrição – preliminar/definitiva e posse), a qual atinge vários meses e em certos casos pode superar um ano.
No intuito de não se verem afastados do concurso, ante o não atendimento da norma editalícia, os candidatos que não podem comprovar o tempo exigido de prática forense, seja por ocasião da inscrição preliminar, seja por ocasião da definitiva, têm recorrido ao Judiciário por meio da ação constitucional de mandado de segurança, ao argumento de que só por ocasião da posse há de ser exigida a comprovação dos requisitos legais para investidura no cargo público.
Aqui mais uma vez o STJ tem pendido para o lado dos candidatos, bastando conferir as decisões abaixo, que ilustram e traduzem a jurisprudência hoje dominante naquela Corte de Justiça:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO. PRÁTICA FORENSE. EFETIVO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA POR DOIS ANOS OU DE CARGO PARA O QUAL SE EXIJA DIPLOMA DE BACHAREL EM DIREITO. COMPROVAÇÃO. ATO DA POSSE. SÚMULA 266 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.1. Segundo o entendimento pretoriano dominante, a prática forense, traduzida no efetivo exercício da advocacia por dois anos ou de cargo para o qual se exija diploma de Bacharel em Direito, é exigência legítima para ingresso na magistratura, cuja comprovação deve ser exigida no ato da posse e não por ocasião das inscrições. Súmula 266 do Superior Tribunal de Justiça.2. Recurso em mandado de segurança provido.(RMS 15221/RR; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 2002/0104924-7, Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, Data do Julgamento: 12/12/2002, Data da Publicação/Fonte DJ 17.02.2003, p.371). (grifou-se) ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROCURADOR DA FAZENDA. MINAS GERAIS. EXIGÊNCIA DE DIPLOMA OU HABILITAÇÃO. POSSE.1. Ofende a CF/88, Art. 37, I a exigência da prova de conclusão do Curso de Direito no encerramento das inscrições. Precedentes do STJ.2. Recurso provido.(RMS 10764 / MG; RECURSO ORDINARIO EM M.S 1999/0027699-0, Ministro EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, Data do Julgamento: 16/09/1999, Data da Publicação/Fonte DJ 04.10.1999 p. 73). (grifou-se) ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. BANCO CENTRAL DO BRASIL. EXIGÊNCIA DE CONCLUSÃO DO CURSO SUPERIOR NO ATO DA INSCRIÇÃO. ILEGALIDADE.1. A exigência de critérios discriminatórios em edital de concurso deve ser feita precipuamente sob o prisma da lógica, bastando verificar se a diferenciação possui uma justificativa racional e necessária, ou se resulta de mera discriminação fortuita.2. Quando se exige um diploma de curso superior, não é para que o candidato possa fazer as provas, mas para que tenha conhecimentos necessários ao melhor exercício das atribuições do cargo; tal diploma só há de ser exigido, pois, no ato da investidura. Precedentes deste STJ e do STF.3. Agravo Regimental não provido.(AgRg no AG 110559/DF ; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
1996/0028750-3, Ministro EDSON VIDIGAL, Data do Julgamento: 10/08/1999, Data da Publicação/Fonte DJ 13.09.1999 p. 86). (grifou-se) Nem mesmo o fato de estar a matéria hoje sumulada no STJ
[6] pôde por fim a tais litígios e dissensões, estando os editais de concursos jurídicos ainda muito conservadores e “apegados” ao texto da lei. Mais uma vez o posicionamento do STJ é o que mais coaduna com a nossa Carta Magna. Com efeito, vigora em nosso estatuto jurídico-administrativo o princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos (artigo 37, I), o qual admite a imposição de critérios, requisitos e restrições ao ingresso no cargo público, desde que os mesmos sejam plenamente justificados, pois do contrário caracterizar-se-ia medida arbitrária e inconstitucional. Nada justifica a exigência do cumprimento do requisito da prática forense em momento anterior à posse, uma vez que somente por ocasião desta o outrora candidato iniciará efetivamente o exercício de seu ofício, e somente neste momento deverá comprovar as qualificações que o credenciam e o legitimam ao desempenho da função pública. Colhem-se em alguns julgados, especialmente no que tange a controvérsias referentes ao cumprimento do requisito nos concurso da magistratura, argumentos no sentido de que a Súmula 266 do STJ não se aplicaria ao cargo de juiz[7], por se tratar de cargo de poder. Conquanto seja inegável ser o juiz membro de poder, entendemos que a sua seleção é um procedimento de natureza administrativa tal qual o são todos os demais concursos para provimento dos outros cargos públicos sendo-lhe aplicável[8] toda a jurisprudência que no STJ vem se formando, especialmente no que pertine à admissão de se provar a “prática forense” por ocasião da posse. Preconizamos, portanto, que a exigência da prática forense, conquanto seja constitucional, não deve ser comprovada em momento anterior ao da posse, devendo todas as determinações legais[9] que dispõem diversamente serem lidas com “outros olhos”, à luz da atual Constituição Federal, sob pena de se dar guarida a uma exigência arbitrária e de desmedido e injustificado rigor, apta somente a afastar potenciais valores intelectuais do seguimento no certame.
5 – Conclusões:
1 - A exigência da prática forense como condição para ingresso na carreira jurídica é constitucional, eis que a sua previsão esta plenamente justificada em face das complexas e diversificadas atribuições inerentes às carreiras jurídicas as quais, para o seu adequado desempenho, requerem um contato anterior do candidato com a dinâmica do foro. Ademais, a Emenda Constitucional 45/2004, que veiculou a “reforma do Judiciário”, ao dispor sobre o ingresso nas carreiras da magistratura e do Ministério Público, trouxe o tema para dentro do próprio Texto Magno (art.93, I e art.127, § 3º), no que se evidenciou a razoabilidade e plausibilidade da previsão de tal exigência como condição de ingresso nas carreiras jurídicas.2 – Como meio de comprovação da prática forense hão de ser admitidas quaisquer atividades, sejam profissionais, sejam acadêmicas, que propiciem ao candidato, efetivamente, uma experiência jurídica básica e conhecimentos forenses essenciais.3 – A pesquisa jurídica não se presta à satisfação do requisito da prática forense eis que proporciona, de regra, conhecimentos meramente teórico-jurídicos.4 – Somente por ocasião da posse deverá ser exigida a satisfação dos requisitos editalícios eis que de tal medida não decorre prejuízo algum ao interesse público, além de ser a mais consentânea com os princípios administrativos da Constituição Federal, especialmente com o da ampla acessibilidade aos cargos públicos (Cf/88, artigo 37, I), devendo ser considerado insubsistente e injustificado qualquer entendimento em contrário.
Notas:
1 Ao longo deste estudo utilizamo-nos da expressão “prática forense”, dado o seu uso generalizado nos editais de concursos jurídicos, muito embora seja claro que a expressão “prática de atividade jurídica”, adotada inclusive pela EC 45/04, é a mais apropriada, dado que induz maior abrangência, a abarcar não apenas as atividades desenvolvidas no âmbito do foro, mas também outras que, conforme será demonstrado no decorrer deste ensaio, têm-se compreendido como aptas e legítimas a oferecer experiência jurídica.

2 SPITZCOVSKY, Celso. A inconstitucionalidade do critério de prática de atividade jurídica para concurso público. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jun. 2004. Disponível em:
www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm.

3 No estado de Minas Gerais o prazo mínimo já é de quatro anos (Lei Complementar Estadual 59/2001, artigo 165,VI).

4 Compreende-se que tal prazo foi ampliado para três anos, com a promulgação da Emenda 45, a qual deu nova redação ao artigo 93, I da CF/88.

5 MS 4.628/DF e MS 5.148/DF.

6 Súmula 266 – “O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público.”

7 Confiram-se os votos dos Desembargadores Federais Carlos Fernando Mathias e Luciano Tolentino Amaral, dados no julgamento, pela Corte Especial do TRF-1ª Região, do Mandado de Segurança n.2004.01.00.014372-7/PI.

8 Igual entendimento se aplica aos concursos do Ministério Público.

9 Como o mencionado artigo 21, V da Lei 5.010/66.
Publicado em: Revista do Tribunal Regional Federal da Primeira Região e CD-ROM da Júris Plenun.

O caso Isabella e a presunção de inocência


Há cerca de um mês não se fala de outro assunto na mídia, que não seja o “caso Isabella”.
A brutal morte daquela criança tornou-se o caso policial mais polêmico dos últimos tempos e tem possibilitado às emissoras de TV elevados índices de audiência, mesmo quando o teor das matérias é pouco informativo, ou meramente sensacionalista.
Certo é que a complexidade do crime, da qual decorreu uma visível dificuldade da polícia em concluir a elucidação do ocorrido, aliada à demora na conclusão do inquérito policial, têm convertido a cobertura da tragédia numa novela a que todos somos obrigados a assistir, nas nossas noites, no aconchego de nossos lares.
Mas não desejamos penalizar o nobre leitor, já fatigado com a abordagem exagerada e sensacionalista que se tem dado ao caso, com mais um artigo que muito fala, e pouco explica.
Convidamo-lo, antes, a refletir sobre a árdua tarefa de julgar.
Certa vez li, nas primeiras páginas de uma obra de Processo Penal, uma citação, que dizia algo assim: “ que homem é suficientemente Deus para julgar outro homem? ” . Penitencio-me perante o leitor por não poder citar o nome do autor da frase, mas isso não lhe retira o conteúdo sábio e mordaz.
Acompanhando o posicionamento da grande mídia, e mesmo o da maioria dos cidadãos comuns, entre os quais eu me incluo, percebo que muitos têm se julgado “deuses” o suficiente, para julgar e condenar.
A opinião pública já indiciou, denunciou, processou e condenou, sumariamente, o casal Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá, pela morte da pequena Isabella. Algumas pessoas já discutem a pena a ser aplicada: uns até dizem “trinta anos será pouco, deveriam mudar a lei”.
Não desejo aqui fazer defesa do casal, mesmo porque é temerário a um causídico opinar acerca de um caso sem saber exatamente o que foi apurado, sem “compulsar os autos”, como se diz tecnicamente, mas vejo-me na obrigação de defender a presunção de inocência, prevista inclusive em nossa Constituição Federal.
Nossa Carta Política de 1.988, em seu artigo 5º, inciso LXII prevê, numa linguagem até aos leigos acessível, que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Portanto, mesmo após uma eventual condenação perante o tribunal do júri, Alexandre e Ana Carolina deverão ser tratados como inocentes, se pendente algum recurso da defesa.
A norma está inserida no texto constitucional, entre os direitos e garantias dos acusados, durante o processo penal, e visa, pelo menos em tese, proteger o indiciado ou acusado da execração pública a que os suspeitos podem estar sujeitos, durante o trâmite de um processo.
Pois, pelo que se tem visto, com relação ao casal Nardoni, a presunção de inocência deu lugar a uma certeza de culpa, fomentada por importantes e relevantes setores da imprensa.
Ainda que os indícios sejam fortes, não se pode presumir a culpa, sem o transcurso de um processo penal, o qual sequer foi iniciado.
Opinar sobre alguma situação é direito de todos, entretanto, não é justo condenar sumariamente quem quer que seja.
Escrito em abril de 2008.

Práticas discriminatórias na admissão de empregados

Introdução:

Sob diversas roupagens podemos identificar as modalidades de discriminação encontradas nas relações de emprego, seja quando do estabelecimento da avença laboral (admissão), seja no próprio curso da relação empregatícia.

Fatores como idade, sexo (e opção sexual), estado civil, cor, raça e aparência que, segundo o Texto Magno (art.3º,IV; art.5º,I; art.7º, XXX a XXXII), nunca poderiam gerar desigualdade de tratamento das pessoas são, infelizmente, preponderantes no reprovável entendimento de inúmeros empregadores.

Neste estudo apresentaremos as principais facetas da discriminação verificada quando da admissão de empregados, identificando as conseqüências jurídicas de tal conduta, sopesando, para tanto, princípios do contratualismo laboral e da doutrina da responsabilidade civil e normas constitucionais atinentes à matéria.

As diversas modalidades de discriminação quando da admissão de empregados:

1-A situação dos reclamantes na Justiça do Trabalho:

A Constituição Federal brasileira, em seu artigo 5º, XXXV garante a todos o direito de ação, pelo qual toda pessoa que sofrer lesão e ameaça de lesão a seu direito poderá recorrer ao judiciário.

Entretanto, exercer referido direito no seio das relações de trabalho pode ser extremamente prejudicial ao reclamante que venha a pleitear um novo emprego frente a outro empregador. Diversas empresas recusam-se a admitir candidatos que outrora tenham movido ações em desfavor de seus antigos empregadores.

Referido fato não passou desapercebido ao Procurador Geral do Trabalho que em agosto de 2002 comunicou ao presidente do TST a existência de empresas que faziam pesquisas processuais nos sites de tribunais do trabalho com vistas à identificação de reclamantes em demandas trabalhistas, os quais iam para uma lista negra que, inclusive, era comercializada entre empregadores.

A ação do MPT frente a tal ilegalidade foi de extrema relevância: conseguiu que o TST impossibilitasse as pesquisas nos sites, pelos nomes dos reclamantes; obteve liminar que impedia empresas de comercializar “listas negras”; firmou termo de ajustamento de conduta com empresa, visando a que estas não mais exigissem certidões negativas de que os candidatos ao emprego não estavam movendo ações trabalhistas e; conseguiu, através de uma ação civil pública, que a INFRAERO pagasse aos seus funcionários R$ 500.000,00 a título de danos morais, por possuir, em seu regimento interno, cláusula que vedava a ascensão funcional de funcionários que estivessem movendo ações laborais.

Referida prática é de todo reprovável, sendo, obviamente, facultada ao prejudicado que recorra ao judiciário para ter eliminado qualquer prejuízo que lhe sobrevenha (exemplo: represálias no âmbito de seu trabalho, dificuldades à sua ascensão hierárquica na empresa etc), advindo de tal ação patronal.

Se, entretanto, referida prática for constatada quando do processo de admissão de empregados, aos candidatos restará comunicar tal fato ao MPT que, através de ação civil pública, ou por meio de termo de ajustamento, afastará a exigência de que o candidato não tenha movido reclamatórias trabalhistas.

2-A discriminação sexual: as mulheres e os homossexuais:

O aspecto sexo também tem acentuada importância quando da relação empregatícia, seja na admissão, seja no curso da mesma.

São comuns a admissão de mulheres para o desempenho de atividades idênticas à de empregados homens, entretanto, com remuneração muito inferior. Isto quando conseguem ser admitidas, uma vez que há empregadores que, aberta ou veladamente, não são simpáticos à admissão de mulheres. Referidas situações (a da remuneração diferenciada e a da vedação de admissão de mulheres) são expressamente ilegais e inconstitucionais (CF/88, art.5º,I), devendo ser contestadas em juízo, seja de modo individual, seja no plano dos direitos metaindividuais, onde de grande valia é a atuação do MPT que, seja firmando termos de ajustamentos de conduta, seja movendo ações civis públicas, dispõe de meios de se coibir tais ilegalidades (1).

No que atina à questão da orientação sexual temos que a mesma é de acentuada gravidade, estando os homossexuais (cuja respeito à opção sexual tem amparo até mesmo constitucional - CF, artigo 3º,III) reiteradamente lesados, seja pelas dificuldades de serem admitidos a um emprego, seja pela constante discriminação a que são submetidos, quando do curso da relação de emprego.

Consoante afirma a Sub-procuradora Geral do Trabalho Maria Aparecida Gurgel “não aceitar a possibilidade de orientação sexual é negar a natureza humana, e violar princípios constitucionais de igualdade e promoção do bem de todos sem qualquer preconceito que leve à discriminaçãoO preconceito que gera a discriminação dos homossexuais, não permitindo a inclusão social, é a negação da aceitação das diferenças.”

A ordem constitucional vigente estatui que constitui objetivo fundamental da Republica Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação, de que a discriminação pela opção sexual é um exemplo.

Portanto, será inconstitucional e antijurídica qualquer discriminação à pessoa do homossexual, decorrente de sua opção sexual, podendo o empregador que o rejeitar ser condenado em danos morais, eis que tal modalidade discriminatória ofende profundamente a honra subjetiva do homossexual.

3-A questão da “boa aparência”:

Confira abaixo o texto literal de um anúncio de emprego publicado no jornal “O Globo”, de 29/10/2000, e reproduzido pelo especialista em relações de trabalho José Pastore, em seu site pessoal. Vejamos o que diz o anúncio: "Precisa-se de moça para setor imobiliário, entre 24 e 28 anos, inclusive para fazer plantão em imóveis de luxo, que tenha nível secundário, com ótima apresentação, estilo modelo, solteira e livre"(2).

Conquanto seja evidente que poucos anúncios apresentem tal nível de clareza no que pertine à menção da importância que atualmente se dá à boa aparência temos que não é possível se discutir e se duvidar que o critério de boa apresentação figura implicitamente com fator preponderante em todo processo de admissão de empregados, podendo dele decorrer a aprovação ou reprovação do candidato.

Consoante o afirmado pelo próprio José Pastore “os traços físicos e a maneira de comportar compõem a imagem que os empregadores valorizam para recrutar e promover funcionários. Boa aparência não é apenas beleza física: inclui asseio, apresentação, simpatia e boas maneiras” (3). Referidas características foram de tal forma valorizadas pelos empregadores que, hoje, indiscutivelmente constituem uma das principais formas de discriminação quando do processo admissional de futuros empregados e também de obstáculo à ascensão profissional de empregados não portados de uma “boa apresentação”.

Dificuldades há para se reprimir referida prática. Primeiro que a sua existência, embora indiscutível, não é de fácil constatação. Segundo que mesmo quando identificada a prática de tal forma de discriminação, difícil é de se encontrar uma forma de com ela lidar. José Pastore (4) não acredita na eficácia de métodos punitivos, no que concordamos, e sugere uma modificação gradual da cultura empresarial, no sentido de passar a respeitar valores humanos mais relevantes que uma mera “boa aparência” enaltecendo, ainda, como deve ser o tratamento ideal a ser dedicado às pessoas que trabalham.

O fato é que, infelizmente, durante muito tempo o critério da boa aparência será de grande importância para os empregadores pois “proibir o uso de determinadas palavras nos anúncios dos jornais, é fácil. Eliminar o conteúdo dessas palavras na hora de recrutar e promover é difícil.”(5)

4-A Cor e a Condição Racial:

Conquanto os dados estatísticos sejam contraditórios, é possível de se afirmar que o Brasil conta com algo em torno de 60% de sua população formada de negros e pardos.

Apesar de sua expressiva quantidade, este grande contingente de pessoas encontra-se sensivelmente alheado das classes sociais mais representativas, bem como dos melhores postos de trabalho nas empresas. Descabe aqui qualquer análise sociológica maior acerca de tal problemática, cuja origem remonta a séculos passados, de uma história de desrespeito a direitos humanos básicos, mas podemos afirmar que o condicionamento histórico imposto aos afrodescendentes hoje ainda demonstra seus reflexos no seio das relações de trabalho.

Segundo informações do MPT que atua em Salvador, malgrado 80% dos habitantes daquela cidade serem afrodescendentes, é muito raro encontrar-se negros ocupando cargos de alto nível ou de recepção nas empresas do setor de hotelaria daquela cidade.

Referido dado, aqui citado somente com o intento de se demonstrar a dificuldade com que se deparam os negros quando de sua colocação no mercado, seguramente reflete situação generalizada por todo o país. Mesmo quando conseguem ser admitidos (o que normalmente acontece apenas para cargos de pouca expressão), os afrodescendentes percebem remuneração média muito inferior à dos brancos, o que se reflete no fato de que grande percentual das classes mais miseráveis da sociedade são formadas de afrodescendentes.

Os constituintes de 88 estiveram atentos ao problema da condição social dos afrodescendentes, que se arrasta desde os tempos da abolição, e colocaram no Texto Magno diversas normas específicas com vistas à proteção dos mesmos, as quais, entretanto, ainda não se refletiram na mudança de condição social.

Na busca pela diminuição gradual dos atos discriminatórios contam os afrodescendentes com a Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, órgão que vem procurando reprimir a prática de atos de discriminação racial, especialmente aqueles veiculados em anúncios de emprego (6).

A solução deste problema sociológico, qual seja o da marginalização de grandes contingentes de afrodescendentes passa, inquestionavelmente, pela extirpação desta cultura preconceituosa que os mantém afastados dos cargos mais representativos e dos melhores salários nas empresas. Ações estatais afirmativas talvez possam ser um ponto de partida para o solucionamento do problema.

5-A questão da idade avançada:

A crise do desemprego que se instalou no Brasil durante o Governo Neo-liberal de Fernando Henrique Cardoso (e que o Governo Lula não conseguiu debelar até o momento) trouxe consigo o mito de que pessoas desempregadas com mais de quarenta anos dificilmente conseguirão outra colocação no mercado formal, o que as têm feito migrar para o setor do trabalho informal, onde se encontram desprotegidas de qualquer proteção trabalhista e previdenciária.

Este estado de coisas tem alijado do mercado de trabalho pessoas dotadas de elevada qualificação (algumas até com doutorado no exterior), gerando, por via de conseqüência, a desestruturação de inúmeras famílias.

Referida modalidade de discriminação também é vedada pela ordem constitucional vigente (vide art.3º, III da CF/88).


Alusões conclusivas-As conseqüências jurídicas dos atos discriminatórios e a repressão a tais práticas:

O direito do trabalho destina-se a regular um tipo especifico de relação, qual seja a relação de trabalho.

A relação de trabalho tem natureza essencialmente contratual (7), vigorando sobre ela princípios gerais do direito contratual, como o é o princípio da autonomia da vontade.

Referido princípio, que garante aos contraentes a liberdade ao contratar, é mitigado em face de diversas normas legais e constitucionais, as quais, no âmbito do direito do trabalho, asseguram ao candidato a um emprego o direito de não ser tratado de modo diferenciado, ou seja, o direito de não ser discriminado.

Não obstante a vedação jurídica a qualquer ato discriminatório, temos que os mesmos acontecem com freqüência, o que gera direitos para o ofendido, e a responsabilização do empregador.

Verificada a discriminação no processo admissional entendemos ser cabível a condenação do empregador ao pagamento de indenização por danos morais, pela aplicação do artigo 5º,V da CF/88, que assegura “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Deverá, entretanto, o candidato discriminado constituir prova robusta da prática do ato discriminatório, o que indubitavelmente não será tarefa das mais simples, pois o empregador sempre poderá valer-se do cômodo argumento de que “este ou aquele candidato não se enquadra no perfil do cargo ou da empresa etc”(8).

No entanto, nunca será cabível a condenação do empregador a proceder à admissão do candidato outrora discriminado. O ato admissional é de competência exclusiva do empregador, além do que a imposição de que certo candidato seja admitido poderá ser-lhe deveras prejudicial, uma vez que encontraria um ambiente de trabalho extremamente hostil.

De seu turno, tendo o ato discriminatório conotação racial a questão se agrava sobremaneira, eis que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLII, preceitua que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” e o Código Repressivo, em seu artigo 140, parágrafo 3º, incrimina a “injúria racial”.

Não obstante a existência de normas que reprimem atos discriminatórios, e a existência de normas que podem impor pesadas punições aos “infratores” (que podem variar do pagamento de indenização até a condenação penal) não questionamos que a discriminação dos candidatos a um emprego ainda perdurará por muito tempo, e só poderá ser extirpada com uma verdadeira revolução desta cultura racista e preconceituosa que, não obstante a nossa diversidade racial, marca a sociedade brasileira.

Mas, enquanto não se atinge um elevado nível de respeito às diferenças acreditamos que a ação do Ministério Público do Trabalho (art. 83, III, LC75/93) é de acentuada importância no sentido de se coibir a prática de atos e condutas discriminatórios, visando à inserção social de quadros bastante numerosos, como o são os negros e os homossexuais. A lei faculta a tal órgão federal o uso da ação civil pública e do termo de compromisso de ajustamento de conduta, instrumentos que, entendemos, são de extrema eficácia e grande alcance e, portanto, aptos a intimidar aqueles que relutam em não respeitar direitos humanos básicos, como o direito à igualdade.

Notas:

(1) Em dois estados nordestinos, Piauí e Paraíba, respectivamente, conseguiu o MPT reprimir tais práticas. No primeiro, obtendo sentença condenando o empregador a se abster de adotar critérios distintos para estabelecimento da remuneração de mulheres e homens. No segundo, firmando TCAC com vistas a que empresas da imprensa não fizessem divulgação de anúncios com teor discriminatório (exigência de que o candidato ao emprego seja homem, por exemplo).

(2) Disponível em http://www.josepastore.com.br/artigos/relacoestrabalhistas/137.htm.

(3) Disponível no mesmo endereço citado acima.

(4) Vide artigo publicado no site acima.

(5) José Pastore, artigo “Discriminação no trabalho”, publicado no site já mencionado.

(6) Vide “O MPT na luta pela igualdade racial”, disponível em http://www.pgt.mpt.gov.br/noticias/2003/03/n089.html.

(7) Amauri Mascaro Nascimento, “Introdução do Direito do Trabalho”, p.136, Ltr Editora, São Paulo.

(8) Como exemplo de prova de que poderia o candidato reclamado se valer, além da testemunhal, seriam documentos que atestam a admissão de um outro candidato concorrente, com menor qualificação.
Publicado em Jornal do 44º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho, fls. 92/95, evento realizado em São Paulo entre os dias 21 e 23 de junho de 2004, sob a coordenação do Dr. Amauri Mascaro Nascimento

Unificação das eleições

O sistema eleitoral brasileiro prevê eleições de dois em dois anos.

Nas chamadas eleições gerais são preenchidos os chamados cargos federais, tais como presidente, senador e deputado federal, além dos cargos estaduais, a saber, governador e deputado estadual.

Nas eleições municipais, como as que serão realizadas este ano, são preenchidos os cargos de prefeito e de vereador.

Este sistema de eleições realizadas bienalmente tem vigorado de maneira regular desde 1992, o que demonstra indubitavelmente uma relativa maturidade política de nosso Estado, eis que lá se vão 16 anos e 7 processos eleitorais sem interrupções antidemocráticas.

Entretanto, embora esta estabilidade da sistemática eleitoral possa denotar uma auto-afirmação de nossa ainda frágil e incipiente democracia compreendemos que o sistema de eleições de dois em dois anos deveria ser revisto, bem como as eleições unificadas em escrutínios a serem realizados de 4 em 4 anos.

E poderíamos elencar, dentre muitos, dois motivos para assim pensar: o custo econômico, e o custo político, de cada pleito.

Estima-se que o custo econômico de cada eleição seja superior a meio bilhão de reais, de modo que se as eleições fossem unificadas a cada década seriam economizados algo em torno de três bilhões de reais. Isto sem mencionar os prejuízos privados impostos às redes de rádio e TV, com a imposição da propaganda eleitoral gratuita.

Mais prejudicial que o elevado custo econômico dos pleitos, são os custos políticos dos mesmos. Percebe-se que em anos eleitorais, notadamente após o mês de julho, quando a campanha é liberada, as Casas Legislativas, e mesmo o Executivo, cessam os debates acerca de assuntos de relevância para a sociedade, e passam a tratar apenas de assuntos relativos à campanha eleitoral. Seria algo como se o país parasse sua atividade política, neste período.

À primeira vista, isto pode até parecer sem importância, mas sempre há temas prementes, cujo debate é imprescindível para a sociedade.

Neste ano, por exemplo, deveria ocorrer, no âmbito do Congresso Nacional, o debate acerca da Reforma Tributária, mas lideranças de vulto já disseram que, dadas as eleições a serem realizadas no segundo semestre, não haverá condições para debater o assunto.

Em ano eleitoral os trabalhos parlamentares seguramente não são nada profícuos. Sendo bienais as eleições, ter-se-ia apenas um ano em que o Parlamento poderia trabalhar tranqüilamente, porque no outro, lá estão as novas eleições, e mais uma vez o Legislativo trabalha a passos lentos.

Poder-se-ia contra-argumentar a tese aqui esposada, alegando que a unificação poderia confundir o eleitor, dada a grande quantidade de cargos a serem preenchidos em um único momento. Tal argumento somente poderia prosperar em mentes pouco afetas à evolução do sistema pois nos EUA, por exemplo, há estados em que numa mesma eleição se preenchem mais do que vinte cargos.

A unificação das eleições é, a toda vista, vantajosa, e cabe aos detentores do poder político tomar as medidas adequadas a implementar um sistema mais inteligente e moderno, no qual as eternas disputas políticas não venham a trazer prejuízos ao país.

O país precisa mais de trabalho, e menos de disputas pelo poder.
Publicado na edição do Jornal Correio, de 25.03.2008, edição n.21.165, ano 70, Uberlândia/Mg.

O custo da democracia


"O poder legislativo é de grande importância para a manutenção e sustentabilidade do regime democrático, tanto que os ditadores, quando ascendem ao poder, tomam, como primeira medida, a dissolução do Parlamento."

O Brasil vive atualmente sob um regime democrático, e de razoável estabilidade política.

A democracia é indiscutivelmente um regime político benéfico eis que, através do voto, permite a todos usufruir sua pequena, mas relevante, parcela de poder decisório, notadamente podendo escolher os futuros governantes (com suas propostas e respectivas ideologias políticas).

Com ironia, e com o reconhecido bom humor, já admitia o grande estadista britânico Winston Churchill, “a democracia é o pior de todos os regimes de governo, à exceção de todos os outros, que já foram experimentados”.

Concluindo, a democracia, é algo positivo, para o povo.

Mas cabe uma indagação: ela tem de ser tão cara?

Estima-se que o nosso legislativo federal consuma, anualmente, entre salários de deputados e senadores, gastos administrativos diversos e verbas dos mais variados e criativos nomes algo superior a seis bilhões de reais.

Se somarmos tais gastos aos dos legislativos estaduais e municipais, veremos que os dispêndios de recursos financeiros com este poder são indiscutivelmente elevados.

O poder legislativo é de grande importância para a manutenção e sustentabilidade do regime democrático, tanto que os ditadores, quando ascendem ao poder, tomam, como primeira medida, a dissolução do Parlamento pois, calando-se o legislativo, cala-se o povo.

Entretanto é indubitável que existem abusos, e um poder cujas finalidades precípuas sejam criar leis e fiscalizar a atividade do Executivo não pode consumir recursos tão volumosos, que certamente estão a fazer falta a áreas de reconhecida importância para a população, tais como saúde e educação.

Este despretensioso artigo não é um libelo contra o Legislativo pois, como demonstrado acima, este poder representa a materialização do espírito democrático, que vigora em nosso país, desde o fim do regime de exceção instaurado em 1964 e a manutenção da democracia está diretamente ligada à existência de um Legislativo forte e independente (se bem que tais características não têm sido encontradas em nossas casas legislativas).

O que se sugerimos, é um debate, sério, sobre a real necessidade de ser o legislativo um poder tão oneroso ao estado, consumindo recursos que haveriam de ser utilizados em áreas tão carentes.

Salários de parlamentares (dos níveis federal, estadual e municipal), poderiam perfeitamente serem reduzidos à metade, que ainda sim os mesmos fariam inveja a 99 % da população. A quantidade de assessores poderia ser drasticamente reduzida, assim como as verbas indenizatórias, de gabinete e de outras denominações poderiam ser minoradas, ou, o que seria ideal, extintas.

O legislativo é inerente a um Estado Democrático de Direito mas, num país de recursos financeiros escassos, cabe redimensionar e reavaliar os gastos com este poder.

Hugo Cesar Amaral
Advogado –Uberlândia – MG - hugocesar2002br@yahoo.com.br
Publicado na edição do Jornal Correio, de 01.02.2008, edição n.21.112, ano 69 , Uberlândia/Mg.

A figura política do suplente de senador


Muitos eleitores talvez não saibam, mas cada candidato ao Senado Federal tem em sua chapa dois suplentes, os quais o substituem na eventualidade de afastamento por qualquer motivo. À primeira vista, nada de errado nisso, vez que seria normal a previsão de alguém para ocupar o cargo do senador titular, na eventualidade de falecimento, doença etc. Entretanto, a nossa recente história republicana tem demonstrado que tal sistema subverte a vontade do eleitorado, eis que possibilita a ocupação de vagas no Senado por pessoas que não tiveram um voto sequer. No nosso entendimento, a figura do suplente de senador é indiscutivelmente antidemocrática e ilegítima.

Nosso ordenamento constitucional estabelece claramente, no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição”. O suplente de senador, ao contrário do titular, nem de perto pode ser considerado representante eleito, posto que ao eleitor não é permitido votar no mesmo. O poder é do povo, que o outorga, mediante o voto, a representantes eleitos, e não a suplentes que ascendem ao poder do dia para a noite, quando o titular deixa o cargo, na maioria das vezes por mera conveniência política.

Na atualidade, nosso Senado Federal possui dezesseis cargos de senador ocupados não pelo candidato vitorioso nas eleições, mas pelo seu suplente o qual, na maioria das vezes, não é figura sequer conhecida do eleitorado. O belo Estado das Alagoas, por exemplo, das três vagas de senador a que cada ente federativo possui no Senado Federal, tem duas ocupadas por suplentes, e apenas uma ocupada por um senador eleito de forma autêntica, pelo eleitorado. Os outros, os suplentes, que não obtiveram voto nenhum, foram presenteados com o cargo dos titulares, que se afastaram por renúncia e por motivos particulares.

E corrigir o falho sistema é fácil, bastaria alterar a Constituição Federal (art. 46, § 3º), eliminando as figuras dos suplentes e prevendo a posse do próximo candidato mais bem votado.

Com uma mudança normativa simples se conseguiria substituir uma figura que não foi votada por um candidato conhecido do eleitorado e, normalmente, muito bem votado. Fala-se numa reforma política, mas as reformas sempre são coordenadas no sentido de consolidar o poder da classe política dominante no momento, não sendo motivada pelo propósito de aperfeiçoar o sistema em vigor.

Seria de bom grado uma reforma política verdadeira, que corrigisse as imperfeições de nosso sistema político-eleitoral, a começar, quem sabe, acabando com essa antidemocrática figura do suplente de senador.

Como eleitores, merecemos ter legítimos representantes no Senado, e não figuras que pouco ou nada conhecemos e cujos propósitos e ideologias somente serão demonstradas quando do exercício de um mandato, para o qual não foram eleitos.

Hugo Cesar Amaral - Advogado
Uberlândia (MG)
Publicado na edição do Jornal Correio, de 13.12.2007, edição n.21.062, ano 69 , Uberlândia/Mg.

Assassinos ao volante: em busca de uma punição justa

Com frequência são noticiados na imprensa acidentes causados por condutores irresponsáveis, dos quais resulta morte de inocentes.

Tais tragédias causam indignação não apenas pela estupidez da conduta dos motoristas infratores, mas também pelo sentimento de impunidade que resta quando, após o acidente, se percebe que pouco, ou nada, a título de pena, recai sobre o condutor criminoso. E a razão da impunidade está no art. 302 do Código de Trânsito, o qual prevê a reduzida pena de detenção de 2 a 4 anos para quem na condução do seu veículo venha a causar a morte de alguém.

De regra, os homicídios provocados por condutores são qualificados enquanto culposos, daí a pena pífia, que sobre os autores dos delitos é aplicada a qual, não raro, é substituída por alguma pena alternativa, livrando o condutor do risco de ser preso.

Entretanto, observando melhor os homicídios decorrentes de acidentes de trânsito, percebemos que muitos deles podem ser qualificados como crimes dolosos, sujeitando os seus infratores a uma penalidade mais condigna com o ato atroz que praticaram.

Grande parte destes homicídios cometidos no trânsito ocorre pelo fato de o condutor estar ou embriagado, ou fazendo algum "racha", ou "pega", em altas velocidades.

Em tais situações, é possível enquadrar o homicídio como doloso, pela aplicação da teoria do dolo eventual.

Explicando, enquanto nos delitos culposos o agente não deseja a prática do ato, nos dolosos o agente, ou o deseja, ou asume o risco de produzi-lo.

Quando se assume o risco de produzi-lo, estamos perante o dolo eventual, hábil a qualificar o homidício provocado pelo condutor em crime doloso, sujeitando-o à severa pena do art. 121 do Código Penal, que é a de reclusão, de 06 a 20 anos.

Mas, seja pela dificuldade de se apurar a intenção do condutor, seja pela própria cultura de que qualquer morte ocorrida no trânsito há de ser enquadrada, no máximo, enquanto crime culposo, certo é que o Judiciário não têm dado aos assassinos ao volante o rigoroso tratamento que merecem, disso resultando o inadmissível sentimento de impunidade.

Porém, uma decisão ousada da 5ª Turma do STJ tomada no início deste mês de novembro aponta para a possibilidade de uma nova orientação, no que pertine à classificação dos homicídios cometidos pelos condutores.

No caso levado ao STJ o condutor será levado a júri por ter, na condução de um carro colidido, numa velocidade de 165 Km/h, contra a traseira de outro, resultando na morte do condutor deste.

Entenderam os ministros que ao trafegar em velocidade muito superior à permitida para aquela via, o mesmo assumiu o risco de produzir o resultado morte, sendo seu ato lesivo enquadrado como homicídio doloso, e não culposo, como de regra acontece.

Tal menção visa apenas a demonstrar que, com um mínimo de esforço intelectual é possivel aos magistrados visualizar o absoluto desrespeito à vida por parte destes condutores que, ao dirigirem seus carros embriagados, ou ao circularem em altas velocidades, sujeitam inocentes a toda sorte de danos.

Que o Judiciário seja rigoroso e ponha fim à impunidade dos condutores causadores de homicídios na condução de veículos. A lei penal não existe para proteger criminosos, mas para puni-los.

Publicado na edição do Jornal Correio, de 29.11.2007, edição n.21.048, ano 69 , Uberlândia/Mg.