Páginas

sábado, 28 de junho de 2008

Práticas discriminatórias na admissão de empregados

Introdução:

Sob diversas roupagens podemos identificar as modalidades de discriminação encontradas nas relações de emprego, seja quando do estabelecimento da avença laboral (admissão), seja no próprio curso da relação empregatícia.

Fatores como idade, sexo (e opção sexual), estado civil, cor, raça e aparência que, segundo o Texto Magno (art.3º,IV; art.5º,I; art.7º, XXX a XXXII), nunca poderiam gerar desigualdade de tratamento das pessoas são, infelizmente, preponderantes no reprovável entendimento de inúmeros empregadores.

Neste estudo apresentaremos as principais facetas da discriminação verificada quando da admissão de empregados, identificando as conseqüências jurídicas de tal conduta, sopesando, para tanto, princípios do contratualismo laboral e da doutrina da responsabilidade civil e normas constitucionais atinentes à matéria.

As diversas modalidades de discriminação quando da admissão de empregados:

1-A situação dos reclamantes na Justiça do Trabalho:

A Constituição Federal brasileira, em seu artigo 5º, XXXV garante a todos o direito de ação, pelo qual toda pessoa que sofrer lesão e ameaça de lesão a seu direito poderá recorrer ao judiciário.

Entretanto, exercer referido direito no seio das relações de trabalho pode ser extremamente prejudicial ao reclamante que venha a pleitear um novo emprego frente a outro empregador. Diversas empresas recusam-se a admitir candidatos que outrora tenham movido ações em desfavor de seus antigos empregadores.

Referido fato não passou desapercebido ao Procurador Geral do Trabalho que em agosto de 2002 comunicou ao presidente do TST a existência de empresas que faziam pesquisas processuais nos sites de tribunais do trabalho com vistas à identificação de reclamantes em demandas trabalhistas, os quais iam para uma lista negra que, inclusive, era comercializada entre empregadores.

A ação do MPT frente a tal ilegalidade foi de extrema relevância: conseguiu que o TST impossibilitasse as pesquisas nos sites, pelos nomes dos reclamantes; obteve liminar que impedia empresas de comercializar “listas negras”; firmou termo de ajustamento de conduta com empresa, visando a que estas não mais exigissem certidões negativas de que os candidatos ao emprego não estavam movendo ações trabalhistas e; conseguiu, através de uma ação civil pública, que a INFRAERO pagasse aos seus funcionários R$ 500.000,00 a título de danos morais, por possuir, em seu regimento interno, cláusula que vedava a ascensão funcional de funcionários que estivessem movendo ações laborais.

Referida prática é de todo reprovável, sendo, obviamente, facultada ao prejudicado que recorra ao judiciário para ter eliminado qualquer prejuízo que lhe sobrevenha (exemplo: represálias no âmbito de seu trabalho, dificuldades à sua ascensão hierárquica na empresa etc), advindo de tal ação patronal.

Se, entretanto, referida prática for constatada quando do processo de admissão de empregados, aos candidatos restará comunicar tal fato ao MPT que, através de ação civil pública, ou por meio de termo de ajustamento, afastará a exigência de que o candidato não tenha movido reclamatórias trabalhistas.

2-A discriminação sexual: as mulheres e os homossexuais:

O aspecto sexo também tem acentuada importância quando da relação empregatícia, seja na admissão, seja no curso da mesma.

São comuns a admissão de mulheres para o desempenho de atividades idênticas à de empregados homens, entretanto, com remuneração muito inferior. Isto quando conseguem ser admitidas, uma vez que há empregadores que, aberta ou veladamente, não são simpáticos à admissão de mulheres. Referidas situações (a da remuneração diferenciada e a da vedação de admissão de mulheres) são expressamente ilegais e inconstitucionais (CF/88, art.5º,I), devendo ser contestadas em juízo, seja de modo individual, seja no plano dos direitos metaindividuais, onde de grande valia é a atuação do MPT que, seja firmando termos de ajustamentos de conduta, seja movendo ações civis públicas, dispõe de meios de se coibir tais ilegalidades (1).

No que atina à questão da orientação sexual temos que a mesma é de acentuada gravidade, estando os homossexuais (cuja respeito à opção sexual tem amparo até mesmo constitucional - CF, artigo 3º,III) reiteradamente lesados, seja pelas dificuldades de serem admitidos a um emprego, seja pela constante discriminação a que são submetidos, quando do curso da relação de emprego.

Consoante afirma a Sub-procuradora Geral do Trabalho Maria Aparecida Gurgel “não aceitar a possibilidade de orientação sexual é negar a natureza humana, e violar princípios constitucionais de igualdade e promoção do bem de todos sem qualquer preconceito que leve à discriminaçãoO preconceito que gera a discriminação dos homossexuais, não permitindo a inclusão social, é a negação da aceitação das diferenças.”

A ordem constitucional vigente estatui que constitui objetivo fundamental da Republica Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação, de que a discriminação pela opção sexual é um exemplo.

Portanto, será inconstitucional e antijurídica qualquer discriminação à pessoa do homossexual, decorrente de sua opção sexual, podendo o empregador que o rejeitar ser condenado em danos morais, eis que tal modalidade discriminatória ofende profundamente a honra subjetiva do homossexual.

3-A questão da “boa aparência”:

Confira abaixo o texto literal de um anúncio de emprego publicado no jornal “O Globo”, de 29/10/2000, e reproduzido pelo especialista em relações de trabalho José Pastore, em seu site pessoal. Vejamos o que diz o anúncio: "Precisa-se de moça para setor imobiliário, entre 24 e 28 anos, inclusive para fazer plantão em imóveis de luxo, que tenha nível secundário, com ótima apresentação, estilo modelo, solteira e livre"(2).

Conquanto seja evidente que poucos anúncios apresentem tal nível de clareza no que pertine à menção da importância que atualmente se dá à boa aparência temos que não é possível se discutir e se duvidar que o critério de boa apresentação figura implicitamente com fator preponderante em todo processo de admissão de empregados, podendo dele decorrer a aprovação ou reprovação do candidato.

Consoante o afirmado pelo próprio José Pastore “os traços físicos e a maneira de comportar compõem a imagem que os empregadores valorizam para recrutar e promover funcionários. Boa aparência não é apenas beleza física: inclui asseio, apresentação, simpatia e boas maneiras” (3). Referidas características foram de tal forma valorizadas pelos empregadores que, hoje, indiscutivelmente constituem uma das principais formas de discriminação quando do processo admissional de futuros empregados e também de obstáculo à ascensão profissional de empregados não portados de uma “boa apresentação”.

Dificuldades há para se reprimir referida prática. Primeiro que a sua existência, embora indiscutível, não é de fácil constatação. Segundo que mesmo quando identificada a prática de tal forma de discriminação, difícil é de se encontrar uma forma de com ela lidar. José Pastore (4) não acredita na eficácia de métodos punitivos, no que concordamos, e sugere uma modificação gradual da cultura empresarial, no sentido de passar a respeitar valores humanos mais relevantes que uma mera “boa aparência” enaltecendo, ainda, como deve ser o tratamento ideal a ser dedicado às pessoas que trabalham.

O fato é que, infelizmente, durante muito tempo o critério da boa aparência será de grande importância para os empregadores pois “proibir o uso de determinadas palavras nos anúncios dos jornais, é fácil. Eliminar o conteúdo dessas palavras na hora de recrutar e promover é difícil.”(5)

4-A Cor e a Condição Racial:

Conquanto os dados estatísticos sejam contraditórios, é possível de se afirmar que o Brasil conta com algo em torno de 60% de sua população formada de negros e pardos.

Apesar de sua expressiva quantidade, este grande contingente de pessoas encontra-se sensivelmente alheado das classes sociais mais representativas, bem como dos melhores postos de trabalho nas empresas. Descabe aqui qualquer análise sociológica maior acerca de tal problemática, cuja origem remonta a séculos passados, de uma história de desrespeito a direitos humanos básicos, mas podemos afirmar que o condicionamento histórico imposto aos afrodescendentes hoje ainda demonstra seus reflexos no seio das relações de trabalho.

Segundo informações do MPT que atua em Salvador, malgrado 80% dos habitantes daquela cidade serem afrodescendentes, é muito raro encontrar-se negros ocupando cargos de alto nível ou de recepção nas empresas do setor de hotelaria daquela cidade.

Referido dado, aqui citado somente com o intento de se demonstrar a dificuldade com que se deparam os negros quando de sua colocação no mercado, seguramente reflete situação generalizada por todo o país. Mesmo quando conseguem ser admitidos (o que normalmente acontece apenas para cargos de pouca expressão), os afrodescendentes percebem remuneração média muito inferior à dos brancos, o que se reflete no fato de que grande percentual das classes mais miseráveis da sociedade são formadas de afrodescendentes.

Os constituintes de 88 estiveram atentos ao problema da condição social dos afrodescendentes, que se arrasta desde os tempos da abolição, e colocaram no Texto Magno diversas normas específicas com vistas à proteção dos mesmos, as quais, entretanto, ainda não se refletiram na mudança de condição social.

Na busca pela diminuição gradual dos atos discriminatórios contam os afrodescendentes com a Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, órgão que vem procurando reprimir a prática de atos de discriminação racial, especialmente aqueles veiculados em anúncios de emprego (6).

A solução deste problema sociológico, qual seja o da marginalização de grandes contingentes de afrodescendentes passa, inquestionavelmente, pela extirpação desta cultura preconceituosa que os mantém afastados dos cargos mais representativos e dos melhores salários nas empresas. Ações estatais afirmativas talvez possam ser um ponto de partida para o solucionamento do problema.

5-A questão da idade avançada:

A crise do desemprego que se instalou no Brasil durante o Governo Neo-liberal de Fernando Henrique Cardoso (e que o Governo Lula não conseguiu debelar até o momento) trouxe consigo o mito de que pessoas desempregadas com mais de quarenta anos dificilmente conseguirão outra colocação no mercado formal, o que as têm feito migrar para o setor do trabalho informal, onde se encontram desprotegidas de qualquer proteção trabalhista e previdenciária.

Este estado de coisas tem alijado do mercado de trabalho pessoas dotadas de elevada qualificação (algumas até com doutorado no exterior), gerando, por via de conseqüência, a desestruturação de inúmeras famílias.

Referida modalidade de discriminação também é vedada pela ordem constitucional vigente (vide art.3º, III da CF/88).


Alusões conclusivas-As conseqüências jurídicas dos atos discriminatórios e a repressão a tais práticas:

O direito do trabalho destina-se a regular um tipo especifico de relação, qual seja a relação de trabalho.

A relação de trabalho tem natureza essencialmente contratual (7), vigorando sobre ela princípios gerais do direito contratual, como o é o princípio da autonomia da vontade.

Referido princípio, que garante aos contraentes a liberdade ao contratar, é mitigado em face de diversas normas legais e constitucionais, as quais, no âmbito do direito do trabalho, asseguram ao candidato a um emprego o direito de não ser tratado de modo diferenciado, ou seja, o direito de não ser discriminado.

Não obstante a vedação jurídica a qualquer ato discriminatório, temos que os mesmos acontecem com freqüência, o que gera direitos para o ofendido, e a responsabilização do empregador.

Verificada a discriminação no processo admissional entendemos ser cabível a condenação do empregador ao pagamento de indenização por danos morais, pela aplicação do artigo 5º,V da CF/88, que assegura “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Deverá, entretanto, o candidato discriminado constituir prova robusta da prática do ato discriminatório, o que indubitavelmente não será tarefa das mais simples, pois o empregador sempre poderá valer-se do cômodo argumento de que “este ou aquele candidato não se enquadra no perfil do cargo ou da empresa etc”(8).

No entanto, nunca será cabível a condenação do empregador a proceder à admissão do candidato outrora discriminado. O ato admissional é de competência exclusiva do empregador, além do que a imposição de que certo candidato seja admitido poderá ser-lhe deveras prejudicial, uma vez que encontraria um ambiente de trabalho extremamente hostil.

De seu turno, tendo o ato discriminatório conotação racial a questão se agrava sobremaneira, eis que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLII, preceitua que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” e o Código Repressivo, em seu artigo 140, parágrafo 3º, incrimina a “injúria racial”.

Não obstante a existência de normas que reprimem atos discriminatórios, e a existência de normas que podem impor pesadas punições aos “infratores” (que podem variar do pagamento de indenização até a condenação penal) não questionamos que a discriminação dos candidatos a um emprego ainda perdurará por muito tempo, e só poderá ser extirpada com uma verdadeira revolução desta cultura racista e preconceituosa que, não obstante a nossa diversidade racial, marca a sociedade brasileira.

Mas, enquanto não se atinge um elevado nível de respeito às diferenças acreditamos que a ação do Ministério Público do Trabalho (art. 83, III, LC75/93) é de acentuada importância no sentido de se coibir a prática de atos e condutas discriminatórios, visando à inserção social de quadros bastante numerosos, como o são os negros e os homossexuais. A lei faculta a tal órgão federal o uso da ação civil pública e do termo de compromisso de ajustamento de conduta, instrumentos que, entendemos, são de extrema eficácia e grande alcance e, portanto, aptos a intimidar aqueles que relutam em não respeitar direitos humanos básicos, como o direito à igualdade.

Notas:

(1) Em dois estados nordestinos, Piauí e Paraíba, respectivamente, conseguiu o MPT reprimir tais práticas. No primeiro, obtendo sentença condenando o empregador a se abster de adotar critérios distintos para estabelecimento da remuneração de mulheres e homens. No segundo, firmando TCAC com vistas a que empresas da imprensa não fizessem divulgação de anúncios com teor discriminatório (exigência de que o candidato ao emprego seja homem, por exemplo).

(2) Disponível em http://www.josepastore.com.br/artigos/relacoestrabalhistas/137.htm.

(3) Disponível no mesmo endereço citado acima.

(4) Vide artigo publicado no site acima.

(5) José Pastore, artigo “Discriminação no trabalho”, publicado no site já mencionado.

(6) Vide “O MPT na luta pela igualdade racial”, disponível em http://www.pgt.mpt.gov.br/noticias/2003/03/n089.html.

(7) Amauri Mascaro Nascimento, “Introdução do Direito do Trabalho”, p.136, Ltr Editora, São Paulo.

(8) Como exemplo de prova de que poderia o candidato reclamado se valer, além da testemunhal, seriam documentos que atestam a admissão de um outro candidato concorrente, com menor qualificação.
Publicado em Jornal do 44º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho, fls. 92/95, evento realizado em São Paulo entre os dias 21 e 23 de junho de 2004, sob a coordenação do Dr. Amauri Mascaro Nascimento

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Poste aqui seu comentário.