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quinta-feira, 21 de julho de 2011

O direito material do trabalho e o colapso do Judiciário Trabalhista: uma relação inegável*

* artigo produzido e publicado no ano de 2.003.


Neste corrente ano de 2003 a Consolidação das Leis do Trabalho completa 60 anos de vida normativa, regendo as relações laborais de gera­ções e gerações de trabalhadores.
Seis décadas podem até parecem um perío­do muito grande, mas não quando se trata da vi­gência de um texto jurídico-legislativo, haja vista o vigor da Constituição Americana e do Código Civil francês, ambos promulgados há cerca de dois séculos e ainda dotados de plena eficácia social.
Mas, o que diferencia a velha, mas elogia­da, Constituição Americana da nossa não tão ve­lha, mas veementemente criticada, CLT?
Poderíamos resumir a resposta em apenas uma palavra: adaptabilidade.
O texto constitucional dos americanos foi reiteradamente adaptado pela Suprema Corte dos EUA durante estes seus mais de duzentos anos de história, apresentando-se, portanto, sempre mo­derno para efeito de disciplinamento jurídico das situações controvertidas que surgem na esteira do progresso da vida social, que ganha ares cada vez mais complexos. Tudo isto sem atingir o espírito liberal conferido pelos constituintes de 1787.
A nossa Consolidação das Leis do Trabalho, de seu turno, não conseguiu acompanhar o de­senvolvimento das relações sócio-laborais, as quais se tornaram cada vez mais complexas e di­versificadas. E certo que diversos dispositivos de seu texto foram revogados e/ou modificados, entretanto, o espírito da Consolidação mantém-se intocado, quase sessenta anos depois de sua entrada em vigor no longínquo governo de Ge­túlio Vargas.
O reflexo imediato desta incapacidade de a CLT reger coerentemente as relações empregatí­cías de um Brasil moderno é constatado no Judi­ciário Trabalhista Pátrio, o qual vem, há décadas, sendo sufocado pelo número crescente de litígios que batem às suas portas à busca de uma respos­ta estatal.
O número crescente de processos poderia até representar um sinal de efetivação do princí­pio do amplo acesso ao judiciário, segundo o qual deve ser viabilizado e fomentado o exercício do direito constitucional da ação (CF, art. 5º, XXXV), enquanto meio eficaz de exercício e consolidação da cidadania.
Mas, analisando-se o colapso trabalhista não há como se chegar a esta conclusão. O que se vê é uma prestação jurisdicional morosa, dispendiosa e, nem sempre, efetiva, sendo este um quadro que se contrapõe radicalmente ao amplo acesso ao judiciário defendido por Cappelletti, o qual pressupõe um judiciário rápi­do, cuja tutela seja eficaz.
Como solucionar o quadro calamitoso em que se encontra o judiciário trabalhista no Brasil? Modernizando a legislação processual? Contratan­do-se mais juízes? Reduzindo-se os recursos?
A legislação processual do trabalho nutre-se de uma vitalidade que não encontramos no direito do trabalho. Os inesgotáveis progressos que verificamos na seara do processo civil comum adentram, com ou sem adaptações, à casa do pro­cesso trabalhista, pelo que reformas no âmbito do processo do trabalho são percebidas de modo lninterrupto, dada a permanente adaptabilidade desta área do saber processual às inovações verificadas na ciência processual como um todo. Fazendo uma breve retrospectiva das inovações verificadas no âmbito do processo Iaboral somen­te na década de 90, verificamos que inúmeros ins­titutos do processo civil ganharam abrigo no pro­cesso do trabalho (tutela antecipatória, ações monitórias no processo do trabalho, demais no­vidades da reforma de 94), isto sem mencionar­mos as inovações específicas do processo e do judiciário trabalhista (execução de contribuições previdenciárias, extinção dos classistas, procedimento sumaríssimo, comissões de conciliação pré­via etc.). A legislação processual do trabalho não carece, portanto, de uma reforma, eis que ela se moderniza constantemente.
É justamente o anacronismo da legislação material do trabalho que responde pelo colapso da Justiça do Trabalho (1). De pouco, ou nada, adi­anta a existência de uma instituição razoavelmen­te evoluída, como o é a Justiça do Trabalho, se o arcabouço normativo que rege as relações em que se envolvem seus jurisdicionados é absolutamente antiquado.
A solução para o colapso não está dentro do judiciário trabalhista, nem em uma eventual reforma do processo do trabalho (o que, diga-se de passagem, entendemos desnecessário), mas sim dentro do direito material do trabalho, o qual precisa ser modernizado no sentido de fomentar a paz e o entendimento entre trabalhadores e pa­trões, e não o descontentamento e o litígio, como o faz a CLT de hoje que, munida do propósito de proteger o trabalhador impede-o de deliberar so­bre o exercício, concessão e pagamento dos pró­prios direitos.
Estatísticas não muito recentes apontavam para um número crescente de processos que entra­vam anualmente no judiciário trabalhista, já se apro­ximando da casa dos 300 mil processos/ano. Nú­mero astronômico, especialmente se comparado aos do Reino Unido, onde menos de 70 mil processos de natureza trabalhista são propostos por ano.
A litigiosidade é inerente a todos os recan­tos do convívio humano, do conjugal ao familiar, do social ao político. Obviamente no âmbito das relações empregatícias ela há de ser encontrada, o que é absolutamente normal e esperado. O que é inadmissível, entendemos, é uma estatuto re­gulador das relações laborais que cause mais divergência do que entendimento, onde as normas de proteção mostram-se inaptas à efetiva tutela do trabalhador.
A solução para a agonia do judiciário traba­lhista não habita nenhuma reforma processual, embora algumas inovações ainda sejam necessári­as, como a criação dos juizados especiais trabalhis­tas, mas está na modernização do direito material do trabalho, modernização esta que há de conceder a empregados e patrões melhores e mais eficazes mecanismos de negociação, isto sem atingir o âm­bito básico de proteção do trabalhador, qual seja o conjunto dos direitos garantidos na CF/88.
A concessão de flexibilidade à CLT e de um âmbito maior de debate entre patrões e emprega­dos (respeitando-se, obviamente, o núcleo míni­mo de proteção) é medida salutar não apenas para a modernização das relações laborais, mas também para a diminuição da Iitigiosidade verificada através dos números supra apresentados, eis que a lide trabalhista será fulminada em seu nascedouro.
Nota:
(1)  Discorrendo sobre a legislação trabalhista brasileira, a revista britânica “Economist” publicou artigo em 11.03.2011, com o título “Employer, Beware” (Empregador, Cuidado, em português), no qual “afirma que as leis trabalhistas brasileiras são ''extraordinariamente rígidas: elas impedem tanto empregadores como trabalhadores de negociar mudanças em termos e condições, mesmo quando há um acordo mútuo".
Para a revista, a legislação incentiva trabalhadores insatisfeitos a tentar que sejam demitidos em vez de pedir demissão.
Esse ciclo, acrescenta a Economist, induz também empresários a preferir não investir em treinamento de seus funcionários, já que esse é um investimento que pode não dar retorno.
De acordo com a publicação, as leis trabalhistas do Brasil são ''uma coleção de direitos de trabalhadores listados em 900 artigos, alguns escritos na Constituição do país, originalmente inspirados no código trabalhista de Mussolini''.
A reportagem diz que o conjunto de leis é custoso e que ''demissões 'sem justa causa'' geram multas de 4% sobre o que um trabalhador recebe", acrescentando que nem ''um empregado preguiçoso ou um empregador falido constituem 'justa causa'".
Ainda segundo o artigo da publicação britânica “em 2009, um total de 2,1 milhões de brasileiros processaram seus empregadores em cortes trabalhistas. ''Estes tribunais raramente se posicionam favoravelmente aos empregadores. O custo anual deste ramo do Judiciário é de de mais de R$ 10 bilhões (cerca de US$ 6 bilhões).
De acordo com a Economist, ''empresários há muito reclamam que essas onerosas leis trabalhistas, juntamente com elevados impostos sobre os salários, impedem-nos de realizar contratações e os empurram para fazer pagamentos por debaixo dos anos, isso quando esses pagamentos são feitos''.
O passado sindical do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva representava, no entender do empresariado brasileiro, uma esperança de que ele estaria mais bem situado que seus predecessores para persuadir trabalhadores a aderir a regras mais flexíveis que seriam melhores para eles.”
Porém, segundo o artigo em comento os escândalos que abalaram o primeiro mandato de Lula impediram a implementação desta e de outras reformas necessárias.
Fonte:
Extraído do artigo “Leis trabalhistas do Brasil são arcaicas e contraproducentes, diz 'Economist'”, publicado no site da Universo On Line, em 11.03.2011, sob o link: noticias.uol.com.br/bbc/2011/03/11/leis-trabalhistas-do-brasil-sao-arcaicas-e-contraproducentes-diz-economist.jhtm



* Publicado no Jornal do 15º Congresso Brasileiro de Direito Processual do Trabalho. São Paulo/SP : Editora LTr, 2003. p. 44-45.

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