Neste corrente ano de 2003 a Consolidação das Leis do Trabalho completa 60 anos de vida normativa, regendo as relações laborais de gerações e gerações de trabalhadores.
Seis décadas podem até parecem um período muito grande, mas não quando se trata da vigência de um texto jurídico-legislativo, haja vista o vigor da Constituição Americana e do Código Civil francês, ambos promulgados há cerca de dois séculos e ainda dotados de plena eficácia social.
Mas, o que diferencia a velha, mas elogiada, Constituição Americana da nossa não tão velha, mas veementemente criticada, CLT?
Poderíamos resumir a resposta em apenas uma palavra: adaptabilidade.
O texto constitucional dos americanos foi reiteradamente adaptado pela Suprema Corte dos EUA durante estes seus mais de duzentos anos de história, apresentando-se, portanto, sempre moderno para efeito de disciplinamento jurídico das situações controvertidas que surgem na esteira do progresso da vida social, que ganha ares cada vez mais complexos. Tudo isto sem atingir o espírito liberal conferido pelos constituintes de 1787.
A nossa Consolidação das Leis do Trabalho, de seu turno, não conseguiu acompanhar o desenvolvimento das relações sócio-laborais, as quais se tornaram cada vez mais complexas e diversificadas. E certo que diversos dispositivos de seu texto foram revogados e/ou modificados, entretanto, o espírito da Consolidação mantém-se intocado, quase sessenta anos depois de sua entrada em vigor no longínquo governo de Getúlio Vargas.
O reflexo imediato desta incapacidade de a CLT reger coerentemente as relações empregatícías de um Brasil moderno é constatado no Judiciário Trabalhista Pátrio, o qual vem, há décadas, sendo sufocado pelo número crescente de litígios que batem às suas portas à busca de uma resposta estatal.
O número crescente de processos poderia até representar um sinal de efetivação do princípio do amplo acesso ao judiciário, segundo o qual deve ser viabilizado e fomentado o exercício do direito constitucional da ação (CF, art. 5º, XXXV), enquanto meio eficaz de exercício e consolidação da cidadania.
Mas, analisando-se o colapso trabalhista não há como se chegar a esta conclusão. O que se vê é uma prestação jurisdicional morosa, dispendiosa e, nem sempre, efetiva, sendo este um quadro que se contrapõe radicalmente ao amplo acesso ao judiciário defendido por Cappelletti, o qual pressupõe um judiciário rápido, cuja tutela seja eficaz.
Como solucionar o quadro calamitoso em que se encontra o judiciário trabalhista no Brasil? Modernizando a legislação processual? Contratando-se mais juízes? Reduzindo-se os recursos?
A legislação processual do trabalho nutre-se de uma vitalidade que não encontramos no direito do trabalho. Os inesgotáveis progressos que verificamos na seara do processo civil comum adentram, com ou sem adaptações, à casa do processo trabalhista, pelo que reformas no âmbito do processo do trabalho são percebidas de modo lninterrupto, dada a permanente adaptabilidade desta área do saber processual às inovações verificadas na ciência processual como um todo. Fazendo uma breve retrospectiva das inovações verificadas no âmbito do processo Iaboral somente na década de 90, verificamos que inúmeros institutos do processo civil ganharam abrigo no processo do trabalho (tutela antecipatória, ações monitórias no processo do trabalho, demais novidades da reforma de 94), isto sem mencionarmos as inovações específicas do processo e do judiciário trabalhista (execução de contribuições previdenciárias, extinção dos classistas, procedimento sumaríssimo, comissões de conciliação prévia etc.). A legislação processual do trabalho não carece, portanto, de uma reforma, eis que ela se moderniza constantemente.
É justamente o anacronismo da legislação material do trabalho que responde pelo colapso da Justiça do Trabalho (1). De pouco, ou nada, adianta a existência de uma instituição razoavelmente evoluída, como o é a Justiça do Trabalho, se o arcabouço normativo que rege as relações em que se envolvem seus jurisdicionados é absolutamente antiquado.
A solução para o colapso não está dentro do judiciário trabalhista, nem em uma eventual reforma do processo do trabalho (o que, diga-se de passagem, entendemos desnecessário), mas sim dentro do direito material do trabalho, o qual precisa ser modernizado no sentido de fomentar a paz e o entendimento entre trabalhadores e patrões, e não o descontentamento e o litígio, como o faz a CLT de hoje que, munida do propósito de proteger o trabalhador impede-o de deliberar sobre o exercício, concessão e pagamento dos próprios direitos.
Estatísticas não muito recentes apontavam para um número crescente de processos que entravam anualmente no judiciário trabalhista, já se aproximando da casa dos 300 mil processos/ano. Número astronômico, especialmente se comparado aos do Reino Unido, onde menos de 70 mil processos de natureza trabalhista são propostos por ano.
A litigiosidade é inerente a todos os recantos do convívio humano, do conjugal ao familiar, do social ao político. Obviamente no âmbito das relações empregatícias ela há de ser encontrada, o que é absolutamente normal e esperado. O que é inadmissível, entendemos, é uma estatuto regulador das relações laborais que cause mais divergência do que entendimento, onde as normas de proteção mostram-se inaptas à efetiva tutela do trabalhador.
A solução para a agonia do judiciário trabalhista não habita nenhuma reforma processual, embora algumas inovações ainda sejam necessárias, como a criação dos juizados especiais trabalhistas, mas está na modernização do direito material do trabalho, modernização esta que há de conceder a empregados e patrões melhores e mais eficazes mecanismos de negociação, isto sem atingir o âmbito básico de proteção do trabalhador, qual seja o conjunto dos direitos garantidos na CF/88.
A concessão de flexibilidade à CLT e de um âmbito maior de debate entre patrões e empregados (respeitando-se, obviamente, o núcleo mínimo de proteção) é medida salutar não apenas para a modernização das relações laborais, mas também para a diminuição da Iitigiosidade verificada através dos números supra apresentados, eis que a lide trabalhista será fulminada em seu nascedouro.
Nota:
(1) Discorrendo sobre a legislação trabalhista brasileira, a revista britânica “Economist” publicou artigo em 11.03.2011, com o título “Employer, Beware” (Empregador, Cuidado, em português), no qual “afirma que as leis trabalhistas brasileiras são ''extraordinariamente rígidas: elas impedem tanto empregadores como trabalhadores de negociar mudanças em termos e condições, mesmo quando há um acordo mútuo".
Para a revista, a legislação incentiva trabalhadores insatisfeitos a tentar que sejam demitidos em vez de pedir demissão.
Esse ciclo, acrescenta a Economist, induz também empresários a preferir não investir em treinamento de seus funcionários, já que esse é um investimento que pode não dar retorno.
De acordo com a publicação, as leis trabalhistas do Brasil são ''uma coleção de direitos de trabalhadores listados em 900 artigos, alguns escritos na Constituição do país, originalmente inspirados no código trabalhista de Mussolini''.
A reportagem diz que o conjunto de leis é custoso e que ''demissões 'sem justa causa'' geram multas de 4% sobre o que um trabalhador recebe", acrescentando que nem ''um empregado preguiçoso ou um empregador falido constituem 'justa causa'".
Ainda segundo o artigo da publicação britânica “em 2009, um total de 2,1 milhões de brasileiros processaram seus empregadores em cortes trabalhistas. ''Estes tribunais raramente se posicionam favoravelmente aos empregadores. O custo anual deste ramo do Judiciário é de de mais de R$ 10 bilhões (cerca de US$ 6 bilhões).
De acordo com a Economist, ''empresários há muito reclamam que essas onerosas leis trabalhistas, juntamente com elevados impostos sobre os salários, impedem-nos de realizar contratações e os empurram para fazer pagamentos por debaixo dos anos, isso quando esses pagamentos são feitos''.
O passado sindical do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva representava, no entender do empresariado brasileiro, uma esperança de que ele estaria mais bem situado que seus predecessores para persuadir trabalhadores a aderir a regras mais flexíveis que seriam melhores para eles.”
Porém, segundo o artigo em comento os escândalos que abalaram o primeiro mandato de Lula impediram a implementação desta e de outras reformas necessárias.
Fonte:
Extraído do artigo “Leis trabalhistas do Brasil são arcaicas e contraproducentes, diz 'Economist'”, publicado no site da Universo On Line, em 11.03.2011, sob o link: noticias.uol.com.br/bbc/2011/03/11/leis-trabalhistas-do-brasil-sao-arcaicas-e-contraproducentes-diz-economist.jhtm
* Publicado no Jornal do 15º Congresso Brasileiro de Direito Processual do Trabalho. São Paulo/SP : Editora LTr, 2003. p. 44-45.
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