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quarta-feira, 20 de julho de 2011

A Lei n. 9.983/00 e os crimes relacionados aos sistemas de dados previdenciários*


         1 – Apresentação:

Em 14 de julho de 2000 foi promulgada a lei federal nº  9.983 que, modificando o texto do Código Penal  (decreto-lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940), criou  uma série de delitos alcunhados, posteriormente, de  crimes previdenciários.
Foi instituída a "apropriação indébita previdenciária"- art. 168-A, com o objetivo de punir a prática, outrora comum, de "deixar de repassar à  previdência social as contribuições recolhidas dos  contribuintes, no prazo e forma legal ou  convencional", bem como a "sonegação de contribuição  previdenciária"- art. 337-A, esta caracterizada pela  conduta criminosa de "suprimir ou reduzir contribuição  social previdenciária e qualquer acessório, mediante  as condutas descritas na novel lei".
Dois tipos penais criados ainda no seio desta breve reforma do Estatuto Repressivo objetivaram intimidar e reprimir a prática de atos realizados por servidores visando à modificação, inserção e alteração de dados nos sistemas de informações da administração pública, bem como a alteração irregular do sistema público de dados. São os delitos de "inserção de dados falsos em sistema de informações" e o de "modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações", respectivamente os novos art. 313-A e  art. 313-B do CP.
À análise destes dois últimos delitos citados circunscrever-se-ão as palavras e elucubrações deste breve comentário.

2 – A "intentio legis" da nova lei incriminadora:
A década de 90 foi marcada por escândalos e fraudes na previdência social. Estima-se que só a fraudadora Jorgina de Freitas e seu grupo de fraudadores tenham dado aos cofres públicos um prejuízo de mais de R$ 500 milhões, dos quais apenas R$ 75 milhões foram recuperados até a presente data.
O complexo sistema de fraudes perpetrado contra o INSS passava, invariavelmente, pela adulteração de dados insertos nos sistemas de informações da Previdência Social, criando situações não correspondentes à realidade, as quais ensejam, para o sistema previdenciário, o ônus de arcar com o pagamento do benefício ilegalmente obtido, os quais, somados, atingiram as cifras astronômicas acima  mencionadas. 
Mas para o êxito do empreendimento criminoso era, senão indispensável, pelo menos de grande utilidade a participação do funcionário público que tivesse acesso ao sistema de dados da Previdência Social, vez que através dele poder-se-ia facilitar a  adulteração dos dados dos segurados, tornado possível  a fraude e o auferimento irregular do benefício.
Não foi outra, portanto, a "intentio legis" da Lei 9.983-2000, qual seja a de inibir a prática de tais atos irregulares que tantos prejuízos trouxeram, e ainda trazem, aos já desequilibrados cofres da  previdência social.
É sabido que o texto da novel lei incriminadora não faz menção especial aos funcionários da previdência, abrangendo, portanto, todos os  servidores públicos. Entretanto, dados os recentes acontecimentos no âmbito da previdência, não há de se discutir que o desiderato dos novos tipos penais é o de intimidar os funcionários do INSS no que pertine à  prática de atos de que possa resultar prejuízos ao  erário.

 3 – Os novos tipos penais:
Conforme o mencionado na apresentação deste estudo, a lei 9983/2000 introduziu no texto do Código  Penal mais quatro delitos, dos quais dois diretamente destinados a inibir a prática, por parte de  funcionários, de atos que importem alteração ou  indevida inserção de dados em sistemas de informações  da administração pública.
Um dos tipos corresponde ao delito de "inserção de dados falsos em sistema de informações" cuja prática dá-se através da conduta de  "inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a  inserção de dados falsos, alterar ou excluir  indevidamente dados corretos nos sistemas  informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano". Para o crime há a previsão da pesada reprimenda de 2 (dois) a 12 (doze)  anos de reclusão, além de multa.
Infere-se, da simples leitura do preceito primário (incriminador) que o delito corresponde a um crime próprio, ou seja, só podendo ser praticado por funcionário autorizado a inserir ou modificar dados  dos sistemas de informações do poder público. Há ainda, para a caracterização do ato delituoso, de ter o agente se portado com o fito especial de obter  vantagem indevida para si ou para outrem, ou para  causar dano (dolo específico, na linguagem dos  penalistas).
A maior severidade da punição (reclusão de 2 a 12 anos, cumulada com a multa) justifica-se pelo fato de que a conduta ali reprovada corresponde  fielmente ao proceder dos funcionários do INSS que se  envolveram nas fraudes comentadas no item antecedente. Constitui manifestação da elevada reprovabilidade do legislador a atos potencialmente tão danosos aos cofres públicos. Neste aspecto, aliás, oportuna é a afirmação de Cesare de Beccaria, decano do direito penal moderno, quando proclamava "quanto maior a lesividade do ato, maior será a sua punição" (princípio da proporcionalidade).
O princípio da proporcionalidade justifica ainda a concessão, ao juiz, de grande "espaço" para fixação da pena, qual seja de 02 a 12 anos. Isto porque na fixação da pena base não poderá o magistrado fugir à obrigação de avaliar a extensão dos danos, atribuindo, verbi gratia, a pena máxima a funcionários que se envolverem em fraudes de grande monta, como as anteriormente comentadas. Inegável, portanto, o feitio intimidativo de tão severa reprimenda.
O segundo delito aqui em comento também se trata de um crime próprio, na medida em que só funcionário público pode praticá-lo. A conduta penalizada consiste em "modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem solicitação ou autorização da autoridade competente".
Enquanto, no crime anterior, a ação consistia, basicamente, na alteração dos dados, neste pune-se a alteração do sistema-programa de informática, cuja razão de ser é precisamente o manejo daqueles dados.
Não há a exigência de dolo específico, ou seja, de que o agente atue com o desiderato de causar dano ou obter vantagem, ainda que estes, vantagem e dano, possam ocorrer posteriormente, aumentando a pena de um terço à metade.
Entendeu o legislador que referida conduta, ainda que não desejada e condenável, não é potencialmente tão lesiva quanto o delito anterior, daí a menor reprimenda, três meses a dois anos de detenção, cumulada com multa. Com a devida vênia, acreditamos que seria adequada a atribuição de pena mais rigorosa, especialmente no caso de superveniência de dano pois, dada a natureza da alteração irregularmente implementada no sistema de informações, os prejuízos ao erário podem atingir enormes proporções.

 4 – Conclusão:
Não foi sem propósito a afirmação do digníssimo Dr. Ricardo Berzoini, atual Ministro de Previdência quando, em pronunciamento de 27/01/2003, logo no início das discussões relacionadas à reforma da previdência, manifestou a necessidade urgente de modernização dos instrumentos de informática e tratamento de dados do sistema de previdência social. A informática vem tendo a cada dia mais relevância e ingerência na vida moderna e até mesmo o poder público vem colhendo há tempos os benefícios de sua racional utilização.
No entanto, mais do que uma mera atualização técnica no tratamento dos dados, propugnamos pela edificação de um coerente e eficaz sistema de fiscalização da conduta profissional dos funcionários autorizados à inserção de dados no banco de informações previdenciárias. Evitar-se-ia, com isso, a prática da fraude no seu nascedouro.
A história recente dos vergonhosos episódios verificados quando das vultosas fraudes da Previdência Social demonstram que as informações guardadas em arquivos públicos devem ser corretamente manejadas e fiscalizadas, sob pena de o Estado ter de vir a arcar com prejuízos de imensuráveis proporções.
Os dois tipos penais comentados neste breve estudo demonstram a preocupação de nossas autoridades com a guarda e tratamento dos dados no âmbito do Poder Público, com vistas a que fraudes não mais aconteçam, ou pelo menos que aconteçam em menor quantidade.
Resta-nos, apenas, esperar que os tipos penais criados no bojo da lei 9983/2000 surtam a eficácia social esperada, e que os potenciais  infratores intimidem-se quando da prática de atos tão condenáveis e reprováveis.
Desejamos, apenas, que não ocorra com a lei 9.983/2000 o mesmo fato que se verificou com a lei 8.072/1990, quando da colocação dos sequestros entre os crimes hediondos, todos tratados com considerável severidade. Nunca se viu tantos sequestros como na década de 90!
Somente a severa e exemplar punição dos infratores da lei 9.983/2000 pode efetivar o caráter intimidativo que caracteriza toda norma incriminadora.



* Publicado no Jornal do 16º Congresso Brasileiro de Previdência Social. São Paulo/SP: Editora LTr, 2003. p. 52-53.

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