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sexta-feira, 22 de julho de 2011

O acidente do trabalho e a questão da cumulação das indenizações por dano moral e estético resultantes de um mesmo fato*

       1 - Introdução:
O fundamento normativo da responsabilidade civil (dever de indenizar) está hoje alicerçado em dois importantes dispositivos legais; um, de natureza constitucional, qual seja o artigo 5º, inciso V, da Lei Maior, e outro, de natureza infraconstitucional, correspondente ao artigo 186 do Novo Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002).
Em ambos os citados preceitos normativos há referência expressa à indenizabilidade dos danos de natureza exclusivamente moral estando, portanto, ultrapassados quaisquer debates acerca da possibilidade jurídica de o lesado se ver ressarcido, ainda que tenha sofrido lesões em interesses de natureza não patrimonial.
Questão atual e controversa, no entanto, é a relativa à admissibilidade de condenação do empregador, em caso de acidente do trabalho, ao pagamento de indenização por dano moral e por dano estético, decorrentes do mesmo fato.
Seria cabível, em caso de acidente do trabalho de que tenham resultado lesões de natureza estética, a cumulação dos pedidos de indenização por dano moral e de indenização por dano estético?
Responder a esta indagação é o que objetivamos com este breve estudo.
2 - Classificação jurídica dos danos na doutrina da responsabilidade civil:
A indenização por danos materiais presta-se ao ressarcimento dos prejuízos e despesas de ordem econômica, ou seja, que podem ser apreciados e dimensionados pecuniariamente. As despesas médico-hospitalares e a redução de capacidade laborativa são os exemplos de danos de natureza material mais comuns quando se fala deste fato pertencente ao campo da infortunística que é o acidente do trabalho.
De seu turno, a indenização pelo dano moral não tem esta natureza ressarcitória, na medida em que não corresponde a uma quantia em dinheiro que será destinada ao acidentado para reparar-lhe um dano em interesse de natureza não patrimonial. Em outras palavras, com a indenização por danos morais não está a se pagar a dor sofrida pela vítima do acidente do trabalho, nem o sofrimento que, eventualmente, este fato tenha trazido para os seus familiares, no caso de sua morte. Os interesses lesados que justificam e autorizam a condenação do empregador ao pagamento de indenização por danos morais não têm natureza patrimonial. A indenização por danos morais destina-se, antes, a proporcionar no espírito da vítima uma satisfação que reduza o sofrimento decorrente do fato (acidente do trabalho) que a afligiu, servindo ainda de punição ao autor do ato ilícito, tendo assim efeito também pedagógico.
A partir desta singela exposição podemos estabelecer uma classificação dicotômica acerca dos danos e interesses indenizáveis: 1) quando os interesses lesados forem de natureza patrimonial estaremos frente a um dano material; 2) quando os interesse lesados forem de natureza não patrimonial estaremos diante de um dano moral.
Mas, onde ficam os danos estéticos nesta classificação? São eles danos morais? São danos materiais? Correspondem a um tertio genus?
A última hipótese há de ser desconsiderada de plano, pois os danos estéticos não correspondem a uma terceira classe de danos. A única classificação admissível, quando se procura enquadrar os danos indenizáveis, é aquela dicotômica que já apresentamos. Ou seja, o dano, a ser indenizado, ou é material, ou moral, segundo a presença, ou não, de lesões de natureza patrimonial, decorrentes de determinado fato jurídico, no caso, estamos falando do acidente do trabalho.
Maiores elucidações neste sentido serão apresentadas no próximo tópico.
3 – O dano estético. Definição e caracterização:
Segundo o escólio de Maria Helena Diniz,

"dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa" (1).

O acidente do trabalho pode ou não resultar em alteração morfológica do trabalhador vítima do infortúnio. Ocorrendo tal alteração morfológica, sendo ou não sendo ela ostensiva, estamos diante de um dano de natureza estética.
A definição da renomada civilista aborda o dano estético sob o prisma das lesões que determinado fato deixa na beleza física humana. O que interessa, para o jurista, não é o dano estético em si, enquanto evento do mundo dos fatos, mas sim as consequências e repercussões jurídicas dele decorrentes, in casu, o dever de indenizar.
O dano estético, de regra, resulta em grande sofrimento para a vítima, especialmente quando a beleza física é para a mesma bem de grande valor. Não é incomum, também, a identificação de perdas de natureza material, como as referentes a tratamentos clínicos posteriores e à redução da capacidade para o trabalho da pessoa, mormente quando o dano estético se manifesta por mutilações e/ ou perda da capacidade funcional de determinado órgão ou parte do corpo.
A ação civil de natureza indenizatória que tenha como fundamento jurídico um acidente do trabalho de que tenha resultado lesão de caráter estético pode pleitear a indenização por danos morais e por danos materiais, de forma cumulada ou isolada.
Eventual pedido de indenização específica, e à parte, referente exclusivamente aos danos estéticos não há de ser deferido, eis que as conseqüências das lesões estéticas já constituirão fundamento tanto para o pedido de indenização por danos materiais, caso da lesão estética resultem gastos com cirurgias plásticas e demais gastos hospitalares, ou ainda em perda ou redução da capacidade para o labor, e também já constituirão, as lesões estéticas, fundamento para o pedido de indenização por danos morais, referentes ao sofrimento e à dor que por toda a vida acompanharão o trabalhador que carregará consigo as marcas do infortúnio.
Observe-se que não estamos pugnando pela não-indenizabilidade do dano estético. Acreditamos, apenas, que todas as consequências dos danos estéticos podem ser direcionadas no sentido de fundamentar pedidos de indenização por danos materiais ou morais.
Militam em favor de nossa tese, verbi gratia, os posicionamentos judiciais abaixo, da lavra do augusto TRT da 3ª Região:

Ementa: Dano moral e dano material- "Bis in idem" - Não configuração. O dano material - que compreende os danos emergentes e os lucros cessantes - não se confunde com o dano moral, embora decorrentes de um mesmo ato ilícito. O dano estético, por sua vez, está englobado pelo dano moral, já que se trata de um só bem jurídico atingido: a integridade e a dignidade humana, ambos direitos da personalidade. Não se configura, portanto, "bis in idem" o deferimento de indenização por danos materiais e reparação de danos morais, já que são institutos distintos, embora gerados por um mesmo ato. De igual modo, não mais persiste a idéia de que não se pode cumular o pedido de ambos na mesma ação. (TRT 3ªR.-1T -RO/6078/01 - Rel.Juiz Jos Marlon de Freitas - DJMG 20.7.01 P.07).

Ementa: indenização por danos. Prejuízo extrapatrimonial. Há dois gêneros de danos: os materiais, economicamente apreciáveis; e os não-materiais, ou morais, impassíveis de apuração econômica, mas também indenizáveis. O dano moral compreende todo prejuízo de ordem extrapatrimonial, isto é, aquele que ocorre no plano ideal, e que não pode ser aferido de forma rigorosa, podendo atingir a honra, a imagem, a psique, o equilíbrio íntimo, a integridade física da pessoa, etc. Assim, tanto o prejuízo estético como as dores físicas e interiores sofridas pela vítima representam danos morais, conjuntamente indenizáveis. (TRT 3ª R 6T RO/14139/02 Red. Juiz Ricardo Antônio Mohallem DJMG 19.12.02 p.30).

Ementa: Dano estético - Indenização por dano moral - O conceito de dano moral é bem mais amplo do que "ofensa à honra". Caracteriza o dano moral quando atingido qualquer bem jurídico insuscetível de avaliação econômica ou pecuniária, o que leva a questão para o campo dos direitos de personalidade, sejam os direitos à integridade física, sejam os direitos à integridade moral. Assim, devida a indenização pelo dano estético sofrido em decorrência de acidente de trabalho. (TRT 3º R.- 5T - RO/21016/98 - ReI. Juíza. Taísa Maria Macena de Lima - DJMG 14.8.99 - p. 18).

Não é incomum, entretanto, encontrarmos julgados onde há a admissão das indenizações cumuladas por danos morais e estéticos (2). Os magistrados que assim pensam admitem tal situação porque, na concessão da indenização, separam os fatos que podem fundamentar a indenização por danos morais (a dor do acidente, o sofrimento) e os que podem fundamentar a indenização pelo dano estético (lesão à integridade e à harmonia física da pessoa). Segundo o nosso modesto pensar todas estas consequências do fato, seja a dor, seja a desarmonia física decorrente do dano estético, como resultam em lesões de interesse de natureza não patrimonial, merecem uma indenização única, a título de dano moral, tão somente.
4 – Conclusões:
Qualquer fato jurídico que gere a incidência das normas de responsabilidade civil proporcionará ao lesado (vítima), conforme o caso, o direito à indenização por danos morais e materiais, cumulados ou isolados.
O dano estético é um fato de acendrada importância jurídica e capaz de autorizar a vítima a pleitear em juízo a indenização correspondente, a qual há de circunscrever-se às duas modalidades possíveis de indenização, a por danos morais, ou a por danos materiais.
O sofrimento, a dor, a angústia resultantes do dano estético justificam o pleito de uma indenização por danos morais, na medida em que esta modalidade de indenização repara os padecimentos resultantes da privação de um bem sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridicamente, no caso a beleza e a integridade físicas.
Se, ainda como resultado do dano estético, puder ser identificado prejuízo de ordem econômica, como é o caso de o acidentado ter sua capacidade laborativa reduzida, há fundamento para o pedido de indenização por danos materiais.
A condenação ao pagamento cumulado de indenização por danos morais é estético, entendemos, é uma afronta à lógica jurídica e se constitui em bis in idem vedado pela ciência jurídica.
5 – Bibliografia referenciada:
DINIZ, Maria Helena. "Curso de Direito Civil Brasileiro", 7º volume, Responsabilidade Civil. 15ª ed. rev. atual. 2001. Editora Saraiva. São Paulo.
6 – Notas:
1 - "Obra referenciada", p. 73.
2 - Julgado do TRT da 3ª Região: Ementa: Dano moral e dano estético. Cumulação. Admite-se a cumulação do dano moral e estético, ainda que derivados do mesmo fato, quando possuem fundamentos distintos. O dano moral compensável pela dor e constrangimento impostos ao autor e o dano estético pela anomalia que a vítima passou a ostentar. O dano estético afeta "a integridade pessoal do ser humano, em geral, e em particular a harmonia física, concebidas como materialização de um direito humano garantido no nível constitucional". Ele poderá ser o resultado de uma ferida que gera cicatriz, da amputação de um membro, falange, orelha, nariz, olho ou outro elemento da anatomia humana. Quando se constata que um semelhante possui alguma parte do corpo alterada em relação à imagem que tinha formado o observador, o fato causa impacto a quem a percebe através de seus sentidos. Inegável que esse dano estético provoca também impacto sobre a percepção da própria vítima, afetada com a diminuição da harmonia corporal. O que se visa proteger não é a beleza, valor relativo na vida cotidiana, mas garantir as circunstâncias de regularidade, habitualidade ou normalidade do aspecto de uma pessoa; busca-se reparar que o ser humano, vítima da cicatriz, se veja como alguém diferente ou inferior, ante a curiosidade natural dos outros, na sua vida de relação. A reparação não resulta, portanto, do fato de a cicatriz ser repulsiva, embora essa circunstância possa aumentar o quantum ressarcitório, tampouco de ser sanada mediante uma cirurgia plástica, fato que poderá atenuar o valor da indenização (Grandov, Balldomero e Bascary Miguel Carril/o. cicatrices. Dano estetico y Derecho a Ia integridad fisica. Rosario: Editorial FAZ, 2000, p. 34 e 40). Aliás, o STJ já se pronunciou nesse sentido por meio de suas turmas nos seguintes acórdãos: 2" T / AGA 276023/ RJ / Relatar Min. Paulo Gallotti / Fonte: DJ / DATA: 28.8.00 /pg: 00068/RSTJ/vol..:00138 pg: 00172; 3" T / REsp n. 254445/ PR / Relator Min. Nancy Andrighi / Fonte: DJ Data: 23.6.03 / pg: 00351; e 4" T / REsp n. 347.978 / RJ / Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar / Fonte: DJ Data: 10.6.02, pg.: 00217. Se o valor fixado pelo juiz considerou os dois aspectos, o dano estético já foi objeto de ressarcimento.(TRT 3ª R, 2ª Turma, 01771-2002-032-03-00-2, RO ReI. Juíza Alice Monteiro de Barros, DJMG 30.7.03 p.l0).


* Publicado no Jornal do 4º Congresso Brasileiro de Segurança e Saúde no Trabalho. São Paulo/SP : Editora LTr, 2003. p. 37-39.

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