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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Hipóteses de não-caracterização da responsabilidade civil do empregador pelo acidente do trabalho

1 – Introdução:
A Constituição Federal de 1.988 assegura ao empregado o direito a “seguro contra acidente do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa” (art.7º, XXVIII).
 Infere-se, pela exegese de citada norma constitucional, que a responsabilidade civil do empregador pelo infortúnio verificado é de natureza subjetiva, exigindo-se que o mesmo concorra com sua culpa (lato sensu) para que sobre si possa incidir a responsabilização pelo dano.
 Ao contrário da indenização acidentária (devida pelo segurador - art.7º, XXVIII, primeira parte) que não será afastada nem mesmo em face de caso fortuito ou força maior, a indenização comum, fundada no direito civil, poderá não ser devida em diversas situações, sobre as quais falaremos pormenorizadamente a seguir.
 2 – Caracterização do dever de indenizar, na responsabilidade subjetiva:
 Para que o empregado vitimado por um acidente possa exigir de seu empregador o pagamento de uma indenização quatro condições hão de ser satisfeitas: 1) Existência de uma conduta do empregador, que poderá ser positiva (ação) ou negativa (omissão - ex: não providenciar equipamento de segurança); 2) Existência de um dano, que poderá ser material (redução de capacidade laborativa, por exemplo), psicológico (um trauma, em virtude da gravidade do acidente), estético (lesões graves na face) etc; 3) Relação de causalidade entre os itens 1 e 2, devendo ser provado que o dano resultou da conduta do empregador; 4) Culpa lato sensu, uma vez que só poderá ser responsabilizado se tiver agido com culpa ou dolo. Lembrando-se que na atual ordem constitucional qualquer grau de culpa pode gerar a responsabilidade do patrão, não se exigindo mais a culpa grave, como ocorria anteriormente.
 Qualquer fato que elimine um dos itens desta estrutura lógica resultará na não-caracterização da responsabilidade patronal pelo acidente do trabalho.
3 – Fato exclusivo da vítima (empregado):
 Sérgio Cavalieri Filho (1) prefere falar em fato exclusivo da vítima a usar a terminologia culpa exclusiva, pois, no seu entender, a questão não pertence ao campo da culpa, circunscrevendo-se ao âmbito do nexo causal, e sobre este prisma há de ser analisada.
 O fato exclusivo da vítima impede que se verifique o nexo de causalidade entre a conduta do empregador e o dano que sobreveio ao empregado. In casu, não houve por parte do empregador a prática de ato ou omissão alguma que tenha resultado no acidente.
Ensina Maria Helena Diniz (2) que não haverá responsabilidade patronal se se provar que, por exemplo, o operário deliberadamente colocou um dedo na máquina para provocar o acidente e receber a indenização.
 A máquina que lhe causou o dano figura como mero instrumento do acidente, no dizer de Sílvio Rodrigues (3), sendo o operário lesionado o próprio autor do evento que lhe foi danoso.
Washington de Barros Monteiro (4) diz textualmente que “o nexo desaparece ou se interrompe quando o PROCEDIMENTO DA VÍTIMA é a causa ÚNICA do evento”.
Assim já decidiu o Tribunal de Justiça de Goiás:
"Apelação Cível. Ação de indenização por danos decorrentes de acidente de trabalho. Inexistência das condutas comissiva e omissiva imputadas ao empregador. Culpa exclusiva do obreiro. Afastado o nexo causal. Não caracterização da responsabilidade civil. 1- O dever de indenizar os danos decorrentes de acidente, mesmo que ocorrido durante o pacto laboral, surge somente quando comprovada a existência do dano, da conduta ilícita, do nexo causal e da culpa do empregador. 2- A prova pericial constatou que foram fornecidos os equipamentos de proteção individual necessários e suficientes a garantir a segurança do trabalho, razão pela qual resta descaracterizada a suposta conduta ilícita do empregador. 3- Tendo em vista que o empregador prestou toda a assistência necessária por ocasião da ocorrência do evento danoso, não há que se cogitar em omissão culposa ilícita. 4- A culpa exclusiva da vítima afasta o nexo causal entre os danos sofridos e qualquer conduta praticada por terceiro, porquanto esta não contribuiu para o advento do evento danoso. 5- Responsabilidade Civil não configurada. 6- Recurso conhecido e improvido". (TJ-GO)
Poderíamos ainda citar a hipótese de o empregado intencionalmente fazer uso irregular do equipamento de segurança no intuito de que lhe sobrevenha um acidente que lhe possa dar direito a uma indenização. O acidente foi resultado de sua forma de proceder, portanto, descabe a responsabilização do empregador.
No entanto, configurada está a responsabilidade patronal se, no caso em análise, não houvesse o empregador providenciado o equipamento de segurança, pois que haveria nexo entre sua conduta culposa (omissão) e o dano advindo ao empregado.
4 – Caso fortuito e força maior:
 “Fala-se em caso fortuito ou de força maior quando se trata de acontecimento que escapa a toda diligência, inteiramente estranho à vontade do devedor da obrigação”.(5)
Sérgio Cavalieri Filho (6) considera caso fortuito o fato necessário imprevisível e, por conseguinte, inevitável. A força maior seria o fato necessário também inevitável, porém previsível, como o são os fatos da natureza (raio, enchente, terremoto). Pode-se prever uma tempestade, mas não a gravidade dos danos que ela pode causar.
Divergências há quanto à definição destes institutos, mas tal debate nunca foi de relevância no direito brasileiro eis que os dois códigos civis tratam-nos quase na condição de sinônimos (CC de 1916, artigo 1.058, parágrafo único; CC de 2002, artigo 393, parágrafo único), sendo também idênticas as conseqüências jurídicas de sua ocorrência.
Ambos excluem o nexo de causalidade e qualquer forma de responsabilização do empregador, pois correspondem a um fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (Novo CCB, artigo 393, parágrafo único).
Haverá, entretanto, responsabilidade do patrão se, malgrado o dano resultar de um fato necessário (enchente, tempestade etc), os efeitos deste possam ser evitados ou impedidos por um ato do empregador (providenciando equipamentos de segurança, por exemplo).
Suponhamos, por exemplo, que durante uma intensa chuva tenha ocorrido o desabamento e a inundação de uma mina, soterrando e matando diversos mineiros. Embora seja inquestionável que a chuva seja um fato necessário será preciso questionar se os efeitos da mesma (desmoronamento e inundação) eram inevitáveis ou não pois, sendo evitáveis por ato do patrão verifica-se o nexo de causalidade e este deverá ser responsabilizado. “É preciso apreciar caso por caso as condições em que o evento ocorreu, verificando se nessas condições o fato era previsível ou inevitável”.(7)
Para que haja a exclusão do nexo causal e fique o empregador isento de qualquer responsabilidade necessário será, portanto, que os efeitos do fato necessário sejam inevitáveis.
5 – Fato de terceiro:
Igualmente, o fato de terceiro é idôneo a afastar o nexo de causalidade e, por via de consequência, a responsabilidade patronal.
Entretanto, o mesmo é de difícil configuração quando da ocorrência de um acidente no curso da relação de emprego.
 Poderíamos, por exemplo, vislumbrar a hipótese de o empregador haver providenciado os equipamentos de segurança exigidos pelas normas de segurança do trabalho e, mesmo assim, houver advindo danos à pessoa do empregado, decorrentes da péssima qualidade dos equipamentos adquiridos pelo patrão. À primeira vista poderia até parecer se tratar de fato de terceiro (empresa que vendeu os equipamentos ao patrão) na medida em que há uma relação lógica de causalidade entre o acidente verificado e a qualidade ruim do equipamento. No entanto, o caso não é de fato de terceiro, eis que o empregador concorreu com sua culpa in eligendo, ao não investigar acerca da qualidade dos equipamentos adquiridos.
Seria, no entanto, um caso de fato de terceiro em que restaria excluída a responsabilidade patronal a situação de o empregado sofrer lesões ou até mesmo falecer em virtude de um curto-circuito em máquina que operava, fato este ocorrido em face de excessiva tensão na rede elétrica, atribuída a falhas de operação da fornecedora. Neste caso, não obrou com culpa alguma o empregador, devendo ser atribuída exclusivamente ao terceiro (fornecedora da energia elétrica) a responsabilidade pela reparação dos danos verificados.
6 – Outras causas excludentes da responsabilidade do empregador:
Maria Helena Diniz (8) enumera algumas situações onde restará excluída a responsabilidade patronal pelo acidente a saber: 1) Advier de doença endêmica adquirida pelo empregado que mora em regiões onde ela se desenvolve, salvo se se provar que tal doença se manifestou em razão da natureza do trabalho; 2) For decorrente de doença degenerativa; 3) For inerente a grupo etário.
Nestas situações, igualmente, não há de se falar em nexo de causalidade, estando o empregador isento de qualquer responsabilidade civil.
7 – Conclusões:
Diversas são as situações em que não se verificará a responsabilidade patronal pela indenização civil.
Referidas situações resultam da exclusão do nexo de causalidade, sem o qual não se preenchem os requisitos básicos para configuração do dever de indenizar.
Cada caso, entretanto, há de ser analisado profundamente, sob pena de aplicar-se a legislação de modo injusto, prejudicando o obreiro. Há de se inferir se, para a ocorrência do evento, não contou o empregador com nenhum grau de participação, seja com uma conduta ativa, seja com uma conduta omissiva, seja com uma conduta dolosa, seja com uma conduta culposa, pois concorrendo para a existência do infortúnio deverá o empregador também ser responsabilizado civilmente.
 8 - Notas:
(1) Programa de Responsabilidade Civil, p.65.
(2) Curso de Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil, p.409.
(3) Responsabilidade Civil, p.179.
(4) Curso de Direito Civil - Parte Geral, p.279.
(5) Sérgio Cavalieri Filho, op. cit., p.66.
(6) Sérgio Cavalieri Filho, op. cit., p.66.
(7) Sérgio Cavalieri Filho, op. cit., p.66/67.
(8) Obra citada, p.409.
 9 - Bibliografia referenciada:
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2ª edição. São Paulo : Malheiros, 1999.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil. 15ª edição revista. São Paulo : Saraiva, 2001.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil - Parte Geral. 25ª edição. São Paulo : Saraiva, 19??.
      RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade Civil. 12ª edição. São Paulo:  Saraiva, 19??.


Publicado no Jornal do 5º Congresso Brasileiro de Saúde e Segurança no Trabalho. São Paulo/SP: Editora LTr, 2004. p. 22-23.

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