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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Dignidade do trabalhador e realidade econômica no Brasil de hoje

A Constituição Federal de 1988 prescreve, como fundamento do estado brasileiro, o princípio da dignidade da pessoa humana (CRFB-88, artigo lº, III).
Dada a novidade de referido princípio no seio de nossa ordem constitucional, não pode a doutrina, até o momento, definir com precisão o seu conteúdo jurídico, pelo que são comuns posicionamentos científicos distintos acerca de aludida norma fundamental. Pinto Ferreira, por exemplo, equipara a dignidade da pessoa humana aos chamados direitos humanos. Gomes Canotilho e Vidal Moreira, citados por José Afonso da Silva (1), têm uma visão mais abrangente e mais bem elaborada sobre o tema em debate. Entendem os notáveis constitucionalistas lusos que
“o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir “teoria do núcleo da personalidade” individual, ignorando-a quando se trate de direitos econômicos, sociais e culturais.”
A partir da proposição constitucional básica, encetada no artigo 1º, inciso III, cotejando-se a mesma com outros dispositivos da Carta Magna é possível construir regulamentos constitucionais específicos para o disciplinamento, verbi gratia, de uma dignidade da pessoa do preso, do idoso, do índio e, por que não, do trabalhador. Isto porque a Constituição Federal não se limitou a, simplesmente, citar um isolado, abstrato e teórico princípio da dignidade da pessoa humana, mas também cuidou de prever, em seu próprio texto, normas específicas com as quais procura assegurar e viabilizar a dignidade de diversas classes de pessoas, entre as quais colocam-se as citadas acima.
Efetivamente, a apresentação da dignidade da pessoa humana como fundamento do estado brasileiro colocou-a na posição de princípio norteador de todo o sistema normativo constitucional, pelo que a aplicação de todas as normas constitucionais deve sempre ter como objetivo assegurar à pessoa o respeito à sua ínsita condição humana, estando portanto vedados tratamentos desumanos, cruéis, torturas, escravização etc.
A normatização constitucional garantidora especificamente da efetividade do princípio da dignidade do trabalhador encontra-se, precipuamente, no artigo 7º do Texto Magno que, em diversos de seus incisos, cuida de assegurar ao trabalhador condições de existência digna, não só no ambiente de trabalho (art. 7º, XXII), como também em sua vida social (art. 7º, IV). Indiretamente, outras normas constitucionais buscam assegurar a dignidade do trabalhador, como ocorre com a regra esculpida no caput do art. 170 da Magna Carta, que coloca a dignidade como um dos objetivos a serem perseguidos pela ordem econômica.
Relembremo-nos de que o direito do trabalho teve sua origem nos movimentos operários que visavam garantir aos trabalhadores condições dignas de trabalho e de existência social, pelo que todas as normas laborais buscam, direta ou indiretamente, o respeito à dignidade da pessoa do trabalhador.
Ocorre que, colocada num plano meramente teórico, a nossa Constituição Federal não é digna de reparos, pois encerra um corpo normativo apto efetivamente a assegurar à imensa classe trabalhadora condições dignas de existência e desempenho de suas atividades.
O Texto Magno é deveras programático em muitas de suas normas, o que por vezes cria um certo distanciamento entre o que está previsto na norma constitucional, e o que se verifica na vida dos trabalhadores brasileiros, donde se infere que o respeito generalizado à dignidade da pessoa do trabalhador é, pelo menos no momento em que vivemos, um ideal distante.
A situação de subdesenvolvimentismo econômico que caracteriza o Brasil impede maiores progressos e a concessão de maiores benefícios aos trabalhadores brasileiros. Para que o salário-mínino, que no nosso modesto entendimento é instrumento básico de garantia da dignidade do trabalhador em sua vida social, possa atingir os valores que os institutos de pesquisa econômica mais abalizados acreditam ser o ideal para se concretizar a norma do inciso IV do artigo 7º (2) é necessário que o país cresça economicamente em níveis anuais muitos superiores ao que hoje se verifica.
O quadro de subdesenvolvimento, aliado à recessão econômica que simplesmente paralisa a economia e deixa de mãos atadas o Governo Federal resulta no aviltamento de uma imensa massa de trabalhadores, os quais acabam por se sujeitar a condições desumanas de trabalho e a remunerações que muitas vezes refletem um quadro quase que de escravidão (3).
Os quadros de sub-emprego e de empregos informais, decorrentes diretamente da recessão econômica, resultam em que grande contingente de pessoas fiquem alheadas de qualquer proteção assegurada pelas normas laboraís, submetidas a condições que muito se distanciam da dignidade que a CF procurou lhes assegurar.
A nossa Carta Magna é digna de aplausos ao assegurar aos brasileiros o direito à saúde, segurança, moradia, educação e, no campo dos direitos laborais, ao elencar uma série de direitos que se vêem em poucas constituições.
Infelizmente a dignidade do trabalhador desenhada em termos teóricos no texto constitucional encontra diversos empecilhos à sua plena concretização no mundo dos fatos, onde há uma enorme quantidade de trabalhadores à espera de um salário-mínimo que lhes garanta efetivamente uma existência digna.
A efetivação do princípio da dignidade do trabalhador passa pela radical mudança da condição econômica de nosso país (4), o qual há de transcender a linha que separa os pobres dos ricos no cenário econômico mundial.
Discussões meramente teóricas acerca da dignidade do trabalhador são desnecessárias. Basta aos condutores de nossa economia colocar o país na linha do progresso econômico, pois a efetivação do princípio da dignidade do trabalhador é onerosa tanto para o estado quanto para o empregador.
Notas:
1) “Curso de Direito Constitucional”, 9ª Edição revista, 3ª tiragem, Malheiros, São Paulo, 1993.
2) O Dieese defende um salário-mínimo que hoje equivaleria a aproximadamente seis vezes o salário vigente.
3) Estudos realizados pela OIT atestam que os trabalhadores são mais ofendidos em sua dignidade justamente nos países menos desenvolvidos economicamente, sendo, no entanto, mais respeitados justamente nas nações mais desenvolvidas.

           4) Este artigo foi escrito em 2.004, quando o Brasil ainda apresentava níveis não muito significativos de crescimento econômico. Certo é que desde então o PIB brasileiro tem crescido em patamares elevados, o que torna viável a melhoria gradativa da condição do trabalhador, seja pela diminuição do desemprego e aumento do trabalho formal, seja pela majoração da renda média dos trabalhadores.


Publicado no Jornal do 44º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho. São Paulo/SP - Editora LTr, 2004. p. 27-28.

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