1 – Introdução:
A evolução científica e tecnológica é inerente ao ser humano e todos temos, já há muito tempo, colhido os frutos dos avanços que a inteligência humana tem colocado à nossa disposição.
No âmbito específico da informática os avanços tem sido grandiosos e muitos benefícios têm proporcionado à humanidade, seja permitindo melhoria nos meios de comunicação entre as pessoas, seja proporcionando um maior acesso às informações, enfim, descabe enumerar as incontáveis benesses que os avanços no mundo dos computadores trouxeram para o mundo das pessoas.
O universo dos profissionais do direito igualmente não poderia deixar de ser beneficiado pelos avanços da informática e referidos avanços estão a culminar no chamado processo eletrônico, através do qual se pretende a substituição dos autos de papel por arquivos virtuais e eletrônicos, sendo igualmente eletrônicos todos os demais atos processuais praticados.
Embora à primeira vista possa parecer cercado de vantagens o dito processo eletrônico, pois traria economia de papel, em tese daria rapidez ao trâmite dos processos, dada a desnecessidade de juntada de documentos, permitiria a visualização e acesso aos autos a qualquer momento, etc, a verdade é que uma implementação autoritária do processo eletrônico pode trazer prejuízos aos jurisdicionados, atingindo pela via direta o direito fundamental do acesso ao Judiciário, insculpido em nossa Carta Política de 1988 em seu artigo 5º, inc. XXXV.
Adiante melhor desenvolveremos nossas ideias.
2 – Processo eletrônico e acesso à Justiça:
Nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXV informa que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça a direito. A citada norma constitucional assegurou o direito fundamental do chamado acesso à Justiça.
Numa análise não aprofundada da questão da adoção do processo eletrônico pode passar despercebida eventual colisão da sistemática que se queira implementar com o direito fundamental em questão.
Ocorre que o direito ao acesso ao Judiciário não há de ser concebido apenas quanto à possibilidade de a pessoa lesada ou ameaçada de lesão em seu direito poder bater às portas da Justiça. Não está se falando que o processo eletrônico impedirá o acesso à Justiça, mas sim que a forma como o mesmo vier a ser implementado poderá dificultar o acesso ao Judiciário estando, nestas circunstâncias, a ferir os dizeres do sobrecitado inciso XXXV.
Melhor explicando, o processo eletrônico demanda recursos de informática que nem todo jurisdicionado e mesmo nem todo advogado, conforme for a localidade em que atua, tem à sua disposição. Em nosso país os serviços de Internet são precários e sobretudo onerosos, sendo que o acesso ao peticionamento eletrônico de regra é sujeito a obtenção de certificações digitais e aquisição de aparelhos a onerar ainda mais o labor do causídico.
Ainda que o peticionamento em papel possa parecer algo arcaico, temos que melhor atende ao espírito do amplo acesso ao Judiciário que um sistema repleto de exigências técnicas que dificultarão o simples ato de propor uma ação, seja pelos custos que estão agregados ao uso do processo eletrônico (certificações, internet em alta velocidade etc), seja pela complexidade inerente ao uso do sistema (1).
Nos preocupa, sobretudo, a adoção do processo eletrônico quando se impede, concomitantemente à sua implementação, o uso do "vetusto” peticionamento em papel. Esta situação fulmina o direito ao acesso à Justiça para aquele causídico e para aquela parte (2) que não tenha se desincumbido das inúmeras e complexas exigências para a utilização do processo eletrônico. Em nome da modernidade se está a ferir um direito fundamental.
Uma tese despretensiosa como a presente não esgotaria a apreciação das possíveis inconstitucionalidades que rondam o processo eletrônico, mas a título de ilustração a Lei nº 11.419/2006 prevê que o procurador deverá ser intimado e citado virtualmente em um portal especifico, exigindo-se prévio cadastro no mesmo. Faltante este cadastro, a parte não tomará conhecimento do ato e sofrerá as consequências processuais disto. Inquestionável a inconstitucionalidade! (3)
3 – Conclusões:
O processo eletrônico pode trazer efetivamente inúmeros benefícios à Justiça brasileira, entretanto sua adoção há de ser parcimoniosa, efetivada paulatinamente e não se vedando a utilização do peticionamento em papel para a parte e para o causídico que assim o desejar.
Limitar-se o acesso ao Judiciário à via eletrônica, e é essa a sensação que se depreende do rápido avanço do PJe, indiscutivelmente fere o direito constitucional ao acesso ao Poder Judiciário.
O PJe, sob o argumento da modernidade, da agilidade e da economia, está a esconder dificuldades e imperfeições que dificultam o acesso ao Judiciário, recanto aonde milhões de brasileiros direcionam suas lídimas pretensões de justiça.
Adotar-se o processo eletrônico, a princípio, nos soa até adequado. Abolir-se o peticionamento em papel nos soa, data máxima vênia, beirar à ofensa ao texto constitucional.
4 – Notas:
(1) Cumpre aqui citar, a título de exemplificação da complexidade inerente ao sistema, o art. 2º da Instrução Normativa nº 3/2006, do TRT da 3ª Região:
“As petições, acompanhadas ou não de anexos, apenas serão aceitas em formato PDF (Portable Document Format), no tamanho máximo, por operação, de 20 folhas impressas ou 40 páginas, utilizando-se frente e verso, respeitado o limite de 2 megabytes, sendo que as páginas deverão ser configuradas para papel tamanho A4 (210x297 mm) e numeradas, sequencialmente, no canto inferior do lado direito”.
(2) Se a um jovem advogado o processo eletrônico pode trazer dificuldades imaginemos a uma pessoa idosa, inábil a manusear os recursos de informática.
(3) As ponderações são de Heitor Vitor Mendonça Sica, em “Comunicação eletrônica dos atos processuais: breve balanço dos cinco anos de vigência da Lei nº 11.419/2006. Revista do Advogado, AASP, n. 115, p. 69-76, abr. 2012.
Publicado no Jornal do 54º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho, evento realizado em São Paulo/SP, entre os dias 26 e 28.05.2014.
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