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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O sucesso de Dilma

A presidenta Dilma Rousseff caminha para a conclusão do primeiro ano de seu governo com índices de popularidade e aprovação popular nunca antes alcançados por outro presidente. Nada menos que 56% do eleitorado avaliaram como ótimo ou bom seu primeiro ano de mandato. Lula e Fernando Henrique não tiveram tamanha receptividade em seus primeiros anos de governo, chegando o tucano a amargar o percentual ínfimo de 17% de aprovação, quando do início de seu segundo mandato, em 1.999.

Mas o sucesso de Dilma não caiu do céu, especialmente se considerando que fatores políticos (sobretudo quedas de ministros) e fatores econômicos (crise internacional e desaceleração do crescimento) impuseram à presidenta desafios os quais a mesma têm enfrentado e vencido com destemor. 

Dilma teve de lidar com dificuldades de distintas naturezas. Primeiro, a falta de confiança que inevitavelmente despertava, mesmo naqueles que nela votaram. O fato de nunca ter ocupado um cargo eletivo gerava dúvidas sobre sua aptidão para administrar um país da dimensão política e econômica do Brasil. E nisso a presidenta foi extremamente bem sucedida, tendo optado por um estilo sério e técnico, com exposição comedida de sua imagem e cobrança de cumprimentos de metas e de resultados de seus ministros.

Sua intolerância com a corrupção sem dúvida contribuíram para sua aprovação popular, prova disto são as saídas de seis ministros, por suspeitas de irregularidades na administração pública. Tal fato não atingiu negativamente a imagem da presidenta, eis que os ministros alijados não foram exatamente escolhas suas, mas sugestões do antecessor.

O aspecto sisudo e fechado da presidenta, que outrora poderia indicar falta de simpatia e de carisma hoje se converteu em credibilidade, rigor e seriedade no modo de governar e de lidar com as más ações na administração. Imagino que resida aí o sucesso e a boa imagem que Dilma vem obtendo junto ao povo brasileiro.

O ano de 2.011 foi vencido com hombridade e competência, porém 2.012 trará grandes desafios, sobretudo no âmbito da economia, onde a crise internacional originada na União Européia teima em se alastrar pelo mundo.

Os últimos indicadores econômicos estão a demonstrar que a economia brasileira está desacelerando, tanto que as metas de crescimento para 2.012 têm sido revistas para baixo. Para o ano que se aproxima a presidenta terá sua popularidade e competência administrativa novamente testadas, pois o Brasil se acostumou com o crescimento econômico e uma recessão colocaria em xeque o próprio futuro político da presidenta.

No plano político, espera-se que a reforma ministerial prevista para janeiro próximo dê um perfil mais técnico e menos político para os ministérios, eis que foram os ministros de indicação política de partidos da base aliada os causadores de mal-estar neste primeiro ano de mandato, com suas condutas suspeitas de corrupção. Que a presidente continue prestigiando o perfil técnico, em detrimento do perfil puramente político.

Com humildade, sobriedade e discrição a presidenta Dilma Rousseff está a marcar seu nome na recente história política do Brasil. Que 2.012 seja um ano igualmente bem sucedido em seu governo, pois o Brasil não pode abandonar o caminho do crescimento econômico e da moralização na política.

Publicado no Jornal da Manhã, de Uberaba/MG, em 22.12.2011.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A Comissão da Verdade

A presidente Dilma Rousseff sancionou, em 18.11.2011, a Lei Federal nº 12.528/2011, prevendo a criação da chamada Comissão Nacional da Verdade, com o objetivo específico de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período de 18 de setembro de 1.946 a 05 de outubro de 1.988, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.

A criação da Comissão da Verdade demonstra o amadurecimento político do Brasil, pois nos debates que precederam à promulgação da lei que a institui ficou claro que não visa a citada comissão revolver debates político-ideológicos, mas tão somente trazer à tona as arbitrariedades perpetradas durante o período consignado, o qual encampa toda a ditadura militar principiada em 1.964.

A Comissão, cuja composição e início dos trabalhos ainda não foram definidos pela presidenta, será composta por sete membros, designados pela Presidenta Dilma, dentre brasileiros, de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e da institucionalidade constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos, e terá dois anos para concluir seus trabalhos investigativos.

A Comissão goza de amplos poderes e instrumentos investigativos, sobretudo perante os órgãos públicos, lhe sendo permitido o acesso a qualquer documento, ainda que considerado de caráter sigiloso. Todo e qualquer servidor público, seja civil ou militar, tem a obrigação de colaborar com a comissão. 

A composição da Comissão é tema de acendrada importância e espera-se que a presidenta escolha pessoas desvinculadas de ideologias políticas e partidárias e que estejam comprometidas única e exclusivamente em trazer a verdade à tona, prestando inestimável serviço à recente história política do Brasil. A Comissão da Verdade visa apurar fatos e as circunstâncias em que os mesmos ocorreram, não julgar ou condenar pessoas e suas condutas, pois isto compete ao Poder Judiciário.

A lei que cria a Comissão da Verdade a destina ao esclarecimento das graves violações de direitos humanos, porém, não especifica o que seria uma grave violação. Caberá à Comissão, previamente ao início dos trabalhos, definir o que seriam estes casos de “graves” violações, muito embora a nosso modesto entender toda violação de direitos humanos reveste-se de gravidade, e não pode ser ignorada. 

Igualmente passível de crítica é o exíguo prazo de dois anos dado à comissão, para a realização dos trabalhos de investigação e para a apresentação de relatório circunstanciado. A considerar-se que mais de quatro décadas de arbitrariedades serão investigados e que milhares de casos de violação de direitos humanos deverão ser apreciados, não é crível que sete pessoas poderão concluir um trabalho desta monta em tão pouco tempo.

A criação da Comissão da Verdade é um marco na recente história política brasileira e se atingir os elevados propósitos para que foi criada permitirá aos cidadãos brasileiros um entendimento mais profundo e real de um passado obscuro, que não desejamos vivenciar novamente.

Que os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade sejam sérios e isentos, pois a verdade, que lançará a luz sobre momentos de trevas da história brasileira, não tem cor ideológica e partidária, é apenas a verdade, pura e simples.

Publicado no Jornal "Correio de Uberlândia", de 19.12.2011 e no "Jornal da Manhã", de Uberaba/MG, de 29.12.2011.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Pena de morte, uma falácia

Há alguns debates que servem para nos apresentar o grau de maturidade cultural e de sabedoria do indivíduo que opina acerca do assunto em discussão.

Quando o assunto em debate é a pena de morte, pessoalmente, acredito que os defensores da mesma normalmente tem espírito imediatista e revanchista, além de esposar uma imaturidade que os faz acreditar que a simples adoção desta reprimenda pode resultar em diminuição dos crimes graves, como se ela fosse a solução mágica para o complexo problema da criminalidade, especialmente nos grandes centros urbanos.

Com efeito, em diversos estados americanos o sistema penal vigente admite esta forma de penalização e, não obstante, a criminalidade por lá é muito elevada, o que demonstra que nem uma pena extremamente severa é capaz de intimidar os potenciais infratores da lei penal.

Lado outro, o Brasil, e mesmo os EUA, não detém um sistema judiciário infalível, e no caso de nosso país ainda temos uma polícia judiciária pouco estruturada, o que torna inaceitável a pena de morte pela simples razão de que um inocente pode ter sua vida injustamente ceifada pelo estado ao final de um processo penal repleto de falhas e incorreções.

Porém, além das razões acima apresentadas, de cunho sociológico e processual, há um impedimento jurídico-constitucional a que seja implementada a pena de morte em nosso país.

Com efeito, àqueles que protestam pela implementação da pena de morte no direito brasileiro, sugerimos que, primeiramente, protestem por uma nova assembleia nacional constituinte que institua um novo texto constitucional, pois a Constituição Federal que atualmente vigora em nosso país veda explicitamente a pena de morte, excepcionadas as situações de guerra declarada.

Em verdade, a pena de morte é proibida no âmbito constitucional, ressalvadas as hipóteses previstas no Código Penal Militar, e aplicáveis em tempo de guerra (CF/1988, art. 5º, XLVII). Mas, por que não se altera o texto constitucional, de forma a se permitir esta pena no Código Penal comum, para os casos de crimes hediondos, por exemplo? Por uma razão simples, este tema, da pena de morte, se insere nos chamados direitos e garantias individuais os quais não podem, em hipótese alguma, ser abolidos ou mitigados (CF/1988, art. 60, § 4º, IV), nem mesmo por emenda constitucional.

Não se discute que nosso sistema penal há de ser revisto urgentemente, pois não têm cumprido a contento sua função de ressocializar os apenados, ao que se somam as penas curtas e as benesses das progressões de regime que deveriam ser mais severas e rígidas.

Nosso sistema penal não admite penas perpétuas, porém, a pena máxima de trinta anos hoje em vigor acabada sendo pequena quando tratamos de autores de crimes hediondos, que deveriam ficar afastados do convívio social por um período muito maior. Há criminosos que nunca serão “ressocializados” e para estes a lei deveria prever uma pena longa, pelo bem da sociedade, que só tem a perder com estas presenças deletérias.

Os debates acerca da pena de morte tiram o foco das questões realmente relevantes, práticas e factíveis. Conquanto devamos respeitar as distintas opiniões sobre o tema, a verdade é que nossos sistemas penal e penitenciários devem ser revistos, porém o foco deve ser no aprimoramento das penas existentes e não na radicalização com a adoção da pena de morte.


Publicado no Jornal Correio de Uberlândia, de 30.11.2011 e no Jornal da Manhã, de Uberaba, de 02.12.2011.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O polêmico CNJ


Com a Emenda Constitucional nº 045/2004 foi implementada a reforma do Judiciário sendo uma das principais inovações desta a criação do chamado Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que passou a integrar o Poder Judiciário pátrio.

Embora vozes do Judiciário à época tenham se levantado contra a reforma, e especialmente contra a criação do órgão “regulador” (CNJ), o presidente Lula, com o forte apoio do Congresso Nacional, conseguiu viabilizar as mudanças no âmbito do Judiciário. À época o então presidente, em defesa da reforma, chegou a utilizar a polêmica expressão de que “devemos acabar com a caixa-preta do Judiciário”.

Desde sua criação o CNJ tem prestado valiosos serviços aos brasileiros, mediante a estipulação e acompanhamento do atingimento de metas de produtividade dos magistrados e tribunais, o que tem tornado o Poder Judiciário cada vez mais célere e eficaz no cumprimento de sua missão institucional de aplicar a lei e apaziguar os conflitos no seio da sociedade.

Ao lado da função administrativa acima descrita outra foi ganhando destaque e importância ao longo dos anos, qual seja a atividade correicional e disciplinar do CNJ, o qual tem, de regra, agido com grande rigor e seriedade na punição de membros do Judiciário que se envolvem em condutas irregulares tendo, somente nos últimos dois anos, instaurado cerca de cem procedimentos contra magistrados, e afastado trinta e quatro.

Não obstante a relevância da atuação disciplinar do CNJ, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ingressou com ação direta de inconstitucionalidade nº 4.638, com vistas a reduzir e limitar seu poder de investigar e punir servidores e magistrados que pratiquem más condutas. Basicamente, argumenta a AMB que o CNJ estaria a usurpar competências estaduais em seus julgamentos de atos infracionais no âmbito do Judiciário. Esta associação de magistrados sempre se opôs veementemente ao CNJ, tendo promovido outras ações no Supremo, com vistas a reduzir os poderes deste órgão de cúpula do Judiciário, sempre restando derrotada.

A ação da AMB se choca contra a opinião pública, e conta com resistência e oposição dentro do próprio Judiciário, sendo exemplo maior a Ministra Eliana Calmon, que denunciou, sem citar nomes ou fatos concretos, que más condutas estão arraigadas nas diversas instâncias do Judiciário.

A nosso modesto sentir, o CNJ não pode ter tolhidas suas competências constitucionais. Este órgão não é um mero fiscalizador de uma categoria profissional (juízes). É, antes, um órgão garantidor da lisura, da moral e do adequado funcionamento de um dos pilares da República, que é o Poder Judiciário. A criação deste órgão é um avanço no Estado de Direito brasileiro, pois está a demonstrar que a conduta de qualquer agente público, seja qual o cargo que ocupar e qual for o poder da República a que pertencer, está sujeito aos rigores da lei.

Que o Supremo não sepulte o poder do CNJ, eis que o brasileiro merece um poder Judiciário cada vez mais eficiente, rápido, ético e democrático, e isto somente poderá ser obtido se o Conselho Nacional de Justiça puder desempenhar com plena liberdade as funções para as quais foi criado.

Aliás, bom seria se nos demais poderes da República (Legislativo e Executivo) houvesse um órgão de cúpula sério e rigoroso como o Conselho Nacional de Justiça. Talvez assim a corrupção em nosso país não fosse tão arraigada e danosa.

Publicado no Jornal Correio de Uberlândia, de 01.11.2011 e no Jornal da Manhã, de Uberaba, de 12.01.2012.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Copa do Mundo, um evento criticável

Estamos a menos de três anos da realização, no Brasil, de um dos maiores eventos esportivos do mundo, qual seja a Copa do Mundo de 2.014.

Apesar de ser motivo de orgulho para os brasileiros a escolha de nossa nação enquanto sede para um evento desta magnitude, diversos fatos estão a tornar a Copa um evento cada vez mais impopular e criticável entre os brasileiros, mesmo sendo este o país conhecido mundialmente como "a pátria de chuteiras".

De início se criticaria o grande dispêndio de recursos públicos com o evento. Apesar de ao ser escolhido para ser sede da Copa o discurso das autoridades brasileiras ser de que a estrutura do evento, sobretudo estádios, seria custeada mediante parcerias público-privadas, hoje se percebe que, no frigir dos ovos, quem mesmo vai financiar grande parte das obras para a Copa será o poder público. A União, por exemplo, que clama por mais um imposto para financiar a saúde pública queima bilhões na realização do evento. Só a reforma do Maracanã possibilitaria a edificação de nada menos que doze grandes hospitais públicos.

Mas a gastança desenfreada e desproporcional não é a única situação criticável com relação ao evento.

Com o discurso falacioso de afastar a burocracia nas contratações e de assegurar a realização célere das obras o governo federal busca uma flexibilidade nas contratações das obras da Copa, mediante procedimentos mais rápidos e menos complexos. Apesar de à primeira vista ser oportuna a alteração da lei de licitações, há fortes motivos para se acreditar que um processo licitatório simplificado facilitaria o desvio de recursos públicos.

Se nem o rigor das concorrências públicas consegue afastar as artimanhas dos empreiteiros para obter vantagens ilegais e imorais nos contratos com a administração pública, imagine-se o quanto um processo licitatório simplificado não facilitará os desvios de recursos e o superfaturamento de obras públicas.

Outro ponto criticável é a possibilidade de o Novo Código Florestal permitir o desmatamento de áreas de preservação permanente, para construção de obras para a Copa do Mundo. Em tempos em que se discute a sustentabilidade, a Copa seria uma grande oportunidade de o Brasil realizar um evento exemplar do ponto de vista da política ambiental, mas ao contrário, se optou por destruir a natureza para edificar estádios.

Por fim, uma outra situação questionável refere-se à absoluta sujeição do Brasil às normas da FIFA, relativas a direitos já assegurados a brasileiros. Exemplo é a questão do direito à meia-entrada para crianças, estudantes e idosos, que pode ser simplesmente abolida para os jogos do Mundial. Não se pode conceber que o mesmo povo brasileiro que financiará o evento, com os altos tributos que paga, seja alijado do mesmo com o cerceamento de um direito mínimo como a meia-entrada.

Outra evidência da submissão brasileira é a possibilidade de venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Esta prática, hoje proibida em diversas cidades e estados, pode ser liberada durante o evento de 2.014 e, para piorar, a FIFA poderá escolher até marca da cerveja a ser vendida.

Sediar uma Copa é um fato positivo, eis que é demonstração de estabilidade política e econômica no âmbito internacional, mas as autoridades brasileiras poderiam manter o pulso firme e restringir a aceitação de imposições da FIFA somente àquilo que efetivamente fosse útil à sua realização, e não cedendo quanto à revogação de normas legais benéficas aos brasileiros.


Publicado com o título "Críticas à Copa", no jornal Correio de Uberlândia, de 04.10.2011, e no Jornal da Manhã, de Uberaba, nos dias 20.10.2011 e 11.11.2011.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Novo mundo, velha ONU


A Organização das Nações Unidas nasceu com o objetivo de ser uma entidade mediadora das relações entre as nações, tendo a competência e o poder de dirimir especialmente relações conflituosas, com vistas à obtenção e manutenção da paz mundial.

Os propósitos da ONU são por demais nobres, especialmente se considerando que a citada entidade surgiu logo após a catastrófica segunda guerra mundial, ou seja, num contexto histórico em que se reconhecia a necessidade de se buscar a todo custo a paz entre as nações, pois os horrores e a devastação da guerra ainda eram recentes.

Nos seus pouco mais de sessenta e cinco anos de existência a ONU foi sistematicamente perdendo poder, influência e relevância na ordem jurídica internacional. Me atreveria até a dizer que uma entidade como a Organização Mundial do Comércio é hoje mais respeitada que a própria ONU, pois aquela instituição tem o poder de estabelecer sanções comerciais, ou seja, tem o poder de atingir as relações comerciais entre as nações, e nenhum país deseja ser penalizado financeiramente.

A ONU, ao contrário, tem muitas de suas decisões aceitas segundo a mera vontade da nação interessada. Exemplo recente da falta de poder da entidade foi a guerra declarada por George W. Bush contra o Iraque, em 2003. A ONU se posicionou contra, mas poucas semanas depois, dando as costas para a entidade, o presidente americano dava a ordem para o bombardeio de Bagdá.

O histórico discurso da presidente Dilma Rousseff na abertura da assembléia geral da ONU deixa evidente que aquela velha entidade precisa se adaptar ao novo mundo, onde forças como Brasil e Índia possam ter voz ativa, e poder deliberar acerca dos grandes interesses mundiais, expondo, sobretudo um posicionamento atual e independente sobre pontos fulcrais como criação do Estado Palestino, ou ingresso de novos membros permanentes no Conselho de Segurança da ONU.

Apesar de reunir praticamente todas as nações do planeta, em questões complexas a ONU hoje se submete aos interesses de cinco nações, que asseguraram, com a vitória na segunda guerra mundial, o direito de figurarem como membros permanentes de seu Conselho de Segurança, quais sejam, EUA, Inglaterra, Rússia, França e China. Não se questiona que, àquela época, estas nações eram as que reuniam as melhores condições políticas de deliberar acerca de assuntos internacionais, num mundo em reconstrução após a devastação perpetrada pela guerra. Hoje, porém, o cenário político e econômico mundial aponta para o surgimento de novos atores, dignos de serem ouvidos, e entre eles não se pode deixar de incluir o Brasil.

O anacronismo da ONU, e a sua inquestionável submissão aos interesses americanos, virão à tona por ocasião dos debates acerca do polêmico estado da Palestina. Imagina-se que algo em torno de 140 nações são favoráveis à sua criação, mas toda esta aceitação mundial do estado Palestino sucumbirá mediante um simples voto dos EUA, cuja condição de membro permanente do Conselho de Segurança lhe assegura o poder de, sozinho, vetar qualquer assunto que contrarie seus interesses.

Ou a ONU se moderniza, mediante a concessão de voz às diversas nações emergentes que hoje possuem grande relevância política e econômica no âmbito internacional, ou a entidade sediada em Nova Iorque não passará de um mero parlamento, onde líderes mundiais se reúnem anualmente para expor seus pontos de vista sobre assuntos gerais, e mais nada.


Publicado no Jornal da Manhã, de Uberaba, de 25.09.2011 e no Jornal Correio de Uberlândia, de 27.09.2011.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A presidente Dilma

Durante a campanha eleitoral de 2.010 uma das grandes críticas que se fazia à candidata Dilma Rousseff era relativa à sua suposta falta de personalidade e de aptidão para lidar com as agruras da política. Dilma, para os críticos, era apenas uma "invenção" de Lula, alguém confiável para segurar a faixa presidencial até 2.014, quando o ex-presidente Luiz Inácio voltaria ao Planalto, nos braços do povo.

Bem, embora seja precipitado avaliar um governo que sequer findou seu primeiro ano, certo é que Dilma Rousseff tem se mostrado uma administradora independente, séria e nada condescendente com más práticas e condutas imorais na administração pública federal.

Não há dúvidas de que ao montar o seu ministério a voz de Lula teve acendrada influência sobre a presidente recém empossada, porém, muitos dos indicados pelo presidente anterior foram sumariamente limados do governo Dilma ou por corrupção, ou por suspeitas de atos corruptos, ou ainda por verdadeira falta de respeito para com a líder máxima do Executivo, sendo este o caso do falastrão Nélson Jobim. Lula, com seu perfil conciliador e às vezes até tolerante com deslizes, talvez tivesse contemporizado e mantido os ministros demitidos. Com Dilma não teve conversa e a permanência dos mal-feitores no poder restou impraticável.

Dilma está a demonstrar não só independência do ex-presidente Lula, mas também do próprio Partido dos Trabalhadores. Prova disto é a tentativa de se implementar um marco regulatório da mídia, em outros termos, um controle velado da imprensa. Defensora que é dos princípios democráticos, a presidente calou os colegas de partido defensores da medida afirmando que "o único controle que aceita é o controle remoto, com o qual pode trocar de canal quando não gostar do programa". Com um toque de bom humor a presidente deixou claro que ela administra o país, e não o partido de bandeira vermelha.

Dilma demonstra que para bem administrar um país não se deve submeter cegamente a bandeira partidária alguma eis que o pluralismo político exige atenção a todas as ideologias e vertentes políticas. Até mesmo o “inimigo” PSDB ganhou elogios indiretos de Dilma, ao parabenizar o ex-presidente FHC pelos diversos feitos de seus mandatos, dentre os quais destacou a presidente o controle da inflação, que possibilitou ao país hoje vivenciar um sustentável crescimento econômico.

A verdade é que a presidente Dilma tem se revelado uma grata surpresa da política brasileira, com um perfil que reúne uma razoável independência partidária, com um estilo de administração que tende a valorizar o perfil técnico de seus membros, e tudo isto com absoluta intolerância à corrupção.

Lula brincou durante o 4º Congresso do Partido dos Trabalhadores que "não era possível avaliar em oito meses um governo que ficará durante oito anos". Antes deste bem sucedido período inicial do mandato de Dilma não acreditaria no seu lançamento como candidata ao pleito de 2.014, mas se a presidente continuar administrando o país com este pulso firme, se conseguir manter o país num razoável crescimento econômico, não obstante a crise econômica mundial que bate à porta e, por fim, se continuar intolerante a qualquer forma de corrupção não há dúvida de que Dilma Rousseff reúne condições de, assim como os dois presidentes que a antecederam, ficar por oito anos do poder.


Publicado no Jornal Correio de Uberlândia, de 29 de setembro de 2.011.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A emancipação política do Triângulo Mineiro, um sonho cada vez mais distante

Passou despercebido a muitos, mas ao julgar, em 24/08/2011, a ADIn - Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.650 o Supremo Tribunal Federal pode ter em muito dificultado ou mesmo sepultado os remanescentes anseios separatistas relativos à criação de um futuro estado do Triângulo Mineiro.

No julgamento em destaque, em que funcionou como relator o Min. Dias Toffoli, os ministros do STF deliberaram, à unanimidade de votos, pela necessidade de que, em situações de subdivisão de estados-membros da federação, todos os eleitores do estado em questão, e não apenas os domiciliados na área territorial do possível novo estado devam se manifestar acerca do assunto através de plebiscito.

Esmiuçando-se a questão apreciada pelo STF, basicamente o julgamento se destinava a apreciar a extensão da expressão "população diretamente interessada", inserta no parágrafo terceiro, do artigo 18 da CF/1988, a qual deve deliberar, em plebiscito, acerca da criação de um novo estado. Havia a dúvida se a expressão abrangeria apenas a população da base territorial do estado a ser criado, ou de todo o estado a ser subdividido.

Entenderam os ministros que a subdivisão de um estado membro da federação brasileira atinge, de algum modo, não apenas quem reside na área do possível novo estado, mas toda a população do estado-mãe sendo, na visão dos ministros, antidemocrática e atentadora à soberania popular a tese de que o plebiscito deveria encampar apenas a população da área a ser dividida.

Mas em que aspecto a decisão do STF pode atingir ou mesmo inviabilizar uma eventual pretensão quanto à subdivisão de Minas Gerais e criação de um futuro estado do Triângulo Mineiro?

Bem, a resposta, a nosso sentir, é por demais óbvia.

A realidade é que o Triângulo Mineiro figura hoje como uma das regiões de progresso mais pujante do estado de Minas Gerais e, por uma questão puramente egoística, seria esperado que as populações das outras regiões deliberariam maciçamente contra a proposta da separação uma vez que hoje as atividades industriais, agropecuárias e comerciais existentes no Triângulo geram para Minas Gerais um descomunal volume de divisas oriundas de impostos, os quais não retornam aos municípios triangulinos na mesma intensidade em que vão. Para utilizar expressões já arraigadas costuma-se definir o Triângulo como “a galinha dos ovos de ouro de Minas”, ou como “o primo rico dos mineiros”. O Triângulo Mineiro pagaria um alto preço por ser rico e progressista, pois se esta região fosse pobre e subdesenvolvida não haveria quem se opusesse à separação.

Hoje mais do que nunca resta claro que a grande oportunidade histórica de o povo do Triângulo Mineiro ter o seu estado foi durante a Assembléia Nacional Constituinte que estava a redigir o texto da nova Constituição Federal, enfim aprovada em 1.988. Àquela época Minas Gerais poderia ter sido perfeitamente subdividida, assim como o foi o estado de Goiás, para a criação do estado de Tocantins, hoje exemplo de progresso na Região Norte do país.

A decisão do Supremo não sepulta politicamente o ideal de um estado do Triângulo Mineiro, porém, o torna um sonho extremamente distante, pois é do conhecimento de todos que a idéia de se criar um novo estado nesta terra situada entre os Rios Grande e Paranaíba não conta com grande receptividade em outras regiões do estado.


Publicado, com o título "Sonho distante", no Jornal da Manhã, de Uberaba, edição de 02.09.2011 e no Jornal Correio de Uberlândia, em 10.09.2011.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Dilma impopular?


Ao assumir seu mandato, a presidente Dilma tinha elevados índices de popularidade. Logo agora, após sete meses de mandato, quando efetivamente começa a implantar seu jeito de governar, com tolerância zero com as ações de corruptos, a popularidade da presidenta vivencia uma acentuada queda. O eleitorado é muito equivocado ao analisar o governo. Dilma está fazendo o que seus antecessores não tiveram coragem de fazer. A “faxina”, que começou no Ministério dos Transportes e aparentemente atingirá outras pastas, é digna de elogios. A popularidade da presidente merece aumentar, para que a mandatária sinta a receptividade e a aprovação de sua postura severa com as más condutas. Ou será que povo não aprova esta caça aos corruptos?


Hugo Cesar Amaral
Advogado
Uberlândia (MG)

Publicado na edição de 17.08.2011, do Correio de Uberlândia.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Triângulo Mineiro

Sábias e pertinentes as palavras do jornalista Antônio Pereira da Silva em seu artigo “Estado do Triângulo”. Pode observar o nobre escriba que uma simples partida de futebol é suficiente para evidenciar as enormes e históricas diferenças entre nós triangulinos e nossos queridos vizinhos, os mineiros. Faria apenas uma ponderação, penso não sermos mais paulistas que mineiros.

Em verdade, o povo do Triângulo, a meu ver, resultou de uma miscigenação de pessoas vindas de distintas origens, especialmente, de São Paulo e Goiás e de outras regiões das Minas Gerais. Tenho profundo respeito pela cultura mineira e pelo vizinho Estado de Minas Gerais, mas, sinceramente, ainda desejo ver a identidade triangulina respeitada e isto só ocorrerá com nossa emancipação e a criação de um novo Estado.

Hugo Cesar Amaral
Advogado - Uberlândia (Jornal Correio de Uberlândia, de 18.11.2010) 

Comentário do leitor Mário Borges:

"O Sr. Hugo Cesar Amaral deve ser um bom advogado, sua tese a respeito do Triângulo é ótima, espero que Ele continue escrevendo sobre este anseio dos Triângulinos."

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O artigo acima se reporta ao seguinte artigo:

Estado do Triângulo

Quando o glorioso Cruzeiro Esporte Clube, do histórico vizinho Estado de Minas Gerais, desiste de fazer seus jogos no estádio João Havelange, do Parque do Sabiá, alegando que as torcidas de Uberlândia e circunvizinhanças estão mais para lá do Rio Grande do que para além do Rio Araguari, simplesmente, confirma nossa incompatibilidade histórica, esportiva, política e administrativa. Se somos mais paulistas que mineiros, por que permanecermos jungidos a gente tão estranha?

Antônio Pereira da Silva
Jornalista - Uberlândia (Jornal Correio de Uberlândia, de 12.11.2010).

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Dignidade do trabalhador e realidade econômica no Brasil de hoje

A Constituição Federal de 1988 prescreve, como fundamento do estado brasileiro, o princípio da dignidade da pessoa humana (CRFB-88, artigo lº, III).
Dada a novidade de referido princípio no seio de nossa ordem constitucional, não pode a doutrina, até o momento, definir com precisão o seu conteúdo jurídico, pelo que são comuns posicionamentos científicos distintos acerca de aludida norma fundamental. Pinto Ferreira, por exemplo, equipara a dignidade da pessoa humana aos chamados direitos humanos. Gomes Canotilho e Vidal Moreira, citados por José Afonso da Silva (1), têm uma visão mais abrangente e mais bem elaborada sobre o tema em debate. Entendem os notáveis constitucionalistas lusos que
“o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir “teoria do núcleo da personalidade” individual, ignorando-a quando se trate de direitos econômicos, sociais e culturais.”
A partir da proposição constitucional básica, encetada no artigo 1º, inciso III, cotejando-se a mesma com outros dispositivos da Carta Magna é possível construir regulamentos constitucionais específicos para o disciplinamento, verbi gratia, de uma dignidade da pessoa do preso, do idoso, do índio e, por que não, do trabalhador. Isto porque a Constituição Federal não se limitou a, simplesmente, citar um isolado, abstrato e teórico princípio da dignidade da pessoa humana, mas também cuidou de prever, em seu próprio texto, normas específicas com as quais procura assegurar e viabilizar a dignidade de diversas classes de pessoas, entre as quais colocam-se as citadas acima.
Efetivamente, a apresentação da dignidade da pessoa humana como fundamento do estado brasileiro colocou-a na posição de princípio norteador de todo o sistema normativo constitucional, pelo que a aplicação de todas as normas constitucionais deve sempre ter como objetivo assegurar à pessoa o respeito à sua ínsita condição humana, estando portanto vedados tratamentos desumanos, cruéis, torturas, escravização etc.
A normatização constitucional garantidora especificamente da efetividade do princípio da dignidade do trabalhador encontra-se, precipuamente, no artigo 7º do Texto Magno que, em diversos de seus incisos, cuida de assegurar ao trabalhador condições de existência digna, não só no ambiente de trabalho (art. 7º, XXII), como também em sua vida social (art. 7º, IV). Indiretamente, outras normas constitucionais buscam assegurar a dignidade do trabalhador, como ocorre com a regra esculpida no caput do art. 170 da Magna Carta, que coloca a dignidade como um dos objetivos a serem perseguidos pela ordem econômica.
Relembremo-nos de que o direito do trabalho teve sua origem nos movimentos operários que visavam garantir aos trabalhadores condições dignas de trabalho e de existência social, pelo que todas as normas laborais buscam, direta ou indiretamente, o respeito à dignidade da pessoa do trabalhador.
Ocorre que, colocada num plano meramente teórico, a nossa Constituição Federal não é digna de reparos, pois encerra um corpo normativo apto efetivamente a assegurar à imensa classe trabalhadora condições dignas de existência e desempenho de suas atividades.
O Texto Magno é deveras programático em muitas de suas normas, o que por vezes cria um certo distanciamento entre o que está previsto na norma constitucional, e o que se verifica na vida dos trabalhadores brasileiros, donde se infere que o respeito generalizado à dignidade da pessoa do trabalhador é, pelo menos no momento em que vivemos, um ideal distante.
A situação de subdesenvolvimentismo econômico que caracteriza o Brasil impede maiores progressos e a concessão de maiores benefícios aos trabalhadores brasileiros. Para que o salário-mínino, que no nosso modesto entendimento é instrumento básico de garantia da dignidade do trabalhador em sua vida social, possa atingir os valores que os institutos de pesquisa econômica mais abalizados acreditam ser o ideal para se concretizar a norma do inciso IV do artigo 7º (2) é necessário que o país cresça economicamente em níveis anuais muitos superiores ao que hoje se verifica.
O quadro de subdesenvolvimento, aliado à recessão econômica que simplesmente paralisa a economia e deixa de mãos atadas o Governo Federal resulta no aviltamento de uma imensa massa de trabalhadores, os quais acabam por se sujeitar a condições desumanas de trabalho e a remunerações que muitas vezes refletem um quadro quase que de escravidão (3).
Os quadros de sub-emprego e de empregos informais, decorrentes diretamente da recessão econômica, resultam em que grande contingente de pessoas fiquem alheadas de qualquer proteção assegurada pelas normas laboraís, submetidas a condições que muito se distanciam da dignidade que a CF procurou lhes assegurar.
A nossa Carta Magna é digna de aplausos ao assegurar aos brasileiros o direito à saúde, segurança, moradia, educação e, no campo dos direitos laborais, ao elencar uma série de direitos que se vêem em poucas constituições.
Infelizmente a dignidade do trabalhador desenhada em termos teóricos no texto constitucional encontra diversos empecilhos à sua plena concretização no mundo dos fatos, onde há uma enorme quantidade de trabalhadores à espera de um salário-mínimo que lhes garanta efetivamente uma existência digna.
A efetivação do princípio da dignidade do trabalhador passa pela radical mudança da condição econômica de nosso país (4), o qual há de transcender a linha que separa os pobres dos ricos no cenário econômico mundial.
Discussões meramente teóricas acerca da dignidade do trabalhador são desnecessárias. Basta aos condutores de nossa economia colocar o país na linha do progresso econômico, pois a efetivação do princípio da dignidade do trabalhador é onerosa tanto para o estado quanto para o empregador.
Notas:
1) “Curso de Direito Constitucional”, 9ª Edição revista, 3ª tiragem, Malheiros, São Paulo, 1993.
2) O Dieese defende um salário-mínimo que hoje equivaleria a aproximadamente seis vezes o salário vigente.
3) Estudos realizados pela OIT atestam que os trabalhadores são mais ofendidos em sua dignidade justamente nos países menos desenvolvidos economicamente, sendo, no entanto, mais respeitados justamente nas nações mais desenvolvidas.

           4) Este artigo foi escrito em 2.004, quando o Brasil ainda apresentava níveis não muito significativos de crescimento econômico. Certo é que desde então o PIB brasileiro tem crescido em patamares elevados, o que torna viável a melhoria gradativa da condição do trabalhador, seja pela diminuição do desemprego e aumento do trabalho formal, seja pela majoração da renda média dos trabalhadores.


Publicado no Jornal do 44º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho. São Paulo/SP - Editora LTr, 2004. p. 27-28.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Jogo político

A presidenta Dilma Rousseff é uma novata na arte da política. Apesar de ocupar cargos na administração pública já há um bom tempo, e ainda que tenha em sua juventude se engajado com vigor na luta contra a ditadura militar, quando o assunto é travar o complexo e melindroso jogo político nossa primeira mulher presidenta da República ainda dá seus primeiros passos. 

Dilma principiou seu governo com uma base no Congresso mais numerosa que a que apoiou Lula quando de sua chegada à presidência em 2.003 o que tem proporcionado, até o momento, certa comodidade ao seu governo ainda jovem. 
Fato é que, num estado de regime presidencialista, submetido a um sistema político democrático e dotado de três poderes, o comandante máximo do executivo não reuniria condições plenas de governar sem ter um sólido apoio no Congresso Nacional. 

A importância de se ter uma base parlamentar representativa e coesa é tamanha que sem ela um presidente fica de mão atadas em diversas questões e assuntos de interesse nacional. Um presidente com minoria no Congresso se torna um mero refém do mesmo, e um exemplo atual desta condição é o outrora poderoso Barack Obama, hoje obrigado a mendigar um voto de confiança junto aos seus opositores, os republicanos, que dominam a casa de leis americana. 

No Brasil temos assistido à presidenta Dilma fazer um verdadeiro “limpa” no Ministério dos Transportes, e dizem muitos analistas que já é do conhecimento da chefe de governo a existência de esquemas de corrupção em outros ministérios. Dada a severidade com que tratou os corruptos do DNIT, não é de se duvidar que mais demissões e exonerações virão por aí, as quais desagradarão sobretudo os partidos aos quais os demitidos estiverem vinculados. 

Mas cabe aqui uma pergunta: esta limpeza moral promovida pela presidenta no âmbito dos altos escalões do Governo Federal não poderá refletir no enfraquecimento do apoio que recebe no Congresso, uma vez que sempre os cargos do alto escalão são distribuídos entre os partidos quase proporcionalmente à representação que estes têm no Congresso? 

O PR (Partido da República), que “mandava” no Ministério dos Transportes, é um exemplo de partido que perdeu poder com a ação moralizadora da presidenta no âmbito daquela pasta. Analistas acreditam numa mesquinha retaliação deste partido, em votações de projetos de interesse do Executivo. 

Para desempenhar com eficiência e desenvoltura a função de presidente, Dilma Rousseff terá a difícil tarefa de equacionar esta postura moralizadora, consubstanciada nas demissões de corruptos, com a manutenção do apoio dos partidos dos mesmos. Se Dilma tiver sucesso nesta empreitada conseguirá algo histórico, que seria conciliar uma administração eficiente, com apoio do Congresso para as medidas cuja aprovação dele dependam, e tudo isso com redução da corrupção. 

A presidenta Dilma é uma exímia e séria administradora. É avessa aos holofotes e possui um perfil técnico capaz de proporcionar ao país um crescimento tão ou mais vigoroso que o implementado pelo presidente que a antecedeu. Torcemos para que ela saiba compatibilizar a necessidade inadiável de moralização da administração pública, de que tanto precisamos, com a manutenção de um razoável apoio dos parlamentares para que possa executar seus projetos para a nação. Agindo assim nossa presidente trilhará um caminho de sucesso, e irá satisfazer aos anseios do povo, por ética no governo.

Publicado no Correio de Uberlândia, de 08.08.2011 e no Jornal da Manhã de Uberaba, de 12.08.2011.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Hipóteses de não-caracterização da responsabilidade civil do empregador pelo acidente do trabalho

1 – Introdução:
A Constituição Federal de 1.988 assegura ao empregado o direito a “seguro contra acidente do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa” (art.7º, XXVIII).
 Infere-se, pela exegese de citada norma constitucional, que a responsabilidade civil do empregador pelo infortúnio verificado é de natureza subjetiva, exigindo-se que o mesmo concorra com sua culpa (lato sensu) para que sobre si possa incidir a responsabilização pelo dano.
 Ao contrário da indenização acidentária (devida pelo segurador - art.7º, XXVIII, primeira parte) que não será afastada nem mesmo em face de caso fortuito ou força maior, a indenização comum, fundada no direito civil, poderá não ser devida em diversas situações, sobre as quais falaremos pormenorizadamente a seguir.
 2 – Caracterização do dever de indenizar, na responsabilidade subjetiva:
 Para que o empregado vitimado por um acidente possa exigir de seu empregador o pagamento de uma indenização quatro condições hão de ser satisfeitas: 1) Existência de uma conduta do empregador, que poderá ser positiva (ação) ou negativa (omissão - ex: não providenciar equipamento de segurança); 2) Existência de um dano, que poderá ser material (redução de capacidade laborativa, por exemplo), psicológico (um trauma, em virtude da gravidade do acidente), estético (lesões graves na face) etc; 3) Relação de causalidade entre os itens 1 e 2, devendo ser provado que o dano resultou da conduta do empregador; 4) Culpa lato sensu, uma vez que só poderá ser responsabilizado se tiver agido com culpa ou dolo. Lembrando-se que na atual ordem constitucional qualquer grau de culpa pode gerar a responsabilidade do patrão, não se exigindo mais a culpa grave, como ocorria anteriormente.
 Qualquer fato que elimine um dos itens desta estrutura lógica resultará na não-caracterização da responsabilidade patronal pelo acidente do trabalho.
3 – Fato exclusivo da vítima (empregado):
 Sérgio Cavalieri Filho (1) prefere falar em fato exclusivo da vítima a usar a terminologia culpa exclusiva, pois, no seu entender, a questão não pertence ao campo da culpa, circunscrevendo-se ao âmbito do nexo causal, e sobre este prisma há de ser analisada.
 O fato exclusivo da vítima impede que se verifique o nexo de causalidade entre a conduta do empregador e o dano que sobreveio ao empregado. In casu, não houve por parte do empregador a prática de ato ou omissão alguma que tenha resultado no acidente.
Ensina Maria Helena Diniz (2) que não haverá responsabilidade patronal se se provar que, por exemplo, o operário deliberadamente colocou um dedo na máquina para provocar o acidente e receber a indenização.
 A máquina que lhe causou o dano figura como mero instrumento do acidente, no dizer de Sílvio Rodrigues (3), sendo o operário lesionado o próprio autor do evento que lhe foi danoso.
Washington de Barros Monteiro (4) diz textualmente que “o nexo desaparece ou se interrompe quando o PROCEDIMENTO DA VÍTIMA é a causa ÚNICA do evento”.
Assim já decidiu o Tribunal de Justiça de Goiás:
"Apelação Cível. Ação de indenização por danos decorrentes de acidente de trabalho. Inexistência das condutas comissiva e omissiva imputadas ao empregador. Culpa exclusiva do obreiro. Afastado o nexo causal. Não caracterização da responsabilidade civil. 1- O dever de indenizar os danos decorrentes de acidente, mesmo que ocorrido durante o pacto laboral, surge somente quando comprovada a existência do dano, da conduta ilícita, do nexo causal e da culpa do empregador. 2- A prova pericial constatou que foram fornecidos os equipamentos de proteção individual necessários e suficientes a garantir a segurança do trabalho, razão pela qual resta descaracterizada a suposta conduta ilícita do empregador. 3- Tendo em vista que o empregador prestou toda a assistência necessária por ocasião da ocorrência do evento danoso, não há que se cogitar em omissão culposa ilícita. 4- A culpa exclusiva da vítima afasta o nexo causal entre os danos sofridos e qualquer conduta praticada por terceiro, porquanto esta não contribuiu para o advento do evento danoso. 5- Responsabilidade Civil não configurada. 6- Recurso conhecido e improvido". (TJ-GO)
Poderíamos ainda citar a hipótese de o empregado intencionalmente fazer uso irregular do equipamento de segurança no intuito de que lhe sobrevenha um acidente que lhe possa dar direito a uma indenização. O acidente foi resultado de sua forma de proceder, portanto, descabe a responsabilização do empregador.
No entanto, configurada está a responsabilidade patronal se, no caso em análise, não houvesse o empregador providenciado o equipamento de segurança, pois que haveria nexo entre sua conduta culposa (omissão) e o dano advindo ao empregado.
4 – Caso fortuito e força maior:
 “Fala-se em caso fortuito ou de força maior quando se trata de acontecimento que escapa a toda diligência, inteiramente estranho à vontade do devedor da obrigação”.(5)
Sérgio Cavalieri Filho (6) considera caso fortuito o fato necessário imprevisível e, por conseguinte, inevitável. A força maior seria o fato necessário também inevitável, porém previsível, como o são os fatos da natureza (raio, enchente, terremoto). Pode-se prever uma tempestade, mas não a gravidade dos danos que ela pode causar.
Divergências há quanto à definição destes institutos, mas tal debate nunca foi de relevância no direito brasileiro eis que os dois códigos civis tratam-nos quase na condição de sinônimos (CC de 1916, artigo 1.058, parágrafo único; CC de 2002, artigo 393, parágrafo único), sendo também idênticas as conseqüências jurídicas de sua ocorrência.
Ambos excluem o nexo de causalidade e qualquer forma de responsabilização do empregador, pois correspondem a um fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (Novo CCB, artigo 393, parágrafo único).
Haverá, entretanto, responsabilidade do patrão se, malgrado o dano resultar de um fato necessário (enchente, tempestade etc), os efeitos deste possam ser evitados ou impedidos por um ato do empregador (providenciando equipamentos de segurança, por exemplo).
Suponhamos, por exemplo, que durante uma intensa chuva tenha ocorrido o desabamento e a inundação de uma mina, soterrando e matando diversos mineiros. Embora seja inquestionável que a chuva seja um fato necessário será preciso questionar se os efeitos da mesma (desmoronamento e inundação) eram inevitáveis ou não pois, sendo evitáveis por ato do patrão verifica-se o nexo de causalidade e este deverá ser responsabilizado. “É preciso apreciar caso por caso as condições em que o evento ocorreu, verificando se nessas condições o fato era previsível ou inevitável”.(7)
Para que haja a exclusão do nexo causal e fique o empregador isento de qualquer responsabilidade necessário será, portanto, que os efeitos do fato necessário sejam inevitáveis.
5 – Fato de terceiro:
Igualmente, o fato de terceiro é idôneo a afastar o nexo de causalidade e, por via de consequência, a responsabilidade patronal.
Entretanto, o mesmo é de difícil configuração quando da ocorrência de um acidente no curso da relação de emprego.
 Poderíamos, por exemplo, vislumbrar a hipótese de o empregador haver providenciado os equipamentos de segurança exigidos pelas normas de segurança do trabalho e, mesmo assim, houver advindo danos à pessoa do empregado, decorrentes da péssima qualidade dos equipamentos adquiridos pelo patrão. À primeira vista poderia até parecer se tratar de fato de terceiro (empresa que vendeu os equipamentos ao patrão) na medida em que há uma relação lógica de causalidade entre o acidente verificado e a qualidade ruim do equipamento. No entanto, o caso não é de fato de terceiro, eis que o empregador concorreu com sua culpa in eligendo, ao não investigar acerca da qualidade dos equipamentos adquiridos.
Seria, no entanto, um caso de fato de terceiro em que restaria excluída a responsabilidade patronal a situação de o empregado sofrer lesões ou até mesmo falecer em virtude de um curto-circuito em máquina que operava, fato este ocorrido em face de excessiva tensão na rede elétrica, atribuída a falhas de operação da fornecedora. Neste caso, não obrou com culpa alguma o empregador, devendo ser atribuída exclusivamente ao terceiro (fornecedora da energia elétrica) a responsabilidade pela reparação dos danos verificados.
6 – Outras causas excludentes da responsabilidade do empregador:
Maria Helena Diniz (8) enumera algumas situações onde restará excluída a responsabilidade patronal pelo acidente a saber: 1) Advier de doença endêmica adquirida pelo empregado que mora em regiões onde ela se desenvolve, salvo se se provar que tal doença se manifestou em razão da natureza do trabalho; 2) For decorrente de doença degenerativa; 3) For inerente a grupo etário.
Nestas situações, igualmente, não há de se falar em nexo de causalidade, estando o empregador isento de qualquer responsabilidade civil.
7 – Conclusões:
Diversas são as situações em que não se verificará a responsabilidade patronal pela indenização civil.
Referidas situações resultam da exclusão do nexo de causalidade, sem o qual não se preenchem os requisitos básicos para configuração do dever de indenizar.
Cada caso, entretanto, há de ser analisado profundamente, sob pena de aplicar-se a legislação de modo injusto, prejudicando o obreiro. Há de se inferir se, para a ocorrência do evento, não contou o empregador com nenhum grau de participação, seja com uma conduta ativa, seja com uma conduta omissiva, seja com uma conduta dolosa, seja com uma conduta culposa, pois concorrendo para a existência do infortúnio deverá o empregador também ser responsabilizado civilmente.
 8 - Notas:
(1) Programa de Responsabilidade Civil, p.65.
(2) Curso de Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil, p.409.
(3) Responsabilidade Civil, p.179.
(4) Curso de Direito Civil - Parte Geral, p.279.
(5) Sérgio Cavalieri Filho, op. cit., p.66.
(6) Sérgio Cavalieri Filho, op. cit., p.66.
(7) Sérgio Cavalieri Filho, op. cit., p.66/67.
(8) Obra citada, p.409.
 9 - Bibliografia referenciada:
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2ª edição. São Paulo : Malheiros, 1999.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil. 15ª edição revista. São Paulo : Saraiva, 2001.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil - Parte Geral. 25ª edição. São Paulo : Saraiva, 19??.
      RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade Civil. 12ª edição. São Paulo:  Saraiva, 19??.


Publicado no Jornal do 5º Congresso Brasileiro de Saúde e Segurança no Trabalho. São Paulo/SP: Editora LTr, 2004. p. 22-23.