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quarta-feira, 20 de maio de 2020

Militarização da administração pública

Os chefes do Poder Executivo, em qualquer de seus níveis, do municipal ao federal, dispõem de ampla liberdade para escolher as pessoas que ocuparão os cargos em comissão, que na letra da Constituição Federal de 1.988 são aqueles criados por lei, de livre nomeação e exoneração, e que se destinam exclusivamente às funções de direção, chefia e assessoramento.

A qualificação e a aptidão técnicas para o adequado desempenho das atribuições do cargo são aferidas pela autoridade política nomeante, de quem se espera ponderar se o nomeado detém os conhecimentos mínimos para um exercício dos poderes e competências que a ele serão delegados.

No Brasil a militarização da administração pública não é fenômeno novo, nem atual. Inúmeros militares ocuparam o cargo de presidente da República e não estamos nos referindo apenas ao período da Ditadura quando, entre 1964 e 1985, cinco oficiais generais ditaram os rumos políticos da nação. Lembremos que nosso primeiro presidente foi um Marechal (Deodoro da Fonseca) e um General, o Sr. Eurico Gaspar Dutra, fora eleito democraticamente em 1945. Completa nosso quadro de exemplos nosso atual presidente, que é capitão reformado do Exército Brasileiro.

A ocupação do cargo máximo do Estado por um militar é absolutamente legítima dentro do regime constitucional, desde que obviamente seja eleito democraticamente.

O que nos causa algum temor é a ocupação, de cargos de perfil técnico, por oriundos da carreira militar, quando não ostentar o nomeado a qualificação exigível para a função.

No atual governo federal assiste-se a uma militarização de postos relevantes de primeiro e segundo escalão tendo o presidente, no seu direito constitucional de assim proceder, nomeado generais para diversos ministérios.

A questão que se coloca é se certas áreas, por demandar apurados conhecimentos técnicos, podem ser presididas por oriundos da caserna. Como o leitor já deve imaginar, falamos, exemplificativamente, do Ministério da Saúde, que desde a saída de Nelson Teich é comandado por um general leigo em assuntos de saúde, ao que se somam inúmeras nomeações de militares para cargos de relevo no Ministério da Saúde.

Não está escrito em lugar algum da Constituição Federal que para ser ministro da Saúde tenha de ser médico, porém é inquestionável que um médico é o profissional mais habilitado para deliberar sobre assuntos técnicos pertinentes a medicina, especialmente em um momento em que leigos estão se julgando no direito de recomendar o uso de certas medicações para o tratamento da doença provocada pelo Covid-19.

A isto se soma a necessidade de decisões rápidas em um cenário de enfrentamento a uma pandemia que assola o país e o poder de deliberação se encontra nas mãos de um leigo.

Prover ou não cargos do alto escalão com militares é prerrogativa do presidente. Cabe debater se eventual ausência da aptidão técnica para conduzir assuntos de relevo não poderá resultar em prejuízos à atividade administrativa.

Características intrínsecas ao meio militar como a disciplina, o respeito à hierarquia e à organização são úteis e louváveis em qualquer âmbito da administração pública porém, na nossa modesta opinião, o conhecimento técnico é item a ser sempre considerado e valorado, mesmo quando do provimento de um cargo comissionado.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Suprema Interferência


No dia 29/04/2020 o meio jurídico e político foi revolvido pela decisão proferida pelo Ministro do STF Alexandre de Moraes o qual, ao julgar pedido de liminar feito no bojo do Mandado de Segurança nº 37097/DF, impetrado pelo PDT, suspendeu a eficácia do decreto federal que nomeada o Delegado Alexandre Ramagem para o cargo de diretor da Polícia Federal.

A decisão foi mais um capítulo de uma novela mexicana que começara no dia 24/04/2020 quando pela manhã o Sr. Moro pediu demissão e pela tarde tivemos Bolsonaro em um desordenado discurso tentando “restabelecer a verdade”.

Contratempos desta natureza são comuns e até esperados no governo Bolsonaro, porém ao deferir a liminar pleiteada pelo PDT no mandado de segurança acima mencionado entendemos que tolheu perigosamente o STF, na pessoa do Sr. Alexandre de Morais, legítima competência do presidente da República.

Quem destinar uns vinte minutos a ler as quinze laudas da decisão interlocutória proferida no MS nº 37094/DF verificará inicialmente um longo curso sobre os princípios constitucionais da administração pública, com enfoque na moralidade e na impessoalidade. Mais adiante, citando reportagens televisivas e menções a prints de whatsapp feito por Moro e entregues à Rede Globo conclui o Min. Moraes por ver patente imoralidade e desvio de finalidade na nomeação de Ramagem, suspendendo a eficácia do ato.

Anulação ou suspensão de efeitos de atos administrativos pelo Judiciário é tema de grande debate no meio jurídico. Atendando à lei o ato há de ser anulado e quanto a isso não há maiores questões. Mas ao invocar princípios constitucionais com vistas a tolher competência legítima de alguma autoridade do Executivo entendemos que o tema ganha transtornos dramáticos.

É óbvio que na administração pública todos os atos, dos mais banais aos mais complexos devem ser inspirados pela moralidade, pela impessoalidade e pelos demais preceitos constitucionais atinentes à atividade administrativa. Porém o que entendemos por tormentoso e crítico é o estabelecimento de um julgamento sumário de determinado ato administrativo, fulcrado em subjetividades, e se concluir por direcionamento a um propósito imoral.

Em certo momento de sua decisão, ao citar uma professora de Direito Administrativo, o Min. Moraes reporta que “não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade”. Em outras palavras, em uma análise rápida e perfunctória Moraes decodificou todos os propósitos do presidente e todo o caráter de Ramagem, o “imoral” escolhido por Bolsonaro para chefia a Política Federal.

Lembramos que a atuação de Ramagem seria acompanhada e fiscalizada pelo MPF e seria mais apropriado não colocar-se óbice, neste momento, à nomeação devendo eventual conduta inadequada ser alvo de apuração específica.

Alexandre Moraes avançou o sinal. No STF o desconforto está plantado e será minimizado com a esperada revogação da liminar, quando do julgamento do mérito.

No Brasil de hoje a relação entre os poderes padece de rusgas recorrentes e a harmonia de que fala o artigo 2º, da CF/1988 ostenta um frágil equilíbrio. Com decisões como a do Min. Moraes uma paz institucional é um sonho cada vez mais distante.

Em tempo, esta “onda moralizante” não é algo novo. A título de exemplo, em 2018 a nomeação de uma Ministra do Trabalho foi impedida por um juiz federal de Niterói pelo fato de haver sido condenada em duas ações trabalhistas.

Publicado no blog "Uberlândia Hoje", do jornalista Ivan Santos, em 06.05.2020.