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quarta-feira, 22 de maio de 2013

Direitos trabalhistas em um ambiente de crise econômica global: a necessidade do intervencionismo estatal e a desnecessidade de tolhimento de direitos

Em 2008 o mundo capitalista foi estremecido por uma das maiores crises de sua história a qual, embora iniciada nos EUA, repercutiu em praticamente todas as nações, promovendo recessões, desemprego, falências e diversas outras repercussões negativas. 

Pois a crise que assombrou o mundo em 2008 voltou a provocar danos a partir do ano de 2011, sobretudo nas nações europeias, levando países como Grécia, Espanha e Portugal à beira do colapso e colocando em risco a própria existência do euro, a moeda que hoje utilizam as economias mais influentes daquele continente, excepcionado o Reino Unido. 

Num ambiente de crise econômica severa sempre há ensejo para debates acerca da suspensão, redução ou cancelamento dos direitos laborais, como medida para desonerar as empresas já supostamente penalizadas pelos efeitos da crise. 

Na Grécia, que seguramente foi a nação mais atingida pelos efeitos da crise, como medida que lhe foi imposta para obtenção de recursos externos para salvar sua economia teve de reduzir drasticamente os salários, flexibilizar as leis trabalhistas propiciando milhares de demissões e cortar pensões, atingindo milhões de trabalhadores gregos nos seus mais básicos direitos. Conforme adiante explanaremos, as medidas restritivas dos direitos trabalhistas são fruto do recorrente oportunismo propiciado pela crise, e são falaciosamente legitimadas como medidas necessárias e impostergáveis para o enfrentamento da crise, quando em verdade somente servem ao benefício do empresariado, dos grandes capitalistas. 

Conquanto a questão ora em apreço possa e deva ser apreciada pelos juristas, dada sua repercussão na seara dos direito laboral, econômico, financeiro, tributário e outros recantos da ciência jurídica, a verdade é que o tema em tela tem um aspecto muito mais político e econômico, do que propriamente jurídico, na medida em que as crises econômicas e suas consequências decorrem precipuamente da opção das nações mais influentes do sistema capitalista por um modelo neoliberal, caracterizado sobretudo por uma ausência de uma firme regulação estatal do sistema financeiro e por um propalado (e ultrapassado) não intervencionismo estatal na economia, que só tem beneficiado a quem deseja obter lucros vultosos no sistema capitalista. 

As políticas econômicas neoliberais que têm orientado as ações dos governos nas últimas três décadas, e que tiveram como uma de suas expoentes a recentemente falecida ex-primeira ministra britânica Margareth Thatcher, têm levado a uma ausência da regulação do mercado financeiro, abrindo campo para a livre e deletéria especulação financeira a qual, de tempos em tempos, gera crises catastróficas no sistema capitalista, as quais têm atingido justamente quem não tem responsabilidade ou culpa alguma nesta crise, qual seja a classe trabalhadora, os pensionistas, os aposentados e os mais pobres. 

O enfrentamento das crises passa pela necessária regulação do mercado financeiro, mediante a taxação pesada dos lucros dos especuladores e mesmo uma fiscalização das ações nos mercados de capitais, e deve ser complementada com a desoneração tributária temporária dos empregadores, posto ser preferível o governo renunciar a tributos a termos uma legião de desempregados que, nesta condição, não poderiam contribuir com o reaquecimento da economia, eis que privados de seus salários e consequentemente afastados do mercado de consumo. A isso se somariam os gastos públicos e as medidas assistencialistas, mesmo em um ambiente de crise, porque assim agindo se assegurariam meios de a economia naturalmente se reaquecer, recobrando o fôlego e gradualmente extirpando os efeitos da crise. 

A manutenção dos empregos, dos salários nos patamares pré-crise e mesmo a integral manutenção de todos os demais direitos de natureza trabalhista é medida que se impõe não apenas sob o aspecto humanitário da questão, o qual por si só justificaria o respeito aos mesmos, mas ainda que se analise a questão por um viés puramente econômico é adequado se imaginar que em nações em crise, e em estado de recessão, o aquecimento da economia decorre, em grande medida, do fluxo de recursos, contribuindo para tanto o consumo que somente pode ser assegurado se um razoável contingente da população economicamente ativa estiver trabalhando e podendo efetuar gastos regularmente. 

As ideias acima expostas nada mais são do que a exposição das revolucionárias teses do maior economista do século XX, o grande John Maynard Keynes que se opunha frontalmente aos adeptos do liberalismo econômico, que preconizavam a necessidade de se evitar intervenções e regulações dos mercados, os quais adquiririam a esperada estabilidade naturalmente. Para o economista britânico, para enfrentar crises e recessões, necessário seria que os governos injetassem o máximo de recursos na economia, possibilitando assim o seu reaquecimento e gradual recuperação. 

As medidas restritivas e de arrocho, segundo as ideias keynesianas, além de não promover a melhora do quadro poderiam agravá-lo. Seria algo como reduzir o oxigênio de um paciente que está na UTI. 

O intervencionismo estatal, segundo Keynes, seria legítimo não apenas para regular os mercados, mas mesmo para assegurar a saúde financeira das empresas, bastando lembrarmo-nos do setor automobilístico americano, que recebeu bilhões daquele governo quando da crise de 2008. Não houvessem sido feitas aquelas intervenções teríamos as maiores montadoras americanas quebradas e milhares de funcionários demitidos, agravando a crise. Hoje elas estão financeiramente saudáveis, os empregos foram assegurados, carros são produzidos, vendidos, e impostos são gerados, tudo num contexto de crise em que não foram necessários tolhimentos de direitos dos trabalhadores. 

Mesmo no Brasil, cujos efeitos da crise, ainda que menores, se fazem sentir desde 2008, a redução de impostos do setor automobilístico assegurou a manutenção de empregos de milhares de trabalhadores, e nas consequências econômicas positivas deste quadro. 

O argumento da crise não há de valer para se tolher direitos laborais, na medida em que as restrições destes direitos poderiam até mesmo agravar o quadro de crise, dados os reflexos inevitáveis na redução do consumo, na arrecadação de tributos etc. As restrições de direitos trabalhistas em tempos de crise são medidas errôneas, ineficazes e oportunistas, porque ignoram a condição humana dos trabalhadores, impondo-lhes os ônus de um momento histórico para o qual não contribuíram, e talvez no qual estejam entre as principais vítimas. 

As crises financeiras têm culpados bem conhecidos, e dentre os mesmos não estão os trabalhadores, cujos direitos hão de ser assegurados, a qualquer custo, ainda que para tanto tenha o estado de intervir. Restringir direitos trabalhistas é medida oportunista que não se justifica e não se sustenta, por desrespeitar a dignidade dos trabalhadores e por agir no sentido contrário ao verdadeiro enfrentamento da crise econômica.